Masculinidade e violência

Começa na infância: brinquedos de menino remetem a lutas e conquistas. Menino não chora, não brinca de boneca e não cruza as pernas quando senta

por Camila Caringe no Papo de Homem

Eu estava em um encontro que nem era propriamente sobre o tema. Era uma agenda transversal que reunia representantes de organizações da sociedade civil, do governo e de agências da Organização das Nações Unidas (ONU). A Xica, dita assim mesmo, apresentada assim, grafada assim, aproveitou a oportunidade e pediu a palavra. Levantou lá do fundinho uma mulher negra e pegou o microfone, sem demonstrar exaltação:

“Você me conhece? Você se sente bem em me representar? Estou falando como a Xica 200 milhões de pessoas do Brasil. Essa é uma angústia que eu tenho. Eu não tenho saber acadêmico, mas tenho o saber da prática, da sobrevivência. Na nossa comunidade, onde tem mulheres feministas, quantas Xicas da vida foram mantidas em cárcere privado durante dez anos, sobreviveu e agora tem sequelas, cega de um olho, dois natimorto, duas taquicardia, 51 anos, fiz ontem, tô viva. E aí eu me dirijo aos nossos representantes nacionais e internacionais e pergunto porque que não escutam uma Xica dessa? Será que é porque ela não é acadêmica? Ou porque não sabem? Se não sabiam, estão sabendo agora. Esses homens não nos escutam. A maioria dos representantes é homem. Eu fui espancada por um homem, mas não tomei raiva dos homens. Ainda acho que vou encontrar meu príncipe encantado. E tenho três filhas lindas, negras. Pelo amor de Deus. As mulheres estão gritando. Por serem espancadas, pela desigualdade, mas não tem escuta também para os homens. Só que a maior parte dos homens também não quer nos escutar. Eu sou uma mãe, mulher, livre. Eu quero voltar a estudar, fazer faculdade, estou começando um curso de inglês agora, não dá mais para camuflar a situação.”

91% dos entrevistados em maio e junho de 2013 pelo Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)concordam que “homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia”. Por outro lado, pesquisa realizada pelo Instituto Avon em parceria com o Data Popular conclui que jovens percebem o machismo arraigado na sociedade, mas reproduzem ações e valores que reiteram as desigualdades de gênero e a violência doméstica. Embora 96% dos jovens aprovem a Lei Maria da Penha, muitos parecem não se dar conta de assumir práticas sexistas e conservadoras. Xica, vítima de violências diversas, tem sorte. Ela não está entre as 50 mil mulheres assassinadas no Brasil por causas violentas entre 2001 e 2011. Segundo o Ipea, foram, em média, 5.664 mortes por ano, 472 a cada mês, 15,52 por dia ou uma morte a cada 1h30. Xica se salvou.

 

 

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