Acabar com a Seppir não reduz gastos e é retrocesso no combate ao racismo

A presidenta Dilma Roussef, neste movimento de ceder às pressões da direita, mesmo tendo sido eleita pela militância dos movimentos populares, anunciou que irá fazer um corte de dez ministérios. A notícia foi amplamente divulgada pela mídia hegemônica que sempre repercutiu a tese conservadora de que um dos maiores problemas do Brasil é o “inchaço” da máquina.

Do Portal Fórum

A redução do número de ministérios, prevista até em uma proposta de emenda constitucional apresentada pelo presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, virou mantra no discurso conservador que bate na tecla que o problema do Brasil é o déficit nas contas públicas causado pelo excesso de “gastos” do governo.  Não se fala nestes “gastos” o pagamento dos juros da dívida pública, que crescem a cada aumento da taxa Selic e consomem hoje quase a metade do orçamento, ou ainda nas perdas de receitas públicas com os incentivos fiscais concedidos as empresas ou ainda a sonegação e elisão fiscal.

O mais grave é que a sinalização é de corte dos ministérios voltados a implantação de políticas públicas específicas para negros, mulheres e juventude. A Seppir (Secretaria Especial de Políticas Promoção da Igualdade Racial), a SPM (Secretaria de Políticas para as Mulheres) e a SPJ (Secretaria de Políticas para a Juventude) perderiam o status de ministérios e seriam abrigadas em um único ministério, provavelmente o de Direitos Humanos. Esta proposta é ineficaz quanto aos seus propósitos expressos (corte de gastos) e um retrocesso nas políticas voltadas a estes setores.

É ineficaz quanto aos propósitos porque estas secretarias com status de ministérios tem estruturas super-enxutas. Isto é importante porque os gastos não estão diretamente ligados a existência de mais ou menos ministérios. Há ministérios com estruturas gigantescas, com várias fundações e secretarias subordinados – como é o caso, por exemplo, do atual Ministério da Educação. Se montar uma máquina ministerial com 15 ministérios com esta envergadura, o custo será alto.

Vamos comparar o orçamento da Seppir, por exemplo – ministério, com uma autarquia subordinada a um outro ministério, o INEP (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), vinculado ao MEC. O orçamento da Seppir em 2013 foi de 38,6 milhões de reais, sendo gastos efetivamente 89% disto, ou seja, 34,5 milhões. Neste mesmo ano, o INEP gastou R$1.031.646.549,00, trinta vezes mais. Não se está discutindo aqui a justeza dos gastos, o INEP é responsável por gerenciar todo o processo do Enem e também a avaliação dos cursos de graduação, tarefas complexas e custosas. Apenas quer ser argumentar que nem sempre um ministério é mais custoso que uma autarquia ou subsecretaria. Portanto, associar excesso de gastos a muitos ministérios é falso.

Quanto ao retrocesso, colocar estas temáticas no patamar de ministérios ou de secretarias subordinadas a outros ministérios implica em uma concepção de gestão de políticas públicas. O status de ministério dado a estas secretarias possibilita que se dê maior visibilidade a estas políticas específicas (o que implica em um reconhecimento e um compromisso efetivo do Estado brasileiro em combater as desigualdades e injustiças que atingem negros, mulheres e jovens) e que tais políticas devem ter caráter transversal, isto é, articular as mais diversas áreas, o que seria impossibilitado caso elas ficassem abrigadas em um ministério específico.

Exemplo: abrigar a Seppir, a SPM e a SPJ em um Ministério dos Direitos Humanos significa tratar estas temáticas pela lógica exclusiva dos  direitos humanos, que as engloba certamente mas não a esgota. O combate ao racismo exige políticas no campo da educação, cultura, esportes, trabalho, saúde, ciência e tecnologia, segurança pública, cidades, entre outros.

Além disto, as áreas tem semelhanças mas também especificidades tamanhas que seria difícil encontrar um “ministro” ou uma “ministra” que pudesse transitar entre todas estas frentes, de forma que pudessem articular ações deste superministério que dessem conta de todas as demandas.

Concluindo então, a extinção destas secretarias como ministérios não é enxugamento de gastos e sim retrocesso nas políticas públicas destinadas a estes setores. Pergunta-se se, com esta avalanche conservadora, não é exatamente este o objetivo da direita em exigir a “redução do número de ministérios” sob o falso argumento de “corte de gastos”.

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