Racismo não existe. As armas é que gostam de matar jovens negros – Por: Leonardo Sakamoto

Foto: Flávio Florido

Há amigos que nunca foram parados em uma blitz policial. Normalmente, são brancos, caucasianos, bem vestidos, jeito de bom moço ou moça, com todos os dentes ou próteses bem feitas, dirigindo veículos que estão nos comerciais bonitos de TV. Aqueles com o relevo e a fauna características de nosso país, como montanhas nevadas e cervos.

Um deles, por exemplo, me explicou que pilota uma moto há tempos sem habilitação. “A polícia não para de jeito nenhum.” Enquadra-se perfeitamente na categoria acima descrita.  Recentemente, um róseo conhecido foi parado em uma batida. Ficou transtornado. “Como se atrevem? Acham que sou um qualquer?”

Por outro lado, há aqueles que cansaram de cair na malha fina da polícia. Quase sempre, negros ou pardos.

De tanto ser parado, um outro colega já encara como hábito. Perguntei se isso não o revoltava. Explicou, com um certo cansaço, que, desde moleque, era sempre a mesma coisa. Então, se acostumou. Já chegou a cair em duas batidas na mesma noite. Procuravam um meliante.

Sei que é assunto já tratado neste espaço, mas peço permissão para trazer a discussão de outro post. Pois uma pesquisa do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos, lançada nesta quarta (2), apontou que a mortalidade de negros devido à violência policial é três vezes maior que a de brancos no Estado de São Paulo – apesar dos negros serem minoria.

Coisa que os jovens negros e pobres da periferia das grandes cidades paulistas já sabem há muito tempo.

Quando falamos em cotas raciais para acesso à educação superior ou a postos no serviço público, muita gente fica possessa. Dizem que cotas deveriam valer apenas para pobres, não para negros. Pois, às vezes, filhos de pais de pele cor parda nascem brancos ou negros. Ou, por vezes, uma pele negra esconde um perfil genético com grande participação de ancestralidade europeia.

Na minha opinião, a questão genética não deveria influenciar. O preconceito não se traduz quando alguém tem conhecimento da ancestralidade do outro (“Ei, sem preconceito! Meu tataravô era branco e alemão”), mas ao observar a cor ou diferenças étnicas. Porque mesmo que essas diferenças visuais digam pouco sobre a origem da pessoa, séculos de racismo deram um significado bem claro para determinada cor de pele. E isso não pode ser alterado sem enfrentamento.

Na prática, muitos não esperam para perguntar o perfil genético do rapaz negro que vem no sentido contrário na rua escura. Simplesmente, atravessam para o outro lado ou correm. Balas perdidas com o DNA da polícia não são guiadas pelo perfil genético e pouco se importam que um rapaz de pele negra tenha 70% de ancestralidade europeia. Talvez, posteriormente, o legista ache interessante.

E a herança desse preconceito não precisa ter sido sentida por gerações e mais gerações. Se uma criança nascer com a pele mais escura que sua família vai sofrer preconceito na sociedade mesmo que seus pais não tenham sofrido. Se for pobre, pior ainda. Tomando como referência a média salarial, os valores pagos para uma mesma função na sociedade coloca, em ordem decrescente: homem branco rico de um lado e mulher negra pobre do outro.

Ao me relacionar com os outros, não faço isso só. Imprimo séculos de biografias, séculos de acomodação cultural, de preconceitos e medos, reforçadas pela imagem do que sou hoje. Não só a genealogia pesa sobre os ombros, mas também a história e as condições sociais do país. De certa forma, no “agora” está presente toda a história humana.

A Justiça que se pretende fazer ao analisar e tentar reconstruir o Estado por um novo viés não é apenas a de saldar a dívida de uma escravidão mal abolida com os descendentes dos negros escravizados que não foram inseridos como deveriam no pós Lei Áurea. Mas sim a tentativa de mudar o pensamento e a ação de uma sociedade, ainda calcada na relação Casa Grande e Senzala, que trata as pessoas de forma desigual por conta da cor de pele.

Afinal, para muita gente, saber que alguém é negro já é o bastante.

Fonte: Blog do Sakamoto 

+ sobre o tema

Manifesto dos Brancos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Este texto é um manifesto escrito e subscrito...

Homem inocentado de roubo vira réu mais uma vez por causa de reconhecimento por foto

Há três anos, o educador Danillo Félix Vicente de Oliveira foi...

Mãe denuncia que filha foi pisoteada e vítima de racismo em escola: “macaca”

Uma mãe de 43 anos de idade registrou um boletim...

O Brasil é um país genocida

Há muito tempo, uma grande amiga, também historiadora, me disse:...

para lembrar

Na disputa da PM baiana com Igor Kannário, quem sofre são os jovens negros

O carnaval de Salvador vem registrando desde 2012 uma...

Alagoas é o estado com maior índice de assassinatos de adolescentes

Índice de Homicídios na Adolescência foi apresentado nesta quarta...
spot_imgspot_img

Marca de maquiagem é criticada ao vender “tinta preta” para tom mais escuro de base

"De qual lado do meu rosto está a tinta preta e a base Youthforia?". Com cada metade do rosto coberto com um produto preto,...

Aluna é vítima de racismo e gordofobia em jogo de queimada na escola

A família de uma adolescente de 15 anos estudante do 9º ano do Colégio Pódion, na 713 Norte, denunciou um caso de racismo e preconceito sofridos...

Atriz Samara Felippo presta depoimento em delegacia sobre caso de racismo contra filha em escola de SP

A atriz Samara Felippo chegou por volta das 10h desta terça-feira (30) na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, no Centro de São Paulo. Assista o...
-+=