Uberlândia: Desabafo de um Cristão Negro

por: Alex Vinícius Dias

 

 

 

 

Assim sendo, é com imensa decepção e tristeza que recebo a informação de que a Igreja Católica é contra a implementação do Projeto de Lei que cria o feriado do dia 20 de novembro – Dia da Consciência Negra, que gera efeito e conseqüência positivas a mais de 50% (cinqüenta por cento) da população de nossa cidade no que tange a qualidade de vida do cidadão e a dignidade da pessoa humana quanto a sua raça e cor, e outros tantas mais que são vítimas de preconceito e discriminação pelo sexo ou opção sexual, etnia, idade, ou necessidades especiais na forma estabelecida em Lei.

 

Feriado este que visa proporcionar e efetivar Ciclo de Estudos, trabalhos, Palestras, Informações, Cursos, Oficinas e Eventos Culturais, em Congressos, Seminários e Fóruns de debate, para reunir psicólogos, educadores e ativistas negros de diversos assuntos de interesse geral, para discutir a condição de vida do negro e os efeitos psicossociais da discriminação e do preconceito racial enraizado em nosso país, e em particular em nossa cidade, sendo reconhecido e comprovado que “Os efeitos psicossociais do racismo afetam a conduta das pessoas e seu comportamento”, primando pela valorização do ser humano na sua essência e na total amplitude de abrangência.

 

Feriado este que focado em desenvolver um processo de capacitação do cidadão e a formação sobre as questões raciais, com a participação de toda sociedade civil, com atitudes de cidadania, auto-estima e compreensão dos direitos humanos por parte da sociedade, promovendo a defesa dos direitos das pessoas e o combate ao racismo no âmbito das esferas públicas e privadas, com incentivo dos meios completos de conscientização e da promoção da igualdade racial, fundada nos princípios fundamentais, nos valores e atributos adquiridos e repassados, no respeito, na honra, na dignidade, na moral e nos bons costumes, extinguindo assim as desigualdades sociais, constituídas historicamente com base na exploração econômica, violência e escravidão, criando um modo diferente de agir e pensar e, contudo, promover o bem comum, sem preconceito de origem, raça, sexo ou opção sexual, cor, idade, deficiência física ou mental, ou quaisquer outras formas de discriminação, melhorando o convívio social e o seu harmonioso relacionamento com a diminuição da criminalidade, e aprovação de políticas públicas de interesse coletivo.

 

Justifica sua necessidade de implantação pelo fato da sociedade brasileira caracterizar-se por uma pluralidade étnica de produto de um processo histórico que inseriu num mesmo cenário três grupos distintos, qual sejam Portugueses, Índios e Negros de origem africana, que favoreceu a disseminação da cultura, levando à construção de um país miscigenado e multifacetado.

 

No chamamento ao exercício da cidadania e na busca de uma sociedade mais justa e fraterna os negros e também os índios permaneceram em situação de desigualdade incorporando-se na marginalidade e nos excluídos social, econômico, política e cultural.

 

Me desculpa a Arquidiocese de Uberlândia, pois assim falo como um cidadão que cresceu sob os mandamentos da Igreja Católica, e que teve sua introdução escolar e educacional na Paróquia Nossa Senhora de Fátima, tendo estudado com os Freis Fulvio e EgídioParisi, mas este comportamento precipitado, desesperado e sem justo motivo, ao meu modo de sentir e enxergar, trata-se de mais um ato de preconceito e está pautado em um forte componente emocional que faz com que os sujeitos se distanciem da razão atacando o seu semelhante, agindo assim pressionado, por quem não sei, sem pensar nos benefícios que a aprovação deste projeto lei em lei trará à sociedade como um todo e principalmente para a comunidade negra, que representa 53% (cinqüenta e três por cento) da população desta cidade e outros tantos vítimas de racismo, preconceito e discriminação, e em analise para o avanço social, uma vez que Uberlândia é considerada e reconhecida nacionalmente, uma das cidades mais racistas e preconceituosas do país, e devemos quebrar esta sina.

 

De tantos perdões dos pecados que a Igreja Católica pediu, este é mais uma que deve ser reparado, pois se houve escravidão neste país e nos demais países do mundo, se deu graças e com a permissão desta Instituição Religiosa, que em consonância com os seus interesses dominante, utilizou seus aparelhos ideológicos para difundir a imagem depreciativa do negro, e com sua perseguição, dando uma verdadeira demonstração de impaciência e intolerância religiosa, nos tornando assim resistentes, fortes e incansáveis na luta por um mundo melhor, e neste ato franco e aberto, demonstrando toda nossa generosidade, novamente nos vem agredir e depreciarmos por meio da imprensa escrita, de forma covarde e sem direito de resposta, e isto não iremos mais permitir.

 

Tenho demonstrado uma grande capacidade adaptativa, independente das agressões sofridas, até mesmo pelo fato de hoje ser Católico Apostólico Romano com muito orgulho, pela essência da minha alma, e como firmamento do meu batismo até hoje me preservo, mesmo sabendo que a implantação da escravidão no Brasil se deu pela Vossa permissão com a “BULA DUM DIVERSAS”:

 

Bula Dum Diversas, de 16 de junho de 1452, onde o papa Nicolau dia ao Rei de Portugal, Afonso V: “… nós lhe concedemos, por estes presentes documentos, com nossa Autoridade Apostólica, plena e livre permissão de invadir, buscar, capturar e subjugar os sarracenos e pagãos e quaisquer outros incrédulos e inimigos de Cristo, onde quer que estejam, como também seus reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades… E REDUZIR SUAS PESSOAS À PERPÉTUA ESCRAVIDÃO, E APROPRIAR E CONVERTER EM SEU USO E PROVEITO E DE SEUS SUCESSORES, os reis de Portugal, em perpétuo, os supramencionados reinos, ducados, condados, principados e outras propriedades, possessões e bens semelhantes…”  Em 8 de janeiro de 1554 estes poderes foram estendidos aos reis da Espanha.

 

Não nos sucumbiremos novamente diante da Sua arrogância e da Sua brutalidade com que vem nos tratando e também pelas demais religiões cristãs, que muito me admiram, por terem em seu quadro de Fieis inúmeros negros, como também pelo Estado que não muito nos acolhe de braços abertos e pela sociedade de privilegiados que não vêem com bons olhos nossa inclusão.

 

O Estado brasileiro foi constituído a partir de diferentes matrizes étnicas e culturais, o que devemos respeitar, formando, assim, uma sociedade multi cultural, com menos excluídos e menos desigualdade social.

 

Finalizo lembrando que, Segundo a Constituição Federal, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e também, que constituem princípios fundamentais da República Federativa do Brasil o de promover o bem comum, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.

 

Queremos apenas uma igualdade de direito, de tratamento e de oportunidades, e assim estamos fazendo sem medo, e que assim seja de acordo com vossas consciência, e que novamente a vós pedimos que nos liberte. “alforria mesmo que tardia”.

 

Urge a necessidade de implantação de políticas de ações afirmativas e positivas.

ZUMBI.. A sua história de resistência e de nossos ancestrais, e que hoje é nossa, não pode ser esquecida, as bravuras de nossos heróis não podem ser substituídas pela “bravura” dos que vem se destacando através do massacre de nosso povo.

 

Afinal de contas foi Voce Igreja quem nos intitulou de res  “defeito de pele” e deve sim pedir perdão por estas atrocidades, e reparar este engano.

 

Foi Voce quem permitiu e incentivou a escravidão, e esta sociedade foi quem nos proibiu de freqüentar escola, e pela lei da terra nos impediram de ter a posse da terra senão pela aquisição, que na Guerra do Paraguai quase nos exterminaram no lugar de seus filhos nobres, nos fazendo lutar sem quaisquer condições de combate nos prometendo a liberdade, desestruturou nossas famílias separando mães e pais de filhos com a lei do ventre livre, e que foi comemorado com o badalo dos sinos das igrejas, surgindo a figura dos primeiros menores abandonados, e com a lei do sexagenário jogou nas ruas os velhos doentes e cansados e que não mais conseguissem gerar riquezas a seu dono, criando a figura dos mendigos nas ruas, incentivou a imigração européia impedindo o nosso crescimento, nos oprimiu, nos massacrou, nos amordaçou, nos vilipendiou, nos humilhou, nos maltratou, nos segregou, nos açoitou, nos comercializou, nos violentou, nos abusou

 

“Quando você abraça as diferenças, abraça a Deus.”

 

Só queremos e exigimos que seja corrigido e reparado uma injustiça cometidas pela sociedade contra os negros.

Fiquem todos com Deus.

Uberlândia-MG, 12 de novembro de 2009.

 

Alex Vinícius Dias

Membro da Comissão de Promoção da Igualdade Racial

OAB/MG – 13ª Subseção Uberlândia

 

Saiba mais sobre esse tema:

Portugal, Igreja Católica e escravidão

O comércio de escravos, um novo negócio (1444)

Esquecer jamais

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