Gasoduto inviabiliza meio de vida de quilombolas no norte do Estado

Por: Flavia Bernardes

 

Ilhadas por eucaliptos, as comunidades quilombolas do norte do Estado estão cada vez mais acuadas pelos grandes empreendimentos. Desta vez, a responsável pela redução de mais uma alternativa de subsistência dessas comunidades é a Transportadora Gasene S/A, da Petrobras, conforme constatado no relatório que abordou os impactos vividos pelas comunidades quilombolas do Sapê do Norte.

A informação é que o gasoduto que atravessa os municípios de Linhares, São Mateus, Conceição da Barra, Pinheiros e Pedro Canário, no Espírito Santo, e 46 municípios na Bahia, passa dentro de áreas quilombolas, repetindo o histórico de expropriação de terras quilombolas por grandes empreendimentos no Estado. A denúncia é de que houve omissão de informações e manipulação das famílias quilombolas para a efetivação do empreendimento.

“Os empresários se utilizaram das reuniões com as comunidades. Pediam para assinar a lista de presença. Entretanto, as informações eram manipuladas e a lista foi usada como argumento de que a população aprovará o empreendimento”, ressaltou o antropólogo Sandro Silva, que fez parte da Comissão de Elaboração do Estudo para a realização do relatório ‘Impactos do monocultivo em Direitos Humanos de Grandes Projetos’.

Outra irregularidade apontada foi o tratamento dado as famílias e à terra pela Petrobras. A informação de Sandro Silva é que a região foi tratada como de posse individual dos quilombolas. Entretanto, as terras tradicionalmente quilombolas são de posse coletiva e inalienável.

“Eles trataram os quilombolas como proprietários individuais e deram a eles uma indenização irrisória de cerca de R$ 10 mil em troca de escrituras vitalícias dando direitos de uso à empresa. O fato foi denunciado ao MPF em 2008, através de um relatório detalhado, mas nada foi feito”, ressaltou Sandro Silva.

Entre os prejuízos imediatos deixados pela negociação na região está a inviabilização do uso do pátio da escola, que foi destruído para a passagem da tubulação da Petrobras, deixando as crianças quilombolas sem uma das poucas alternativas de lazer existentes na região do Sapê do Norte, que abrange os municípios de São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Estado.

Um córrego também foi drenado e destruído após a passagem da tubulação. As águas do córrego eram utilizadas por cerca de 200 famílias das comunidades de São Jorge, São Domingos e Angelim. Sem o córrego, as famílias foram prejudicadas e não podem mais utilizar a água no plantio de alimentos, consumo animal, para cozinhar e até lavar roupas. Em troca, nenhuma medida compensatória foi implantada para suprir a necessidade das famílias.

As farinheiras também foram inviabilizadas. “O gasoduto passou ao lado de uma farinheira e depois os técnicos chegaram e avisaram aos quilombolas que eles não poderiam mais desenvolver a atividade ali, pois, com a instalação da tubulação, a região se tornou perigosa”.

O antropólogo alerta que a região em que passa a tubulação da Petrobras faz parte da área reconhecida como quilombola em 2003 pela Fundação Palmares. Para ele, o tratamento da área como propriedade individual, assim como a falta de diálogo com as comunidades e órgãos responsáveis em proteger áreas tradicionais, caracterizam na região um processo de racismo ambiental, por parte da empresa.

“O gasoduto que passou em terra indígena também trouxe prejuízos, mas lá, pelo menos, houve a apresentação de contrapartida. Para os negros não houve. O que se viu neste processo foi uma forma de expropriação de terras e de racismo ambiental “, denunciou Sandro Silva.

O receio, afirmam os especialistas, é que junto com o gasoduto virá a omissão dos órgãos responsáveis em fiscalizar e garantir o bem estar dessas populações.

O gasoduto Cacimbas-Catu faz parte do Projeto Gasene, que interliga as regiões Sudeste e Nordeste. Ele foi implantado a partir da Estação de Cacimbas, no Espírito Santo, até a Estação de compressão de Catu, no município de Pojuca/Bahia, atravessando os municípios do Espírito Santo e 46 municípios na Bahia.

Para instalar o empreendimento, a Gasene deveria ter desenvolvido um programa de controle de qualidade da água nas áreas próximas ao gasoduto, de resgate de animais, de reconhecimento de corredores ecológicos e de simulados de emergência para o atendimento da população em caso de acidentes, além de desenvolver um estudo sobre os negros da região com o objetivo de não afetar as comunidades locais. Mas, segundo os negros, isso não ocorreu.

A informação é de que o gasoduto transportará cerca de 20 milhões de metros cúbicos de gás por dia, e até o momento não apresentou qualquer contrapartida aos quilombolas.

 

Fonte: SeculoDiario

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