A maior conferência estadual de mulheres

Diversidade é novamente a principal visão ao se olhar as mais de mil mulheres participantes da noite de abertura da 3ª Conferencia Estadual de Mulheres de São Paulo. Entretanto, olhando melhor logo se via, na indumentária das lideranças, sensíveis diferenças entre umas e outras. Algumas, especialmente as que fazem parte do Conselho Estadual da Condição Feminina – CECF, organismo indicado pelo governo estadual para organizar a conferência, vestiram-se no salto agulha e nos brilhos para a festa. As outras, felizmente em maior número, vestidas como no dia a dia de uma luta cotidiana, como é a luta das mulheres, em várias frentes, pela emancipação da mulher, pela sua visibilidade na política, pela conquista dos direitos humanos mais elementares.

Mesa de abertura da conferência

Dentro da “sacolinha” entregue às participantes, ressaltam alguns produtos. Um boletim colorido “Beleza pede Passagem” chama a atenção. É o informativo do Sindicato dos Empregados em Institutos de Beleza para senhoras. Elas de fato ajudam a democratizar a “beleza de salão” (como diz Zeca Baleiro), realizando “voluntariamente” maquiagem e penteado em mulheres de outras instituições. Oferecem cursos profissionalizantes, especializações no tipo de beleza propagado pela grande mídia – ideal da imagem de mulher “alta, loira, magra, cabelos lisos e olhar sedutor”, com que a indústria cosmética e de “medicina” estética conseguiu colocar o Brasil em segundo lugar no consumo destes produtos. E baixar a autoestima da grande maioria das mulheres, que estão muito longe de ser Gisele Bündchen. Será que o sindicato, com alto índice feminino na categoria, produz alguma discussão crítica sobre a padronização da beleza a que nossas mulheres estão submetidas? Será que elas percebem o papel nefasto que os grandes meios de comunicação – o já consagrado PIG – exercem, com a imagem de mulher que propagam, e com as peças publicitárias que os sustentam?

Mas, este é outro assunto, aliás um dos eixos que está sendo discutido nesta conferência. Os materiais que vieram na sacolinha para uso no correr das atividades são de primeira, de boa qualidade. Embora com algumas informações incompletas e outras desatualizadas, já que não houve tempo de incluir decisões tomadas horas e momentos antes do início do evento, graças a atuação na organização das militantes do movimento de mulheres. Estas, a muito custo, conseguiram participar da organização na reta final, nas comissões de trabalho, um espaço que a princípio decidia muito pouco e com a presença das componentes do CECF privilegiada. Sim, porque na direção da coisa só puderam entrar mulheres pertencentes ao Conselho. O trabalho, esse sim foi dividido, até porque elas sabiam pouco o que fazer em muitos momentos, não têm experiência alguma no exercício da democracia, ainda mais assim direta, o clima de trabalho foi sempre muito tenso.

Detalhes maiores estão numa “Carta aberta às delegadas a Conferencia Estadual de Políticas para as Mulheres de São Paulo”, assinado por várias organizações do movimento feminista e dos movimentos sociais, que circulou na conferência. Também nas moções aprovadas em todos os grupos de discussões, muitas de repúdio ao autoritarismo posto na direção da organização da Conferência. Ainda que, pelas regras colocadas pela SPM (Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres) e seguidas nas demais conferências, o processo deve ser conduzido paritariamente pelo Governo e sociedade civil organizada. Outros repúdios são aos dias escolhidos para o evento, abrindo no sábado à noite e terminando na segunda-feira! Acreditem! Ao espaço da conferência, que não mereceu uma linha da grande imprensa, não ter internet livre para que as mulheres pudessem publicar nos blogs e redes sociais, divulgando o que está acontecendo.

Voltando aos “mimos” oferecidos às delegadas (detesto este termo, não quero mais ser delegada, quero ser participante, representante…), recebemos também uma “echarpe” de tecido delicado, lilás e com o logo da conferência, broche com o logo e um arranjo floral para prender no cabelo (ou no lenço…), que gerou muito questionamento entre as participantes. Flores de pano lilás, cheias de brilhos, usadas geralmente com os vestidos de casamento e grandes festas. Boa parte das mulheres está utilizando as flores, padronizando o visual da plenária, mas muitas se recusam e questionam a origem da compra realizada. Sabemos de cooperativas de mulheres, aquelas que a economia solidária incentiva visando a autonomia, que produziriam flores lindas de crochê ou de tecidos, em diversas artes populares; mas o Conselho deve ter adquirido aqueles mimos na 25 de março. É típico de lá.

 

O assédio à Erundina

Claro que estas são apenas impressões imediatas de primeiro grau. As que viriam a seguir naquela noite de sábado confirmaram o despreparo do Conselho e de sua presidenta, Delegada Rose (Rosmary Correa), na condução do exercício democrático. E isso, depois de uma abertura, onde tivemos as maravilhosas falas de Luiza Erundina – a mais afagada e assediada para fotos e quetais ao final da mesa de abertura -, da Ministra Iriny Lopes, também assediada e da deputada estadual Ana Perugini, todas comprometidas com as causas feministas.

Acontece que antes do “coquetel” que encerraria a noite, estava programada a aprovação do Regulamento interno da Conferência. E embora muitas negociações difíceis tivessem ocorrido até minutos antes do início da plenária, o bicho pegou em diversos pontos do regulamento. O principal, a questão do término da conferência na segunda-feira, dia da eleição das representantes que irão à Conferência Nacional, em Brasília. Sobretudo as mulheres trabalhadoras colocaram da dificuldade de presença na segunda-feira, e reivindicaram eleição das delegadas no final do domingo. Não passou.

A hora do pânico!

A composição da Comissão Eleitoral, a ser apresentada à plenária também demorou a ser fechada. Mas houve muitos outros questionamentos, o que foi deixando a Delegada Rose cada vez mais delegada e menos presidenta de um conselho e da condução de uma plenária. A começar pela incapacidade de dirigi-la democraticamente, a falta de prática com o processo de votação, com todo o ritual enfim. O que gerou um ambiente cada vez mais conturbado, até que ela repentinamente suspendeu a plenária por dez minutos. Quando conseguimos enfim terminar a votação, a mulherada estava com tanta fome, que devorava o lanche servido no coquetel.

Como sempre, o sábado começou com a assinatura de presença, onde ganhamos uma pulseirinha lilás, daquele tipo dado em parques temáticos ou em festas de grandes ambientes e duração, daquelas que não podemos tirar nem prá dormir, o que valeu o apelido de “Rave da Condição” para o evento. A mesa de abertura teve inicialmente a fala da Delegada Rose, pelo Governo Estadual, no balanço de suas políticas para as mulheres desde a última conferência. A presidenta do Conselho tem a responsabilidade, também dada pelo governador Serra, de gerir o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher em São Paulo, aquele cujo governo levou mais de dois anos para assinar, por ser programa federal e do qual ainda não vimos resultados concretos e nem temos acesso a seus dados para monitorar.

Criatividade não falta às mulheres. Enquanto a Delegada Rose fazia seu balanço, no plenário surgiam pronunciamentos visuais por meio de cartazes, questionando os dados sobre violência apresentados. Mesmo assim, foi o ponto onde ela conseguiu apontar alguns avanços, ou seja, nada de política estadual. No balanço da saúde, informes como o de que o índice de atendimento no Estado ultrapassou os 80% me foram questionados pela doutora Ana Cavalcanti, médica, servidora municipal e feminista. Para ela, esse dado não combina com os índices de mortalidade materna que ainda temos e com a redução do atendimento nos hospitais públicos, que ela tem visto. Exemplo citado é o Hospital do Mandaqui, que terá os leitos para parto diminuídos de 250 (já muito pouco) para 150, como também as salas de pré-parto, onde haverá apenas 2 leitos!

Expositoras do segundo dia

conferencia de mulheresNalu Faria fez fala aplaudida pela sociedade civil. Com análises desde a importância para a autonomia da mulher da divisão nas tarefas domésticas, o valor desse trabalho, dos outros, o necessário compartilhamento de responsabilidade com os filhos, passando pelas críticas ao agronegócio até a reivindicação de um Conselho Estadual da Mulher eleito democraticamente. A deputada estadual Janete Pietá entusiasmou a plenária com forte defesa do protagonismo e visibilidade das mulheres, e da necessidade de ocuparmos espaços no poder, defendendo uma reforma política, onde haja voto em lista com paridade e alternância. Também fez uma fala a deputada Leci Brandão. Ao final dessa mesa, o informe dado pela presidenta da Conferência foi de que tínhamos a presença de 82% das representantes da sociedade civil e de 28% da representação dos governos municipais e estadual. O Shopping Center Norte reabriu na última sexta-feira.

O resto do sábado foi de intensos debates nos grupos temáticos que reúnem os dez eixos do 2° Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Alguns bem tranqüilos, até bem humorados, como o de Cultura e Comunicação. Outros bastante disputados, como o de Trabalho, ou de Violência. Neste, onde participava a Delegada Rose e apoiadoras, teve até presença de “delegada” da Polícia Militar portando a sua arma, e parte do grupo queria que a servidora estadual levasse sua arma para fora do recinto, o que foi interpretado como discriminação com a trabalhadora policial. Como se as médicas estivessem com seus estetoscópios, as cabeleireiras com suas escovas, além de defendermos a desmilitarização da sociedade e da polícia.

Hoje a segundona promete. Plenária o dia todo, com disputa e definição das propostas que serão levadas por São Paulo e, principalmente, a eleição das representantes à Brasília. Pena que a imprensa, como sempre, dá nenhuma atenção aos saberes e fazeres das mulheres. Sobretudo na política. Como é difícil transformar, o que dirá derrotar, a estrutura de poder nesta sociedade, que continua opressora, patriarcal, machista, racista, discriminadora e criminalizadora do diferente e do pobre, e que tenta manter a mulher na cama e na cozinha!

Fonte: Ciranda

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