Oito anos após derrubar lei da anistia, Argentina condena militares por tortura e homicídios

Oito anos após o fim das leis de anistia, a Justiça da Argentina condenou na quarta-feira 16 militares por crimes contra a humanidade. Os oficiais foram responsabilizados por torturas e mortes ocorridas na Escola Superior da Marinha (Esma), em Buenos Aires.

Na sentença, treze foram condenados à prisão perpetua e os outros a mais de dezoito anos de prisão. Dois foram absolvidos.

Trata-se do julgamento que reuniu o maior número de militares desde que as leis que anistiavam os oficiais da última ditadura argentina foram revogadas, em 2003. O júri também é o primeiro da chamada “mega causa da Esma”, por reunir centenas de casos.

A Esma foi definida por entidades de direitos humanos como “um dos maiores centros de detenção clandestina e de extermínio” da última ditadura argentina (1976-1983).

Durante a leitura da sentença, o juiz disse que os réus foram “condenados por perseguições, homicídio qualificado e roubo de bens da vitima”.

Veredicto

Os acusados foram condenados por crimes contra 86 pessoas, das quais 28 continuam desaparecidas e cinco foram assassinadas.

A decisão da Justiça foi tomada após 22 meses de investigação. Mais de 160 pessoas foram ouvidas.

O veredicto foi transmitido ao vivo pelas principais emissoras de televisão do país e através de um telão em frente ao tribunal, em Buenos Aires.

Familiares das vitimas acompanharam o julgamento na sala de audiência do tribunal e aplaudiram quando foi lida a sentença.

Vítimas

A Justiça estima que cinco mil vítimas da ditadura argentina passaram pelas instalações da Esma.

Entre as vitimas “de tormentos e homicídios” está Azucena Villaflor, uma das fundadoras da organização Mães da Praça de Maio, que denunciava a repressão e procurava um filho desaparecido na época.

Duas freiras francesas que apoiavam o grupo, Alice Domon e Leonie Duquet, e o escritor Rodolfo Walsh também estiveram presos na Esma.

-É um dia histórico. Marca o enorme avanço na luta coletiva pelos direitos humanos-, disse Patrícia Walsh, filha do escritor, cujo corpo nunca foi encontrado.

Maternidade clandestina

No local chegou a existir uma maternidade clandestina, segundo a organização Avós da Praça de Maio. O grupo luta para identificar os filhos de militantes que deram a luz no local e tiveram seus bebês adotados por membros da ditadura.

Entre os condenados a prisão perpétua está o ex-capitão de fragata Alfredo Astiz, que ficou conhecido como “anjo loiro” ou “anjo da morte”.

Astiz foi acusado de se infiltrar em entidades de direitos humanos e de entregar doze pessoas aos repressores, entre as quais Azucena Villaflor.

Em entrevista à BBC Brasil, a advogada Carolina Varsky, da ONG CELS (Centro de Estudos Legais e Sociais), disse que o veredicto era esperado “há muito tempo”. “Muitas famílias lutaram durante anos por este momento”, disse.

Anistia

A investigação sobre os crimes cometidos na Esma foi aberta nos anos 1980, após a redemocratização do país. O inquérito foi depois arquivado com as leis do Ponto Final (1986) e da Obediência Devida (1987).

As leis, que anistiaram os agentes da ditadura, foram promulgadas durante o governo do presidente Raul Alfonsín (1983-1989).

Em 2003, o Congresso aprovou um projeto de lei enviado pelo então presidente Nestor Kirchner (2003-2007) que abriu caminho para o retorno dos julgamentos.

Na mesma ocasião, a Justiça também declarou inconstitucionais os indultos dados pelo ex-presidente Carlos Menem (1989-1999) beneficiando repressores e ex-guerrilheiros.

Ativistas de direitos humanos esperam que a Justiça ainda dê seu veredicto sobre casos vinculados aos chamados ‘voos da morte’, quando presos políticos eram lançados vivos no rio da Prata e no mar.

Por determinação do ex-presidente Kirchner, a Esma foi transformada em um “centro cultural e de memória”.

Fonte: Correio do Brasil

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