Notas de Rodapé – Cruz Credo

por Fernanda Pompeu,


No mar quase infinito de imagens, algumas de tão vistas viram marcas nas nossas mentes. Uma espécie de segunda pele. O sorriso da Monalisa, o bigodinho de Hitler, o cogumelo de Hiroshima, os aviões atravessando as Torres Gêmeas, o gol do uruguaio Alcides Ghiggia na final da Copa de 1950.

Mesmo os que estavam longe de encarnar, já viram o pé, o chute; a bola estufando a rede, o goleiro Barbosa curvando-se. Ouviram o Maracanã silenciar incrédulo e chorar crédulo. Em Sampa, o imperdível Museu do Futebol tem uma sala exclusiva para passar o filme dessa derrota. Assustador. A sala parece uma morgue.

Como o Brasil precisava apenas empatar, a euforia era tremenda. Governo, imprensa, população embarcaram na canoinha furada de cantar a vitória antes dela mesma. O roteiro do jogo é conhecido: o brasileiro Friaça abriu o placar. Schiaffino empatou para a Celeste. Aos 34 minutos do segundo tempo, Ghiggia liquidou o riso. Uruguai 2 x Brasil 1.

O Maracanã, erguido especialmente para Copa de 50, sendo na época o maior do mundo, tremeu. Não de alegria. Tremelicou de decepção. Meu pai, então com 20 anos, estava lá. Tornou-se, junto com mais de 190 mil pessoas, testemunha ocular e sonora do pior desastre futebolístico do país.

Naturalmente, os uruguaios deliraram. Apelidaram o acontecido de Maracanazo e jamais esqueceram o 16 de julho em que, contra todos os prognósticos, se tornaram bicampeões do mundo. Pouco importa que depois não tenham repetido o feito. No país vizinho, a história dessa vitória é repetida de pais para filhos. Toda vez que as duas seleções duelam, a palavra Maracanazo é evocada como um mantra.

Mas tudo isso é passado, água rolada, ponte derrubada, fósforo queimado. O que significa dizer, aquilo que não é possível mudar. Aquilo que só pode ser contado e contado. Melhor é focar no futuro. O novo, o bem-feito, o brilhante. Futuro que só pode ser imaginado e imaginado.

No caso do futebol, o futuro é a Copa de 2014. Até lá, o Brasil tem uma caprichosa lição de casa: construir os novos estádios, melhorar a infra dos aeroportos e estradas, resolver a equação do trânsito, aparelhar a rede hoteleira, ficar de olho na segurança, concluir a reforma do Maracanã. Este mais uma vez será a arena da grande final.

Porém não é o bastante. Precisa muito além de cimento, argamassa, ferro. Precisa de uma seleção que nos faça sonhar. Para disputar a Final, ela terá que melhorar muitíssimo seu presente. Pois até agora o que vimos é um time sem jogadas, sem ímpeto, sem inspiração. E, principalmente, sem gols!

Já a Celeste traz a memória fresca do quarto lugar na última Copa do Mundo, a taça da Copa América 2011, e anda liderando as eliminatórias sul-americanas. Tremam corações ao imaginar o Uruguai levantando o caneco no mesmo Maracanã, com o detalhe de 64 anos depois.

Segurem-se corações ao imaginar os netos, bisnetos e até tataranetos, daqueles que choraram em 1950, chorando novamente. Ao imaginar os netos, bisnetos e até tataranetos, dos que festejaram em 1950, refestejando um Maracanazo 2.

Fernanda Pompeu, escritora e redatora freelancer,colunista do Nota de Rodapé

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