Fátima Oliveira: “Bolsolidades” azedando a goiabada da Matinha de Dona Lô

Fátima Oliveira

Relembro que “A Goiabada de Novembro, nada mais é do que um ajuntamento de mulheres do povoado para a última colheita de goiaba do ano, ocasião em que fazem doces de goiaba para as festas da capela, do Dia do Nascimento (Dia de Natal) e do Dia de Ano (Ano-Novo). Mais uma das tradições que Dona Lô herdou de sua mãe Donana”. Era sexta-feira, véspera da “feitura” dos doces de goiaba, e Dona Lô atende a um telefonema…

– Ô Estela, vamos jantar hoje “Terrina de legumes com flor de sal”. Faz tempo que não faço. Deu vontade, saudade… A que horas chegarão? Está fresquinho aqui. Ventando muito e quase frio demais. Dá pra beber um vinhozinho esperto…

– …

– Então está bem, minha rosa. Até mais ver! Passe um corretivo em Pedro. Que ele não chegue aqui pra me fazer raiva porque amanhã teremos um dia cheio… Não quero falar de ministro entrante, sainte, balançante, na corda bamba, na corda esticada, nada de nada! Que ele só me fale em Dilma pra dizer que ela é uma flor de sal… Ah, que vai falar, vai! Por causa da receita de hoje, que leva o condimento…

– …

– Os preparativos de amanhã pra Festa da Goiabada estão nos trinques, desde as turmas. Gracinha está tomando conta de tudo, das turmas todas, que são quatro: a da coleta das goiabas; a que lava, descasca, corta a goiaba e retira o miolo com as sementes e que também pesa as goiabas; a que passa o miolo na peneira e prepara a massa; e as 3 duplas de “tacheiras”: a de goiabada cascão, a de goiabada em calda e a da geleia de goiaba. Estão bem divididinhas. Sem susto! Você não terá muito trabalho, além de “ficar de olho”. O fogão de lenha está só a espera dos tachos de cobre…

– …

– Antes que você pergunte, digo-lhe: o cardápio da Festa da Goiabada será o de sempre, o nosso tradicional Arroz de Maria Isabel de Carne Seca, como nos tempos de Donana…

Na boquinha da noite chegou Estela com sua catrevagem e também a curriola, que é Cesinha e a tal da namorada (esconjuro!). Pedro, como de costume, não adianta Estela “passar a língua”, tem de falar nas coisas da política, mal chega.

– Mas Dona Lô, eu vinha seco pra degustar seu vinhozinho, vamos a ele! Nada de política, foi o que me pediu Estela. De acordo, mas essa do deputado Bolsanaro, não podemos deixar de falar. O sujeito é sem limites, um boquirroto. Todo mundo sabe. Já virou chacota nacional sem crédito. Mas desrespeitar a presidenta como ele fez ontem, é inadmissível, não acha senhora?

– Ah, Pedro, infelizmente temos de azedar a nossa noite com o assunto. Por mais que saibamos que ele é azuretado, e que ninguém dá um tostão furado pelo o sujeito fala, fiquei chocada! Estou pelas tabelas com tanta desfaçatez.

–…

– Daqui da Chapada do Arapari ele não sairia palitando os dentes, isso garanto, pois aqui “Mexeu com Dilma, mexeu comigo!” Aqui ele não teria coragem pra dizer nem que Dilma é bonita! “Formiga sabe o pau que roi”, ora se sabe! Ele canta de galo lá em Brasília. Não mais! Como foi que ele disse mesmo?

Sem perder tempo, Pedro puxou um papel do bolso…

– Até copiei a matéria. Escute só a baixaria:

“Bolsonaro pede a Dilma para assumir ‘se gosta de homossexual’ – ‘Se o teu negócio é amor com homossexual, assuma’, disse na tribuna

Parlamentares apontaram falta de decoro. Bolsonaro negou ofensa.

O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) pediu à presidente Dilma Rousseff, em discurso na tribuna da Câmara na manhã desta quinta (24), para parar ‘de mentir’ e assumir ‘se gosta de homossexual’.

Bolsonaro criticava o que chama de ‘kit gay’ do Ministério da Educação, uma cartilha contra a homofobia que seria usada em escolas públicas, mas cuja distribuição foi suspensa por determinação da presidente.

‘O kit gay não foi sepultado ainda. Dilma Rousseff, pare de mentir. Se gosta de homossexual, assuma. Se o teu negócio é amor com homossexual, assuma. Mas não deixe que essa covardia entre nas escolas do primeiro grau’, afirmou o deputado no discurso, disponível no site do Câmara (…)”

– Pois é Pedro, para além da falta de decoro este senhor precisa de um corretivo e quem tem de fazer isso são os pares dele lá da Câmara, que não podem se furtar de analisar e decidir. Que a Câmara não fuja da raia… Ele extrapolou. Além de ser declaradamente homofóbico e racista, é um ser humano abjeto que sofre do mal da verborragia e não aprendeu o que é ter limites.

– …

– Ainda tem mais. Vejamos: “Reações:

Após a fala de Bolsonaro na tribuna da Câmara, o deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ) subiu à tribuna e rebateu as declarações do parlamentar do PP. ‘O que nós ouvimos aqui hoje foi novamente um discurso de ódio, um discurso de preconceito, um discurso inclusive que, se eu entendi direito, faltou com o decoro parlamentar ao fazer insinuações a respeito da própria Presidente da República. A opção sexual de qualquer ser humano, deputado, é uma questão de foro íntimo desse mesmo ser. E todos nós temos o mesmo direito perante a Constituição’, declarou Sirkis.

A senadora Marta Suplicy (PT-SP), vice-presidente do Senado, também reagiu ao discurso de Bolsonaro. ‘Como mulher, como cidadã, como mãe, como senadora, como vice-presidente desta Casa, pedimos ao presidente da Câmara, deputado Maia, que tome enérgicas providências e limites, porque está sem um freio de arrumação. Sinto muito a falta de decoro parlamentar desse deputado. Tem ofendido cidadãos comuns e agora até mesmo a Presidente da República’, afirmou (…)

– Pois que pague pela sua falta de limites, que seja punido! Cadê os homens e as mulheres de coragem e vergonha na cara, em defesa de nossa Constituição, do direito à privacidade, à honra e à imagem que há na Câmara dos Deputados? Ou estou enganada? O presidente da Câmara vai calar, é? Não vai fazer nadinha? Estou aqui só bispando… E eu que pensei que a presidenta tivesse um partido… Parece que não! Como o PT ainda não se mexeu pra defender a mulher? Que ‘disgrota”! Das grandes. Tem de tomar medidas legais, que mané de soltar nota resolve coisa alguma!

–…

– É boçalidade demais num monte de bosta podre surtado! Sinto asco! AS-CO!!!!

–…

– Não é da conta daquele senhor de ares de alucinado a vida sexual da presidenta. Quanto mais fantasiar, inventar coisas que ele não tem como provar. Não cabe a ninguém fazer juízo de valor sobre a sexualidade de qualquer pessoa.

–…

– E qual é o problema de alguém ser gay ou lésbica? Nenhum ! E, por hoje, ponto final no assunto Pedro, pois tanta “bolsolidade” pode até azedar minhas goiabadas amanhã. Capaz de fazer a gente perder o ponto dos doces…

– Estou de acordo com a senhora. Vinho ao ponto, viu Dona Lô! E a que horas vamos comer nosso patê com flor de sal? Ah, se tem uma coisa que eu gosto muito também é aquele… “Gateau de abobrinha com brie e flor de sal”. Faz tempo que a senhora não faz, né não Dona Lô? Ali é também comida especial demais da conta…

– Vamos terminar nossa garrafa de vinho, não é Pedro? Também esperar um pouco Estela arrumar suas coisas. Ah, não é patê que vamos jantar… É terrine… Terrina…

– Diferenças?

Estela, que acabara de chegar, mas até então caladinha, não se conteve: “Terrina ou terrine é o nome em francês dado a uma vasilha funda, com tampa, refratária e geralmente de cerâmica. Os pratos preparados nessa vasilha levam o mesmo nome”; ou seja, tudo o que é assado numa terrine, recebe o nome de terrine disso, daquilo e daquilo outro… “Terrine é a forma em que o patê é assado, pode-se preparar terrine de quaisquer ingredientes não resultando necessariamente em um patê. Pode-se, por exemplo, preparar uma terrine de legumes e não será um patê”.

– Dindinha, Pedro é daqueles que nunca vai aprender essas filigranas… Come patê e come terrine, com muita frequência, desde que namorávamos, quando começou a frequentar a Matinha de Dona Lô, e nunca sabe o que é um e o que é o outro! Também não consegue distinguir o que é “gateau” de sal, só comer. Desisto! Estou careca de dizer-lhe que tudo bem, não é só ele quem confunde. Muita gente também.

– …

– Mas é uma confusão à-toa: “Confunde-se Terrine com patê pelo fato de que um dos clássicos preparados com o foie gras (fígado de ganso) é preparado na terrine, são os fígados temperados com sal, pimenta-do-reino, enriquecida com fatias de trufas negras, regados com vinho Sauternes ou vinho do porto. Os fígados são apertados na terrine e cozidos em banho-maria. Depois de frio pode-se retirar da terrine e fatiar, e a consistência fica parecida com a de um patê”.

Dona Lô ria incontrolavelmente porque aquela não era a primeira vez que ouvia Estela dizer a Pedro as diferenças entre terrine, patê e gateau… Por fim, não se agüentou, e espocando de rir, foi em socorro de Pedro: “Esquente não, Pedro! Pra que vai aprender se tem Estela, uma enciclopédia ambulante, mulher fina e da hora, criada nos cânones de Donana Tropeira, para relembrar as diferenças, né não? Ademais Estela, o marido que você escolheu é assim. Vai ficar com ele ou vai jogar no lixo?”

Rsrsrsrsrs…

Matinha de Dona Lô, 25 de novembro de 2011

Fonte: Tá lubrinando

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