Autonomia das mulheres e desenvolvimento sustentável, por Sueli Carneiro

A ministra do meio ambiente Isabella Teixeira disse no Forum Humanidade que essa Conferencia Rio+ 20 consiste numa Conferencia de “partida” no sentido da criação de pactos e acordos para a ação. Disse ainda a ministra que igualdade é a palavra do momento como questão de Estado. Portanto é tempo de desafiar pactos e acordos em vigor nos quais se fundam a insustentabilidade humana e do planeta.

por Sueli Carneiro

No que diz respeito as relações de gênero volto a Carole Patmann para quem há um Contrato Sexual em vigor no mundo cujo desvelamento manifesta o acordo oculto e injusto dos homens sobre o qual na verdade se baseia o contrato social ostensivamente neutro em termos de gênero. Um Contrato Sexual suportado por um acordo oculto que realiza na prática social a hegemonia masculina no mundo. Dele deriva a escassa ou falta de autonomia das mulheres, as desigualdades que elas experimentam, no mundo do trabalho, no acesso e exercicio do poder e as persistentes violência domestica e sexual. Em síntese, no que concerne as relações de gênero, o patriarcalismo sequestra a autonomia das mulheres limitando sua capacidade de se auto-regerem a partir dos valores e interesses gestados nas lutas emancipatórias travadas pelas mulheres.

Volto também, ao filósofo afro-americano Charles Mills, para quem há um Contrato Racial em vigência no mundo cujo desvelamento revela um sistema político não-nomeado que é a supremacia branca e patriarcal no mundo.

No entanto a evidencia empírica desses dois contratos não é suficiente para que sexismo e racismo sejam tratados como temas estrurantes da insustentabilidade humana no Brasil e no mundo.

Se há algum reconhecimento de que a igualdade de gênero é pressuposto para um desenvolvimento sustentável, persiste o silêncio ou reticencias para tratar do tema do racismo embora ele continue se proliferando pelo mundo. Portanto o tema não se refere apenas às sequelas persistentes do colonialismo e do neo-colonialismo mas sobretudo á capacidade dessa ideologia de se perpetuar e se reproduzir no presente especialmente em momentos de crise como o instrumento mais eficaz para determinar quais são as populações a serem descartadas e quais são as populações eleitas para serem protegidas e preservadas.

No contexto das relações de gênero, racismo produz gêneros hegêmonicos e subalternizados de acordo com a racialidade o que coloca múltipos desafios para a conquista da igualdade de gênero e raça no âmbito do desenvolvimento sustentável.

Leonardo Boff diz que a Rio+20 deve ousar buscar uma nova narrativa posto que a velha narrativa que se mantêm em curso, resultou no fato de que 20% da população mundial consome 80% de todos os recursos naturais.

No campo social especialmente no Brasil e na América Latina essa apropriação desigual de recursos se manifesta também entre os grupos raciais no que tange a apropriação das beneses do desevolvimento, desde de sempre.

Na nova narrativa que a noção de desenvolvolvimento sustentável oportuniza, comunidades tradicionais como indígenas e quilombolas não podem permanecer sendo tratados como obstáculos ao desenvolvimento, concepção que legitima a violação de seus direitos humanos e territoriais, dimensões do racismo ambiental a que estão expostas. Ao contrário, conforme propõe Boaventura Sousa Santos, a relação desses povos com a natureza permitiu criar formas de sustentabilidade que hoje se afiguram decisivas para a sobrevivência do planeta. É por essa razão que a preservação dessas formas de manejo do território transcende o interesse desses povos. [Deveria] Interessar ao país no seu conjunto e ao mundo.

O impedimento de entrada no país do moçambicano Jeremias Vunjanhe funciona como metáfora do racismo ambiental que se abate sobre comunidades africanas e afrodescendentes. Barrado no aeroporto de São Paulo ao tentar entrar no Brasil para participar da Rio+20 Jeremias Vunjanhe é integrante da ONG Justiça Ambiental e crítico contumaz da atuação da mineradora Vale em Moçambique responsável pelo reassentamento de 1.365 famílias de Moateze e Catembe por conta da exploração mineral. Famílias que, segundo ele são ameaçadas e perseguidas ao tentar resistir a esse processo de expulsão.

Por aqui os grandes projetos que se desenvolvem em áreas urbanas ou rurais tem em comum como aponta o sociólogo Orlando Jr: a desinformação da população, a ausência de envolvimento das comunidades, a deslegitimação de lideranças e organizações como mediadoras de conflitos, a justicialização e a remoção violenta. Favelas, invasões, quilombos, comunidades ribeirinhas “coincidentemente” constituídas de popluções não-brancas estão sujeitas a alguma dessas formas de violência no campo ou nas cidades. Populações descartáveis que atrapalham o progresso!

Para que uma nova narrativa seja possível é preciso que a perspectiva de um desenvolvimento sustentável enfrente decisiva e corajosamente, a dimensão racializada da exclusão social do mundo e particularmente no Brasil. A riqueza, o poder e a pobreza estão racialmente distribuída e essa distribuição desigual de poder, riqueza e pobreza, está marcada também pela intersecionalidade de gênero que no contexto do modelo de desenvolvimento vigente tem historicamente agudizado o processo de feminização da pobreza

Disse Paulo Skaff presidente da Federação das Industrias do Estado de São Paulo, no forum Humanidade 2012 que a desigualdade de direitos e oportunidades é insustentavel.

Racismo é fator de insustentabilidade humana na medida em que funciona precisamente como um instrumento de regulação dos direitos e oportunidades de grupos raciais comprometendo a sua sustentabilidade ecônomica, social e ambiental. Então é essencial que os líderes empresariais reconheçam que a eleição patológica da brancura ou branquitude como padrão privilegiado e normativo do humano, faz com que a desigualdade seja marcada pelas racialidades sobretudo no mercado de trabalho impactando negativamente a empregabilidade de mulheres negras condição essencial para a reprodução da vida e para a efetivação dos demais direitos sociais.

O racismo atinge todas as dimensões da vida de mulheres negras manifestando-se nos índices superiores que as negras apresentam de mortes previníveis e evitáveis, nos níveis inferiores de nupcialidade e de escolaridade. Mulheres negras são chamadas de fábricas de marginais por certos gestores públicos. Mulheres negras choram inutilmente a perda sistemática de seus filhos, num processo de matança de jovens negros que já resulta em deficit censitário de jovens negros na faixa etária de 15 a 24 anos.

Portanto, para as mulheres negras e indígenas o nível de exclusão produzido por racismo e sexismo faz com que, o primeiro patamar a ser alcançado rumo à igualdade de gênero seja a sua equalização social com as mulheres brancas; ou seja atingir os patamares sócio-econômicos experimentados pelas mulheres brancas já representaria para negras e indígenas uma extraordinária mobilidade social. Para isso é necessário:

  • o reconhecimento do racismo e da discriminação racial, como fatores de produção e reprodução das desigualdades sociais experimentadas pelas mulheres, no Brasil.
  • o reconhecimento do privilégio que essa lógica racista produz, para as mulheres do grupo racial hegemônico a despeito de sua vontade ou de acordo com sua vontade.
  • o reconhecimento da dimensão racial e étnica que a pobreza tem, no Brasil e no mundo.
  • o reconhecimento da violência simbólica e a opressão, que a brancura omo padrão estético privilegiado e hegemônico exerce sobre as mulheres não-brancas.

Tal reconhecimento deve resulta num chamado para ação nas seguintes direções:

  • nas politicas publicas com foco especifico sobre as mulheres negras com vistas a sua promoção social em diferentes campos;
  • no combate ideológico sistemático ao racismo em suas múltiplas manifestações, e a punição exemplar das práticas discriminatórias.

Uma politica de reconhecimento assim concebida pode permitir a emergência de uma nova narrativa, de novos pactos e acordos que possam nos inscrever num ciclo virtuoso de justiça reditributiva rumo a um desenvolvimento sustentável com autonomia das mulheres negras.

E é por isso que lutamos. Pela necessidade de construção de novos pactos raciais e de gênero em que possamos caber todas e que desafiem as hegemonias de todos. .

Se, como propõe Moacir Gadotti, relações solidárias entre os sexos devem ser consideradas vitais na construção da sustentabilidade, sem relações solidárias entre raças e etnias a sustentabilidade também e impossível.

O fato de que todas as pessoas brancas sejam beneficiarias do racismo, a despeito de sua vontade, não as torna, necessariamente, signatárias, do racismo e suas práticas de exclusão. E é aí que reside a possibilidade de solidariedade em prol do futuro que queremos. Isso desafia também as mulheres brancas anti-racistas a ação, sobretudo gestoras publicas no sentido de serem co-paticípes e co-responsáveis no esforço de emancipação de todas as mulheres especialmente aquelas quem tem sido privadas do direito a participação igualitária no desenvolvimento e das conquistas das lutas coletivas das mulheres.

O futuro que queremos exige ainda a definição de metas de equalização das diferenças entre gêneros e intra-gêneros no âmbito dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Por fim, segundo o filósofo Paulo Carbonari, o Brasil historicamente optou pela desigualdade, pela violência como forma de resolução de conflitos sociais. Essas opções resultaram numa sofisticada tecnologia social de exclusão tendo por alvos prioritários negros e indígenas. Populações que em outros momentos históricos de desenvolvimento econômico foram mantidas à margem do desenvolvimento porque o projeto de nação das elites nacionais era fazer do Brasil uma expressão da Europa nos trópicos, liberta de suas populações indesejáveis. Essa estratégia eugenista ameaça permanentemente negros e indigenas que também permanentemente desafiam esse projeto de nação com sua incansável e heróica resistência. Mudar esse paradigma é o maior desafio para se alcançar desenvolvimento sustentável neste pais.

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