Presença do negro na TV também pode ser preconceito, considera apresentadora

Por: Cojira/SP
“Entrei na TV por uma brecha: vamos colocar um negro apresentando o jornal. Isso já é um preconceito”, afirmou a apresentadora do SBT, Joyce Ribeiro, ao participar da mesa “Negro na Mídia”, no 2º Vozes pela Igualdade, organizado pela Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira), do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, no mês de novembro (23).

Joyce contou que nunca foi barrada na profissão de jornalista, mas considera que só conseguiu entrar na TV por conta desse novo “momento politicamente correto” em que precisam ter negros na TV. “Já fui mais otimista, mas hoje com uma situação que pouco mudou e há poucos colegas negros na TV, percebo que foi uma condição de momento [entrada na TV] e o preconceito ainda paira nas redações”, avaliou. Ela ressaltou, dessa forma, que o número de profissionais negros não reflete a população brasileira, que tem, em sua maioria, pele negra e parda.

No cotidiano da profissão, Joyce afirmou que insiste na luta para fortalecer a presença de negros na TV. “Tento mostrar para os colegas da pauta que há profissionais negros gabaritados que podem falar de determinados assuntos e podem fazer parte das matérias que estamos produzindo. Tento colocar esse olhar diariamente em vários assuntos”, afirmou.

Já sobre o visual, a apresentadora disse que nunca foi obrigada a alisar os cabelos ou recebeu pedidos para moldar seu visual, mas lembra da falta de preparo das emissoras televisivas para cuidar da imagem de uma mulher negra. “Nós nos preparamos para entrar na casa das pessoas. Há um departamento na TV para isso. Mas lá nunca houve produtos para o meu cabelo ou maquiagem para o meu tom de pele. Se passasse o que tinha de maquiagem, tudo ficava meio cinza. Sempre levei minhas coisas. Até hoje o aparato é para o padrão branco de pele e cabelo”, revelou.

Para Oswaldo Faustino, jornalista, escritor e membro da Cojira que também participou da mesa, outra forma de preconceito é a maneira como negros proeminentes são retratados pela mídia. “São mostrados como exceção e transformados em heróis. Eles são validados porque ‘nós brancos avaliamos e acreditamos neles'”, afirmou, dando como exemplos o novo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, e jogadores de futebol como Neymar. E emendou: “Mas assim como nós te mostramos, também te colocamos no limbo quando queremos'”, citou exemplificando com o caso do jogador Adriano.

Maioria é minoria

Já o outro integrante da mesa Rogério Ferro, jornalista e mestrando da USP, ressaltou que uma das características da imprensa, de mostrar negros proeminentes como casos de superação é agravado quando é individualizado.

“O problema maior é quando é mostrado como única história”, afirmou. Para Ferro, que é moçambicano e trabalhou na TV Globo, as situações de preconceito racial só vão mudar quando tiverem mais negros tomando decisões. “Precisamos de mais gente no poder e chegar aos mais de 50% como ocorre com a população brasileira”, ressalta.

O evento organizado pela Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-SP), com apoio da Wapi Brasil e do CEERT- Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, teve também uma mesa sobre como o jovem negro produz cultura e se comunica hoje, que contou com a participação de Tatiana Cavalcante, jornalista e mestranda da USP; José Nabor do Amaral Júnior, jornalista e criador da revista O Menelick 2º Ato – Africanidades & Afins; e Diego Balbino, fotógrafo e educador.

O depoimento de Diego Balbino enfatizou o impacto da consciência racial e do racismo na sua vida e na trajetória profissional como fotógrafo e professor, suscitando rica e, em alguns momentos emocionada, discussão com a plateia de cerca de 40 pessoas. Para o jovem, que socialmente é chamado de branco na maior parte das vezes, a fotografia adquiriu um novo olhar a partir do auto reconhecimento como negro.

Tatiana Cavalcante fez um resumo de sua pesquisa de mestrado sobre a história do programa Manos e Minas, da TV Cultura, enfatizando o papel ativo do público na garantia da sobrevivência do projeto. Já José Nabor apresentou um relato do processo que o levou a se tornar editor de uma moderna e respeitada publicação da imprensa negra paulista. Em seu depoimento, ele revelou que inicialmente tinha como foco de seu trabalho apenas o universo urbano da juventude, mas que a resposta do público o levou a direcioná-lo para a cultura negra e os temas a ela relacionados.

Premiação

Durante o 2º Vozes pela Igualdade foi lançado o Prêmio “Negritude em Pauta”, concurso cultural voltado para estudantes de Jornalismo do Estado de São Paulo. O objetivo da premiação é sensibilizar os estudantes de Jornalismo para a temática racial, com a qual terão de se defrontar no exercício da profissão. Os futuros jornalistas serão convidados a escrever reportagens sobre cultura negra e/ou relações raciais em âmbito nacional. Os participantes concorrerão a prêmios que contribuam para seus estudos e formação, como livros e computador portátil, além da publicação das reportagens vencedoras no jornal do Sindicato.

Fonte: Mulher Negra

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