A poesia e a música de Vinicius de Moraes são de encanto eterno – Por: Fátima Oliveira

Vinicius de Moraes personifica bem o dito por Guimarães Rosa: “O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas”. Não imagino Vinicius morto nem centenário (19.10.1913), embora não esteja mais conosco há 33 anos (9.7.1980). Sua obra poética e musical são de um encanto eterno e atual; e qualquer coisa que se escreva sobre ele já foi dita por outras pessoas.

por Fátima Oliveira

Se tivesse de escolher um escrito magistral sobre Vinicius de Moraes seria a crônica de Carlos Drummond de Andrade “A música popular entra no paraíso”, um diálogo imaginário de Deus com São Pedro:

“Deus: – Quem é este baixinho que vem aí, ao som do violão, de copo cheio na mão?

São Pedro: – Senhor, pelos indícios, só pode ser o vosso servo Vinicius, Menestrel da Gávea e dos amores inumeráveis.

Deus: – Será que ele vem fazer alaúza no céu, perturbando o coro dos meus anjos-cantores, diplomados pela Schola Cantorum do mestre são Jorge, o Grande?

São Pedro (hesitante): – Bem… Eu acho, com a devida licença, que ele traz um som novo, mais terrestre, menos beatífico, é certo, mas com uma suavidade brasileira inspirada nos seresteiros seus avós, os quais já têm assentos cativos junto ao vosso trono, Senhor. Coisa mui digna de vossa especial atenção.

Deus: – Hum, hum…

São Pedro: – Posso continuar, Senhor?

Deus: – Vá dizendo, Pedro. É sabido que você tem um fraco por essa gente que canta de noite, esteja ou não pescando, principalmente não estando.

São Pedro: – Pois eu digo, Senhor, que esse baixinho aí, todo simpatia e delicadeza, é um de vossos bons servidores na Terra, pois combateu a maldade pela ternura, a injustiça pela fraternidade, e compôs os cânticos profanos que, elevando o coração dos ouvintes, fazem o mesmo que os cânticos sagrados” (…).

Se tivesse de escolher um poema dele, teria dúvidas, pois os sonetos são de uma doce ternura ímpar, mas se é mesmo para escolher só um, seria “O dia da criação”:

“Hoje é sábado, amanhã é domingo/A vida vem em ondas, como o mar/Os bondes andam em cima dos trilhos/E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar.

Hoje é sábado, amanhã é domingo/Não há nada como o tempo para passar/Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo/Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal…

Impossível fugir a essa dura realidade/Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios/Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas/Todos os maridos estão funcionando regularmente/Todas as mulheres estão atentas/Porque hoje é sábado”…

Na crônica “A transfiguração pela poesia”, Vinicius disse: “Só a poesia pode salvar o mundo de amanhã. E como que é possível senti-la fervilhando em larvas numa terra prenhe de cadáveres.

Em quantos jovens corações, neste momento mesmo, já não terá vibrado o pasmo da sua obscura presença? Em quantos rostos não se terá ela plantado, amarga, incerta esperança de sobrevivência? Em quantas duras almas já não terá filtrado a sua claridade indecisa? Que langor, que anseio de voltar, que desejo de fruir, de fecundar, de pertencer, já não terá ela arrancado de tantos corpos parados no antemomento do ataque, na hora da derrota, no instante preciso da morte? E a quantos seres martirizados de espera, de resignação, de revolta já não terão chegado às ondas do seu misterioso apelo? (…) A esse mundo, só a poesia poderá salvar (…) E o povo então poderá cantar seus próprios cantos, porque os poetas serão em maior número e a poesia há de velar”.

Fonte: O Tempo

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