A arte de dividir o trabalho: em milhares de lares não há domésticas

Em milhares de lares do país, não há empregados domésticos. Todos os afazeres são executados pelos integrantes da família, sem distinção de idade. Jovens e velhos, homens e mulheres, cada um recebe a sua missão diária

A movimentação causada pela Lei das Domésticas, promulgada pelo Senado na última terça-feira, passa longe da casa da contadora Gizelda Almeida, 54 anos. Há três anos, ela dispensou a empregada que lhe acompanhava há quase uma década e decidiu assumir os afazeres do lar. Apesar de favorável aos direitos conquistados por uma categoria de trabalhadores que a legislação havia esquecido por mais de meio século, ela acredita que as tarefas domésticas devem ser compartilhadas por toda a família, sem distinção. Como Gizelda, milhares de domicílios brasileiros já não dispõem de mão de obra auxiliar para o trabalho doméstico. Não apenas porque, ao longo dos últimos anos, contratar uma empregada ficou caro — apenas nos dois primeiros meses de 2013, os salários foram reajustados em 7%, mais do que o dobro dos 2,4% obtidos pelos demais trabalhadores —, mas porque as famílias decidiram usar o dinheiro que seria pago ao ajudante para investir na educação dos filhos, por meio de escolas integrais. Esse quadro, por sinal, se assemelha ao de países desenvolvidos, em que manter um trabalhador doméstico custa caro. Apenas as famílias mais ricas podem dispor dessa mão de obra para lavar, passar, cozinhar e ainda fazer a limpeza da casa. Nos domicílios visitados pelo Correio ao longo da semana, a divisão do trabalho caseiro independe de idade. Jovens e velhos, homens e mulheres, todos têm funções bem definidas. “Nunca tivemos empregada. Em casa, todos cooperam, ninguém fica sem ajudar. Sabemos de nossas responsabilidades”, diz Jefferson Valério, 23 anos. “Lavo roupas e cozinho todos os dias”, conta Estelita Sant’Ana, 80. “E melhor, sem perder o bom humor”, ensina ela.

Faxina aos sábados

As amigas Lidiane Melo, 23 anos, e Camila Gonçalves, 26, moram no mesmo apartamento e definem a convivência em uma palavra: parceria. Elas dividem as contas da casa, o aluguel, os pincéis de maquiagem, as angústias do trabalho e dos relacionamentos, as alegrias e, sobretudo, as tarefas domésticas. Enquanto Camila lava as roupas, Lidiane prepara uma refeição. Entre a limpeza dos quartos e o cuidado com as louças, reforçam a aliança que as mantém unidas.

A palavra de ordem da casa é organização, sem jamais perder o bom humor. “Aprendi a cozinhar quando deixei Anápolis (GO) e vim morar em Brasília”, conta Camila, que é administradora de empresas. “Ela tenta”, brinca Lidiane, que é natural de Pirenópolis (GO). O dinheiro economizado com serviços domésticos vai todo para alimentação. Uma parte é destinado às compras mensais. A outra, para os lanches e jantares em dias em que não há disposição para o fogão.

Atentas à aprovação da Lei das Domésticas, as amigas nunca tiveram o luxo de contar com uma emprega e, desde pequenas, foram acostumadas pelas famílias a colaborarem com as tarefas do lar. “Durante a semana, fazemos as coisas mais simples. As faxinas são aos sábados”, detalha Camila. Para Lidiane, que é auxiliar de escritório, se o custo de uma mensalista ou diarista já era salgado, agora ficou inviável. “É melhor assim. A gente não tem vergonha e coloca a mão na massa, e ainda economiza”, diz.

Para espantar qualquer tristeza ou cansaço da rotina exaustiva do trabalho diários e dos afazeres domésticos, a receita é simples: três ovos, duas colheres de manteiga, leite e uma massa para preparar um bolo de chocolate. “Fica uma delícia. É irresistível”, assegura Lidiane (AT)

Organização é rotina
Há três anos, a contadora Gizelda Almeida, 54 anos, decidiu assumir os afazeres domésticos. Dispensou a empregada que, há quase uma década, trabalhava em sua casa. Ela e o marido, José Inácio, 59, que também é contador, e o filho Rafael, 25, resolveram dividir as funções. “Foi por opção mesmo. Acredito que ainda tenho disposição para limpar a casa. Sendo assim, não tenho motivo para continuar pagando pelo serviço”, diz.

Apesar de a casa ser grande, os três conseguem manter todos os cômodos limpos. “É só organizar. Se cada um fizer a sua parte, tudo fica limpo”, relata Gizelda. Mas, para que ela aprove a faxina, é preciso dedicação por parte dos homens. “Sou perfeccionista e confiro a limpeza nos mínimos detalhes. “Gosto de tudo no lugar. É terrível ter de refazer o trabalho do outro e não encontrar o que procura, na hora que precisa”, ressalta.

Nos fins de semana, quem prepara o almoço é o marido. “Ele gosta de cozinhar, de arrumar a casa. Ele ajuda bastante”, garante Gizelda. Já o filho do casal fica com a parte mais leve. “Ele tem a obrigação de arrumar o quarto dele”, conta. Quando há festas na casa da família, a limpeza e a arrumação são feitas em conjunto. “Festa é muito bom, mas é preciso que todos tenham a consciência de que, depois dela, vem um trabalho pesado, que precisa ser rateado para não punir ninguém”, destaca.

Gizelda acompanhou a tramitação da Lei das Domésticas no Congresso Nacional. Ela acredita que a conquista dos direitos pelos trabalhadores é um avanço para a categoria. O marido ressalta que o processo de adaptação à nova realidade não será fácil, pois quem tinha empregada passará a pegar no pesado e a executar tarefas com as quais não estava habituado. “Felizmente, em casa deu certo”, diz. (ACD)

Parceria desde cedo

Não há como negar que a comodidade de contar com um empregado doméstico, especialmente nos dias em que o trabalho foi pesado, é uma dádiva. Mas, para o estudante Jefferson Valério, 23 anos, e o padrasto dele, Rodrigo Silva, 31, a ajuda desse profissional está longe do necessário. “Nunca tivemos empregada. Em casa, todos cooperam, ninguém fica sem ajudar. Sabemos de nossas responsabilidades”, diz Jefferson, que mora com um irmão gêmeo, a mãe e a irmã mais nova, de oito anos.

Na avaliação do jovem e do padrasto, o dinheiro que seria destinado a um doméstico é vital para reforçar o orçamento mensal da família. “Temos outras prioridades. Suprimos a ausência de uma profissional doméstico com a organização familiar”, diz o estudante de gestão pública. “As missões começam cedo aqui em casa. Cada um arruma os respectivos quartos e passa as próprias roupas”, ressalta Rodrigo.

Como todos os moradores costumam ficar fora de casa o dia todo, a faxina é feita ao longo da semana, com tarefas previamente distribuídas. “Mas temos iniciativa. Se alguém percebe que algum cômodo da casa precisa de limpeza ou organização, um ajuda o outro”, garante Jefferson, cuja tarefa principal, nos fins de semana, é lavar os banheiros.

Para Rodrigo, o costume de arrumar a casa é natural e questão de consciência e higiene. “Como temos uma criança em casa, é bom que, desde cedo, ela tenha a noção da parceria”, acrescenta. “Certamente, quando ela crescer, terá a exata noção de respeito ao outro. É em casa que se forma um bom cidadão”, diz.

Sem jogo de empurra

Na casa da família de Maria José Faria, 60 anos, não há tempo ruim, mesmo quando o tema principal é a divisão das tarefas domésticas. “O rateio já está incorporado por todos”, garante ela. Os dois filhos, Andrezza Lopes, 26, e Anderson, 28, são responsáveis por manter todos os cômodos arrumados. O marido, Ananias, 60, não só cuida do jardim como exerce a função de babá da neta Luíza, 4, que, ressalte-se, dá um trabalhão.

A aposentada até cogitou a possibilidade de contratar uma diarista para dar um auxílio na limpeza da moradia, mas logo desistiu quando viu o custo, de pelo menos R$ 100 por dia. “Conversamos muito, e chegamos à conclusão de que é melhor deixar do jeito que está, cada um com suas responsabilidades. Se todos continuarem fazendo o que lhes cabe, não pesará para ninguém”, afirma Maria.

Andrezza que é professora, não reclama. “Além de lavar minhas roupas, preparo a comida para todos”, diz. “Desde cedo, aprendemos a importância de todos cuidarem da casa. Mesmo quando estamos cansados, da volta do trabalho, nos ajudamos. Não é justo deixarmos tudo para a nossa mãe. Ela já fez muito por nós”, acrescenta.

Maria, que já trabalhou como empregada doméstica, acredita que muitas mulheres que atuam nessa profissão serão beneficiadas pela nova lei, mas tem algumas ressalvas. “Muitos direitos que não tive viraram lei. Isso é bom. Temo, porém, que os patrões não entendam a importância dessa conquista e só pensem com o bolso, demitindo em massa. Tomara que não”, destaca. (ACD)

 

Fonte: Correio Braziliense 

 

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