A mulher negra, a negação de Demóstenes e minha humilde cota no debate das Cotas.

  

O discurso do senador Demóstenes e sua entrevista no tocante a questão das cotas, possuem os mesmos objetivos dos intentos do monsenhor britânico Richard Williamson, e de Ahmadinejad, presidente iraniano que negaram a ocorrência do holocausto judeu. 

O Bispo católico romano, o lider iraniano na “questão judaíca” e agora o Senador Demóstenes Torres na “questão da mulher negra” possuem em comum que: intentaram minimizar fatos históricos, ou até mesmo negá-los, tentando jogar a culpa do mal sofrido as próprias vitimas afligidas. Buscando assim apagar manchas históricas que insistem em voltar ao tecido social. Em tal intento se usa sempre o “alvejante” discurso negacionista do sofrimento das minorias vitimadas, implíscito na tentativa de “clarear” ou “esclarecer” a História descaradamente dizendo: “não morreram tantos judeus assim, os números são super-hiperinflados pelos historiadores! Os indígenas que habitavam as Américas não eram tão santinhos assim, eles comiam gente e adoravam o demônio! Não foi bem assim a história da escravidão, os negros já vendiam seus pares na África! Os de hoje é que são racistas e ficam querendo privilégios, ao invés de estudarem, e os negões so querem casar com loiras! São mal curados interiormente e ficam desenterrando o passado! No Brasil há oportunidade para todos, afinal a Constituição diz que perante ela todos são iguais! As mulheres negras do Brasil escravocratas é que seduziam e gostavam de se deitar com seus senhores, não havia estupro, pois elas consentiam em se relacionar sexualmente com os “sinhozinhos”! As de hoje não têm auto estima e ficam com “conversinhas” de que são discriminadas na saúde, no mercado de trabalho e etc. e tal!”

Demóstenes, não usou “remendo novo”! Simplesmente, reeditou para a atual questão das cotas para negros respostas do tempo em que o Brasil era escravocrata. Seu discurso negacionista da opressão sofrida pela mulher negra traz para o presente o argumento usado pela elite brasileira de 1800 que justificava a escravidão e os males dela decorrido.

A verdade é que dentre a elite brasileira, muitos se posicionam contra as ações afirmativas e de forma mais explicita contra as cotas, porque sentem se ameaçados. Como declarou José Jorge em relação aos 52 mil estudantes cotistas – representados em 3,5% dos universitários das instituições públicas do Brasil. “O que incomoda é que eles estão acessando o topo do saber universitário”!

Manter um povo na ignorância, longe do saber, sem acesso a educação de qualidade, sempre foi a melhor arma usada pela elite para manter se no dominio. Na verdade o que muitos dentre a elite querem é a manutenção e perpetuação do status quo que desde a escravidão no tocante ao empoderamento e ascensão social do povo negro brasileiro permanece quase que inalterado. Mantendo assim os descendentes de escravos a margem da sociedade, na miséria, impossibilitados de ascenderem socialmente pelo mito da “democracia racial” que muitos ainda teimam em afirmar, apesar das estatisticas sempre provarem que fora do samba, pagode e futebol, no cotidiano da massa populacional negra tal democracia é uma falácia.

Existem anti-cotistas sérios em seus argumentos, inclusive alguns são militantes de Movimentos Negros. Mas muitos dos “contra-cotasamp;quot; temem que a maioria populacional brasileira composta por afro-descendentes possuidores de uma “herança maldita” lhes dada por uma abolição sem reparação, ao ter acesso à educação possam galgar melhores postos na sociedade, vindo assim a ocupar posições que até hoje “passam em branco e de branco para branco”. E a pergunta que tendenciosamente fazem é: quem é negro no Brasil, uma vez que o país é miscigenado?

“Enquanto nas blitz policiais e nas cadeias os negros levam os “trancos” e nas favelas entre deslizamentos e enchentes,tentam equilibarem seus barracos nos “barrancos”, pois, a policia e as estatísticas da exclusão social respondem facil a pergunta supracitada, sabendo muito bem diferenciar o negro do branco.

Quem esta no poder vai lutar de todas as formas para se manter nele, não querendo repassá-lo, tampouco reparti-lo. Reparti-lo nem mesmo com os descendentes de quem durante quase quatro séculos foram pés e mãos de uma nação que se ergueu sobre o ignominioso sistema escravista, que ceifou a vida de milhares de pessoas indígenas e negras. E que após quase quatro séculos de escravidão no caso do povo negro, no dia 14 de Maio, simplesmente os desalojou das senzalas, varrendo-o o com uma mão na frente e outra atrás rumo as periferias, subempregos, indigência, mortalidade, criminalidade e favelas. Enquanto que os europeus, embora, sendo pessoas pobres, já entravam as levas no país desfrutando das primeiras “cotas nacionais” a fim de trabalharem livremente, gozando da subvenção do estado e contribuindo para o branqueamento da nação que queria voltar a sua ascendência européia.

No passado escravista do Brasil, que muitos brancos querem esquecer ou “maquiar” e nós negros insistimos em trazer a tona e mostrar como realmente foi, o leite da ama negra que sustentava os filhos dos senhores brancos era negado aos filhos da mulher negra que ele violentava. Ao contrário do que o senador afirma, as mulheres negras eram forçadas sim, eram violentadas sim. A arma contra ela usada era a força e violência de um sistema que as colocavam como propriedades do senhor de engenho. A arma que ele usava para deixá-las a sua mercê era um documento onde descrevia a mulher negra como propriedade dele. Documento aprovado pela ideologia racista, que declarava a superioridade do branco sobre o negro. E se houve casos de consentimento por parte de mulheres negras, certamente ocorrera numa tentativa desesperada de se fugir ao menos em parte de uma vida miserável em baixo dos castigos cruentos aplicados aos demais negros e negras.

Consentindo ou não em ter relações sexuais com o patrão, a mulher negra muitas vezes quando descoberta pela enciumada ama branca que também era dona dela, tinha seus dentes quebrados a martelo, suas partes intímas mutiladas a ferro quente, rosto desfigurado a pancadas. E seu amo, que anteriormente a havia usado como “depósito de esperma” de onde surgiram os primeiros “rebentos miscigenados” do Brasil, simplesmente buscava outra jovem ou mulher negra recém chegada no novo lote de escravos adquiridos.

Negar a história é próprio de quem teme a reviravolta do recontar dela. Por a culpa nos reis negros pela escravidão e pousar de bons “cristãos” já era argumento usado nos séculos em que a mais “execrável das vilanias” que já existiu embaixo do sol estava em plena vigência. O que poucos falam é que os europeus alimentaram as guerras tribais, com armas, viciando os reis, desequilibrando assim os conflitos, a fim de alimentarem o tráfico negreiro. A escravidão que existia entre negros em nada se comparava com o sistema escravista europeu baseado na cor da pele e na negação da humanidade do escravo.

Tal argumento era usado para manter o sistema, para manter a riqueza construída com sangue, lágrimas, suor e vidas ceifadas desde o embarque na África, passando pelo ventre dos fétidos e ignominiosos navios negreiros (tumbeiros) até chegar aos cafezais, canaviais e outros campos de trabalhos no Brasil. Hoje muitos o evocam a fim de se evitar a reparação retroativa aos tempos da escravidão.

O passado escravista que o Brasil tentou varrer para de baixo do tapete quando Rui Barbosa mandou queimar os arquivos da escravidão (1849 – 1923) bate a porta da elite brasileira, sobretudo do governo que incentivou a escravidão e não criou medidas para inserir o negro liberto na sociedade, antes criou mecanismos de exclusão do povo negro.

As cotas possuem o mérito de ter provocado o debate sobre a questão da exclusão e do preconceito racial no Brasil. De certa forma elas foram capazes de fazer com que o racismo deixe de ser velado, desmontando o mito da democracia racial e forçando o a mostrar sua face. Pois sem generalização, a meu ver, muitos anti-cotistas, são racistas recalcados que se viram obrigados a saírem do armário da falsa democracia racial para defenderem seus “direitos” ou privilégios ameaçados. É difícil para algumas pessoas aceitarem que no Brasil precisa cair por terra o status quo vigente, aonde imensa maioria branca vai para a universidade e para os postos de comando, enquanto a imensa maioria composta por gente negra e afro-descendente vai para as prisões e favelas, ou favelas e prisões! Em fim a ordem dos fatores não alteram os produtos finais, os quais são: exclusão, injustiça social e demais consequencias que de tais situações advêm.

O racismo no Brasil esta se desvelando. É o que fica claro quando um senador em pleno século XXI usa argumentos do século XVIII para se posicionar contra medidas reparativas que visa diminuir o fosso social entre negros e brancos. E ainda nega a opressão sofrida pelas mulheres negras. A seqüência não poderia ser melhor. Depois do Cônsul haitiano que declarou em Rede Nacional que o africano é maldito, vem um Senador da República e nega horrores escravistas. Só falta agora Teólogos cristãos reafirmarem a maldição de Cam!

O passado de nosso país foi negro, o presente do negro foi determinado pelas omissões dos brancos governistas. Mas nós afro-descendentes vamos re-determinar nosso futuro “denegrindo” cada vez mais o Brasil. É natural que, quem esta no poder lute para permanecer nele. Assim como é natural que, quem foi excluído lute para tomá-lo ou ao menos desfrutar parte dele.

Diante do negacionismo do senador, no tocante a condição da mulher negra, eu finalizo com a frase de Marcus Mosiah Garvey, apropriada por Bob Marley: “Um povo que não conhece a sua história reminiscência de seu passado é tal qual uma árvore sem raiz!” A qual eu completo dizendo: “Árvore a qual qualquer ideológia racista travestida de um falso senso de democracia e igualdade social é capaz de derrubar”. O Senador Demóstenes Torres (DEM-GO) em nome da elite, já deu as primeiras “machadadas”, evitar os próximos golpes só depende de nós!

Afro-descendentes, olhais quão numeros vocês são. Uni-vos na luta pela reparação!
Negros, afro-descendentes, brancos conscientes levantem-se e se dêem as mãos, pois o cordão de três dobras não se rompe fácil não!
Do passado não pode haver redenção se não houver reparação! E ela vem por meio do partir o “pão” no qual resumo toda forma de inclusão. Sem reparação a tão buscada justiça e paz, jamais se abraçarão!

Ciente de que muitos dizem que raça não existe, eu permaneço e prossigo lutando e escrevendo, na graça e na raça!

Pr. José do Carmo da Silva ” o Zé do Egito”. Negro e cristão metodista pela graça de Deus.

Fonte: Afrokut

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