A revolta é contra o aumento das passagens, mas o movimento é outro

Na quinta-feira (6)  presenciei parte do conflito entre os manifestantes do Movimento Passe Livre e a Polícia Militar. Estava no Centro de São Paulo por conta de um debate com o vereador, Ricardo Young, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. O debate, promovido pelo grupo Contraponto, foi sobre se a questão da sustentabilidade será um tema importante na eleição de 2014. Foi uma conversa muito agradável, mas neste texto vou falar do que vi no caminho para a Faculdade e não do debate em si. Vi, como poucas vezes, muitos jovens de periferia naquela manifestação. Garotos e garotas negros ou quase negros e muitos deles com raiva, muita raiva.

(Foto: Passe Livre São Paulo)

Não pareciam ser filhinhos de papai revoltados com o atraso da mesada. Ou esquerdistas que têm como única causa o confronto, seja ele contra quem for. Havia gente dessas duas categorias e algumas (poucas) bandeiras de partidos onde essas duas categorias se fazem presentes com certo peso. Mas o movimento não era isso.

É importante o registro porque ganha força nas plataformas de redes sociais a tese da desqualificação do Movimento Passe Livre com a utilização deste argumento fácil de que é coisa de mimadinhos e mimadinhas que não trabalham. Coisa de baderneiros de classe média.

Os rostos daqueles jovens não traduziam isso. Eram garotos pobres, com muita raiva. Garotos e garotas indignados e revoltados. E que pareciam não estar ali só por conta do aumento da passagem, mas porque precisam gritar que existem. E precisam dizer que querem ser ouvidos. E  precisam gritar que estão cansados de ser ignorados pelos donos da cidade, que os expulsam para o extremo da periferia, onde não há diversão, equipamentos de cultura, qualidade de vida, sonhos. E onde o transporte público é um lixo.

A juventude que foi naquela quinta-feira à noite ao Centro e à Paulista não está protestando só por conta de vinte ou trinta centavos a mais no preço da passagem. Isso é apenas um pedaço da história. A periferia brasileira está em movimento e em disputa. E se a cidade não passar a ser pensada para esses milhões de jovens, em breve algo muito maior do que aconteceu na quinta vai estourar.

O jovem pobre não quer só comida. E não quer só migalhas. Seus pais podem ter aceitado o acantonamento. Mas eles não estão dispostos a repetir essa história. Querem estar no Centro. Querem descatracalizar a cidade. Querem poder entrar e sair. Querem circular. O acesso ao transporte público ganha essa dimensão porque é parte direta desse problema. Mas ele não é nem o todo e nem tudo. Há muitas outras coisas em jogo.

Um pouco disso se explica porque há uma cidade para poucos onde tudo acontece. Uma cidade que está sempre de braços abertos aos que têm carro, dinheiro e roupas de grife. E há outra cidade escura, onde as luzes mais brilhantes da noite são as das sirenes dos carros de polícia.

Ouvir e dialogar com o grito das ruas é sempre o melhor caminho. E  fazê-lo entendendo que o protesto que ganhou as ruas de São Paulo não é de baderneiros ou de mimadinhos ajudará muito. A revolta é de jovens. E muitos pobres. E com raiva. E isso ninguém me contou. Eu vi.

 

 

 

Fonte: Revista Fórum

 

+ sobre o tema

Google concorda em pagar US$ 28 milhões em processo por preconceito racial

O Google concordou em pagar US$ 28 milhões (cerca de R$...

Renda de pessoas negras equivale a 58% da de brancas, mostra estudo

A renda do trabalho principal de pessoas negras correspondia,...

Geledés – Instituto da Mulher Negra se solidariza à Ministra Marina Silva

Geledés – Instituto da Mulher Negra, organização fundada e...

STF forma maioria para validar lei que expulsa empresa por escravidão em SP

O plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria, nesta...

para lembrar

Parecer ao Estatuto da Juventude está pronto para votação

Proposta define os direitos da juventude, como transporte gratuito,...

Dilma afirma que Ciro tem total liberdade para fazer o que quiser

Por: MÁRCIO FALCÃO   A candidata do PT à...

Relatora especial da ONU vê racismo sistêmico no Brasil

O racismo no Brasil é sistêmico, perdura desde a...

Na Costa Rica, Lula diz que economia ‘está do jeito que Deus gosta’

Fonte - G1 - Enviado especial da BBC Brasil...

Alcântara é Quilombola! Em sentença histórica, Corte Interamericana condena Brasil por violar direitos quilombolas e determina titulação do território

Na última quinta-feira (13), a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) declarou que o Estado brasileiro é responsável por violar os direitos das...

União Africana classifica escravidão e regime colonial de genocídio

Líderes de países africanos deram um novo passo na crescente reivindicação por reparações históricas ao classificar a "escravidão, deportação e colonização de crimes contra a humanidade e genocídio contra os...

Quilombolas pedem maior participação em debates sobre a COP30

As comunidades afrodescendentes e quilombolas pedem mais espaço nos encontros sobre mudança do clima que antecedem a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as...
-+=