AÇÃO AFIRMATIVA NO BRASIL

POR:JOÃO JORGE SANTOS RODRIGUES

 

A introdução nas universidades públicas brasileiras das políticas de ação afirmativa da espécie cota para o ingresso de afro-brasileiros gerou grande polêmica sobre a igualdade no Brasil. O movimento negro e o poder público têm debatido sobre como deveriam ser estas ações. Para entender esse debate, é preciso compreender as razões históricas da discriminação racial.

No Brasil, em diferentes períodos da História, as leis foram os instrumentos jurídicos da dominação de negros e índios pelos donos do poder. Durante a época da escravidão negra, várias normas foram aprovadas para regular como deveria se dar a exploração dos africanos, tornando, assim, a escravidão um fato legitimado juridicamente.

A partir de 1822, após a  o direito à educação primária gratuita foi incorporado na Constituição: “A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos.” Porém ela permaneceu proibida aos negros pelo fato de que estes não eram considerados cidadãos. No Império, os escravos e seus descendentes não podiam estudar e, mesmo que fosse um liberto, estava fadado a ser cidadão de segunda categoria.

Um ano após a Abolição, a maioria dos ex-escravos eram analfabetos – excluídos de poder votar e serem votados. Tornaram-se cidadãos de terceira categoria. A falta de um sistema educacional público gratuito com acesso aos ex-escravos manteve-se até o Estado Novo, em 1930. As mudanças aconteceram a partir daí.

 

“Durante a época da escravidão negra, várias normas foram aprovadas para regular como deveria se dar a exploração dos africanos, tornando, assim, a escravidão um fato legitimado juridicamente”

Modernamente o direito das relações raciais tem sido estimulado pelo movimento negro desde os anos 60 e ganhou força na década de 90. A discussão sobre a aplicação de políticas públicas de ação afirmativa do tipo cotas nas universidades tem despertado reflexão sobre o valor do princípio da igualdade, constitucionalidade das leis, autonomia universitária, privilégios, méritos nos meios acadêmicos e jurídicos. Contudo, o Brasil, país com a mais longa história de escravidão das Américas, mal começa a admitir, pelo menos em nível acadêmico, a discussão do tema. As universidades públicas federais e estaduais têm sido convocadas a adotar programas de inclusão dos afro-brasileiros e têm dado respostas diferentes para iniciar a inclusão racial no ambiente acadêmico.

 

Após a caminhada em Brasília do movimento negro para reivindicar políticas públicas ao governo, em 1995, iniciou-se o reconhecimento da administração pública de que houve uma violência institucional racial no passado, de que há, no presente, uma desigualdade racial herdada deste período.

Discutir e apresentar soluções inovadoras ao acesso dos afro-brasileiros ao ensino superior está sendo um desafio para os operadores do Direito, para a pesquisa jurídica, para as universidades nacionais. O Brasil é um país em desenvolvimento com a maior desigualdade social no mundo e tem uma dívida de cinco séculos com os afro-descendentes, por manter 45% dos brasileiros (80 milhões de pessoas) em condições de cidadãos de segunda categoria por meio da falta de uma educação pública inclusiva. O debate sobre as políticas públicas de ação afirmativa poderá se constituir em um remédio jurídico eficaz para o racismo institucional e a violência invisível que ainda sobrevivem.

O Estado brasileiro interditou os direitos fundamentais dos afro-brasileiros, impediu o acesso aos bens da Nação, explorou o trabalho e o lucro do escravismo. Os danos destas ações podem ser medidos pelos indicadores de desigualdades oficiais. O acesso dos negros à universidade pública gratuita e de qualidade é uma questão de justiça e de uma nova postura no direito nacional, com o reconhecimento do papel do aparato legal na construção da desigualdade racial, na manutenção desta desigualdade e na resolução jurídica do principal desafio das diretrizes constitucionais a igualdade de fato e de Direito.

 

JOÃO JORGE SANTOS RODRIGUES – ADVOGADO, MESTRANDO EM DIREITO PÚBLICO NA UNB E PRESIDENTE DO OLODUM

 

 

Fonte: Raça

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