Na última segunda-feira (11), Valéria dos Santos, advogada negra e carioca realizava a uma audiência no 3º Juizado Especial Cível de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, quando foi detida após exigir a leitura da contestação do processo que atuava.
Por Gabriel Prado Do Justificando
Sob a ordem da juíza leiga e a passividade dos demais colegas de profissão, Valéria foi algemada e arrastada para fora da sala de audiência sem que a defesa de sua cliente fosse apreciada.
O professor Adilson José Moreira, doutor em Direito Constitucional Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, explicou ao Justificando que “a atuação dessa juíza ao chamar um policial para tratar da mulher negra é o tipo específico e comum de como pessoas brancas tratam pessoas negras, ou seja, o tratamento que a pessoa negra deve ter sempre é um caso de polícia.”
Em meio à agressão, os advogados e autoridades presentes assistiram à violação de ao menos seis prerrogativas de Valéria enquanto advogada da OAB. Constituídas para que o livre exercício da profissão não seja interditado pelos interesses das partes ou do juízo presente, conforme salientado em nota das Comissões Nacional, Seccional e Subseccional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil.
O uso de algemas, como foi feito com Valéria, conforme súmula vinculante n. 11 do STF, só é lícito em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia. Sendo que advogados e advogadas não podem ser presos(as) no exercício da profissão, salvo em caso de crime inafiançável (art. 7º., par. 3º., da Lei 8.906/94).
Nenhuma prisão de advogado ou advogada durante o exercício da profissão pode ser feita sem a presença de representante da OAB (art. 7º., IV, da lei 8.906/94). Momentos antes de ser detida, Valéria solicita de prontidão a presença do advogado da Ordem.
“Já chamei [o delegado da OAB]. Eu fui chamar. Algum colega chamou? Vocês são tão meus amigos, tão colegas de profissão que vocês não chamaram. Vocês ficaram calados. Vocês ficaram calados. Vocês não chamaram ninguém. Eu tive que eu mesma sair. Eu estou sozinha. Você não é amigo. Se você fosse colega, você seria o primeiro a chamar o delegado. Você não chamou.” disse Valéria antes de ser detida.
“O que está ali nesse caso muito claro é um policial que se dirige à uma profissional que está exercendo sua atuação enquanto defensora de um cliente sendo desmerecida e destratada, dando a entender que não tem a capacidade de atuar e operar como agente dentro desse espaço social que é um espaço do homem branco.” analisou o professor Adilson Moreira.
A presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros declarou que “o inexplicável uso ilegal de algemas confirma a tendência da criminalização da classe, com intensificação de atitudes de desvalorização e desqualificação dos advogados e advogadas”. Além da violação das prerrogativas dos advogados, “o ato sugere também discriminação de gênero e raça”, apontou.
Racialização espacial
Ainda nessa semana, Renato Almeida Freitas Jr., advogado negro, criminalista, ativistas e candidato do PT a deputado estadual no Paraná, foi atingido por balas de borracha à queima-roupa pela Guarda Metropolitana de Curitiba enquanto fazia panfletagem na Praça do Gaúcho, em Curitiba – PR.
Após uma abordagem policial violenta testemunhada por visitantes da praça, Renato foi conduzido de viatura ao Hospital do Cajuru e depois encaminhado para o 1º Distrito. O advogado foi palestrante no 24º Seminário Internacional de Ciências Criminais do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), onde abordou racismo e sistema de justiça criminal.
“Em ambos os casos, o Estado está dizendo para a pessoa negra é que você não tem o direito de formular demandas e de estar em um lugar ocupado por pessoas brancas” e conclui o professor Adilson Moreira acrescentando que “Existe uma racialização em dois sentidos, tanto do lugar que o indivíduo deve ocupar dentro da escala social e quanto os lugares em que o indivíduo pode pode operar enquanto agente social”.
Dois anos antes, o advogado negro Flávio César Damasco foi hostilizado, algemado e levado a uma delegacia ao tentar entrar no Tribunal Regional do Trabalho, TRT da 2.ª Região, no centro de São Paulo. Aguardava o elevador quando foi abordado por segurança aos gritos que disse que não poderia usar o elevador privativo.
No outro elevador, foi questionado se era advogado e inquirido a entregar sua carteira da Ordem dos Advogados. Por achar o tratamento hostil dentro de um fórum cujo acesso é público à qualquer cidadão, falou ao vigia que só se identificaria se ele pedisse com educação. Mais seguranças foram chamados e ele foi algemado e levado até uma delegacia de polícia.