“Ai, não fala em Cecília Meireles, não, que nem durmo!” – Por: Fátima Oliveira

Hoje é aniversário de minha filha Lívia, mãe de Clarinha – que fez 4 anos em 30 de dezembro passado. Por aniversariar em janeiro, mês de férias, passamos pouquíssimos aniversários dela juntas; hoje é um deles.

Por Fátima Oliveira

É dia de dizer versos de Cecília Meireles, que tanto alumbravam Lívia quando criança, “a quem, certa noite, quando pedimos que lesse uma poesia de seu livro ‘Ou Isto ou Aquilo’, que ganhou de sua professora Márlia, no segundo ano do Pandiá Calógeras, disse: ‘Ai, não fala em Cecília Meireles, não, que nem durmo!’. Mas emendou: ‘Quem me compra um jardim/com flores?/ Borboletas de muitas/cores,/lavadeiras e passarinhos,/ovos verdes e azuis/ nos ninhos?’… (“Leilão de Jardim”, Cecília Meireles)”. (“Cuidando dos encantadores ‘peu-peus’ da Clarinha…”, O TEMPO, 6.3.2012).

Ela ainda guarda o livro “Ou Isto ou Aquilo”! Durante anos, visitava regularmente a “tia Márlia”, quase nossa vizinha, que morava na avenida Prudente de Moraes e que era tutora das leituras da Lívia e a ensinou a apreciar poesia. Era uma professora carinhosa e de excepcionais qualidades humanas.
Impossível relembrar Lívia criança sem a presença da professora Márlia Mesquita de Moraes, que, aos 56 anos, em 12 de fevereiro de 2001, foi assassinada em frente ao shopping Diamond Mall, com três tiros, pelo ex-marido, com quem foi casada por 39 anos, o empresário dos setores de armarinhos e informática Moacir Ribeiro de Moraes, à época com 63 anos. Os filhos do casal declararam que ele ameaçava Márlia de morte porque, em processo de separação litigiosa, não aceitava dividir os bens do casal – entre eles, veículos importados e imóveis!

Quando Márlia foi assassinada, Lívia não estava em BH; e eu, de plantão no dia do assassinato e no do enterro, não consegui despedir-me de uma pessoa que tanto carinho deu à minha filha desde que foi sua aluna, no final da década de 1980.

O assassinato de Márlia Mesquita de Moraes é um caso exemplar de femicídio impune a zombar da vida das mulheres, pois o assassino, capturado poucos dias após o crime, ficou detido no Ceresp da Gameleira, mas obteve prisão domiciliar alegando câncer de próstata. “Sem comprovar a doença, foi preso na penitenciária Dutra Ladeira, mas conseguiu outro habeas corpus para responder ao processo em liberdade. O empresário ficou dois anos preso e outros quatro livre”, até ser julgado pelo 2º Tribunal do Júri do Fórum Lafayette, em 6 de fevereiro de 2006, quando foi condenado por homicídio qualificado a apenas 14 anos de prisão; todavia, permaneceu em liberdade, aguardando o julgamento de um “recurso”.

O assassino condenado, porém solto, em abril de 2007, tentou matar com cinco tiros seu sobrinho e compadre José Agnaldo Teotônio. Preso em flagrante, o delegado garantiu que ele ficaria “detido aguardando julgamento de tentativa de homicídio” (Patrícia Giudice, O TEMPO, 7.3.2007).

Quer dizer: o assassino ficou preso por uns dias, não pelo crime pelo qual foi condenado; depois, foi para o regime semiaberto! Em 4.12.2010, foi condenado a seis anos e seis meses de prisão, em regime semiaberto, pela tentativa de homicídio. Isso é, ele usufrui do conforto de sua casa e grita em nossa cara que, quando se tem dinheiro, matar é permitido!

Sei que Márlia foi uma pessoa de crucial importância na vida de minha filha, Portanto, quero registrar hoje, quando a Lívia “faz anos”, que, para a Justiça brasileira, Márlia, como todas as mulheres, não é ninguém, mas, para nós, é uma linda sempre-viva de nosso jardim de Cecília Meireles.

Fonte: O Tempo

 

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