Texto de Lynn Beisner. Tradução de Bia Cardoso. Publicado originalmente com o título: “Sometimes It’s Necessary To Divorce Your Parents” no site Role Reboot em 12/07/2012.
Você não pode escolher seus pais, mas isso não significa que você tem que ter um relacionamento com eles. Às vezes, é necessário que os filhos adultos se separem de seus pais abusivos, mas encontrar apoio no processo pode ser difícil, diz Lynn Beisner.
Minha sogra, Joan, foi melhor descrita por meu cunhado como alguém “casualmente cruel”. Em outras palavras, ela não criava momentos cruéis. Palavras cruéis apenas saltavam para fora dela, mais ou menos da mesma maneira que uma pessoa com uma mente suja atira palavras de duplo sentido.
Joan atingia seu ápice especialmente em casamentos. No casamento de Debbie, sua filha caçula, Joan foi até a noiva quando ela estava prestes a iniciar a caminhada até o altar. Na frente de todas as pessoas presentes, Joan disse: “Eu não posso acreditar que você está vestindo branco, mas isso não importa. Eu só espero que isso finalmente coloque um ponto final na sua trajetória de vadia”. Levou mais de meia hora para minha cunhada conseguir parar de soluçar e retocar a maquiagem. Isso acabou com a programação e efetivamente arruinou o casamento dos sonhos de Debbie, que custou $15 mil dólares.
No nosso casamento, Joan não teve a chance de me ver antes da cerimônia. Então, ela guardou seu espirituoso comentário para o momento do brinde: “Bem, Pete poderia ter conseguido algo muito melhor. Mas, por razões que eu nunca vou entender, ele escolheu Lynn. Então, aqui vai meu desejo que eles tenham uma boa vida se possível, dadas as circunstâncias”. Todos nós trocamos olhares constrangidos e nos preparávamos para tomar um gole quando ela lembrou o que realmente queria dizer: “Oh, eu dei de presente a vocês um cutelo. Quando percebi que ela iria castrá-lo de qualquer maneira, pensei que ela poderia muito bem fazer isso de uma maneira mais honesta”. Eu ri de maneira histérica e todos se juntaram a mim achando que era alguma piada interna.
Meu marido reagiu ao brinde de sua mãe me dando o melhor presente de casamento que eu poderia imaginar. Ele esperou o momento em que sua mãe estava indo embora da festa e a levou até um canto. Ao abraçá-la, ele calmamente sussurrou em seu ouvido: “Você não é bem-vinda em minha casa, e você não vai ver a mim, nem a meus filhos até que eu tenha motivos para acreditar que você irá tratar minha esposa com o carinho e respeito que ela merece”. Então, ele beijou levemente seu rosto e disse “adeus”. Essa foi a última vez que ele a viu.
Nos anos que se seguiram, eu observei a distância como Joan causou estragos e dores nas vidas e casamentos dos irmãos de Pete. E, se eu não tenho absoluta certeza de que nosso casamento sobreviveria a Joan, estou absolutamente certa de que Pete fez um grande benefício para nós, excluindo-a de nossas vidas.
Apesar da forma odiosa como Joan tratava os irmãos de Pete e seus cônjuges, todo mundo criticava Pete por ter se divorciado de sua mãe. Mesmo a madrasta de Pete, que não tinha nenhum respeito ou simpatia por Joan, pressionava para que ele tivesse algum contato com sua mãe, além dos cartões e presentes que ele mandava nas datas comemorativas e aniversários. Eles invariavelmente diziam: “Se você não fizer as pazes com ela, você vai se encher de arrependimento e remorso. Um dia ela vai morrer e, quando isso acontecer, você vai se odiar por tê-la mantido fora de sua vida”.
Esta semana completam três anos da morte de Joan. Ela teve um derrame e morreu alguns dias depois. Eu me preparei, mas nenhuma das emoções previstas foram seguidas. Pete ficou triste por ela e por si mesmo ao sentir que a única maneira que ele tinha de proteger sua esposa e seus filhos da crueldade dela era divorciando-se da mãe. Porém, Pete não sentiu nenhum arrependimento, remorso ou ódio de si mesmo. Seus irmãos e sua família, no entanto, o consideram uma pessoa indescritivelmente horrível.
Eu lembrei de Joan esta semana enquanto lia um artigo de Joanna Molloy, intitulado “Filhas abandonam Demi numa estranha repetição conturbada de sua própria história familiar; veja outras celebridades que cortaram relações com as mães”. No artigo, Malloy critica duramente Demi Moore, suas filhas e Jennifer Aniston pelo mesmo pérfido pecado: todas elas, em algum momento, cortaram relações com suas mães.
Eu preciso admitir, não sou uma especialista na vida pessoal de Demi Moore, mas de acordo com o que Malloy relata, Demi está passando por uma recaída. Suas filhas estão angustiadas com o comportamento de sua mãe e sua esmagadora carência. Malloy responde as aflições das filhas de Demi com sarcasmo e irreverência, chamando-as de “coitadinhas”. Essa é a hora em que Demi mais precisa de ajuda, afirma Malloy, e o fato de suas filhas não estarem ao seu lado representa uma traição. Mas, esse é também o preço que Demi precisa pagar ao Banco de Crédito do Karma pela maneira como tratou sua própria mãe.
Na semana passada, eu li bastante sobre alienação parental. Não há praticamente nenhum apoio para as crianças que fazem escolhas difíceis, nem mesmo online. Alguns poucos livros para filhos adultos de pais tóxicos afirmam que o divórcio deve ser a última opção ou que pode ser uma solução adequada apenas em casos graves de abuso. É claro que isso nos deixa imaginando: o que seria exatamente “um último recurso”? E o que compreende um caso de abuso grave o suficiente para um filho adulto ir embora? A maioria dos especialistas em saúde mental aconselham que os filhos adultos devem perdoar e se reconciliar com os pais. O afastamento, nem mesmo ajuda, de acordo com alguns, como a Dra. Eleanor Mallach Bromberg: “Você só pode estar fisicamente distante de seus pais; você não pode se sentir psicologicamente livre deles”.
No entanto, não faltam livros, grupos de apoio e grupos online para os pais privados de algo que acreditam ser seu direito: um relacionamento com seus filhos adultos. Mesmo em publicações como o The New York Times, os pais são retratados como vítimas inocentes enquanto os filhos adultos são humilhados e seu sofrimento é encarado como “questões de orgulho… muitas vezes pequenas, coisas insignificantes”.
Cerca de seis meses depois da morte de Joan, eu me afastei de minha própria mãe. Essa foi uma decisão difícil e tem sido um processo muito doloroso. Eu tive muito pouco apoio, com exceção de meu marido e meus filhos, que efetivamente me pediram para que eu me separasse dela.
Filhos adultos são muitas vezes alertados de que ao se divorciar de seus pais, eles irão retornar para assombrá-los. Dizem-nos que vamos pagar por isso com arrependimento e aversão por nós mesmos ou que vamos perder o relacionamento que temos com os nossos próprios filhos. “Se você cortou relações com seus pais, a probabilidade é de que seus filhos também se afastem de você ao tornarem-se adultos”, diz o Dr. Gershenfeld. “Esse é o modelo que eles estão aprendendo”.
Depois de ter visto Pete passar pela morte de sua mãe, já não me preocupo em ser atingida por ondas de remorso agonizantes. Mas, como mãe de jovens adultos, tenho receio de me desvincular deles. Estou especialmente preocupada porque eles viram Pete e eu cortando relações com nossas mães.
Por outro lado, talvez eu esteja moldando ensinamentos mais valiosos: Nenhum adulto tem direito a um relacionamento com outra pessoa. Não existe nenhum relacionamento tão sagrado que não possa e não deva ser destruído por motivos de abuso, crueldade e maldade. Se nós queremos ser amados, devemos agir amorosamente.
Autora
Lynn Beisner é o pseudômino de uma mãe, escritora, feminista e acadêmica, vivendo em algum lugar no leste do Mississippi. Você pode encontrá-la no Facebook ou no Twitter.
Fonte: Blogueiras Feministas