Angola de ontem, Brasil de hoje: desigualdades aproximam os países

Situação educacional e demográfica é grande entrave para o desenvolvimento

Entre 2009 e 2011, passei um período em Angola –parte na capital do país, Luanda, e outra parte na cidade do Soyo, ao norte do país africano, na província do Zaire, divisa com a República Democrática do Congo. Foi uma experiência bastante enriquecedora que tive na vida, das mais importantes que já vivi, de aventuras e caminhadas.

O Soyo, onde estive a maior parte do tempo, é uma região bem fascinante, sobretudo por sua demografia e história, marcadas fortemente pelo período colonial. A população da época, de há uma década e meia, diferente da atual, vivia de modo simples, em casas de lajotas construídas com barro retirado do terreno do quintal, onde também enterravam muito dos seus mortos.

Boa parte do comércio era realizado nas ruas do lugarejo, negócios feitos de mão em mão, como vendas de frutas, legumes e peixe seco, bem como gasolina para abastecer carros e motos, armazenados em garrafas plásticas, como as de refrigerantes.

De ontem para os tempos atuais a situação está muito diferente, devido ao rápido progresso proporcionado pela instalação de uma planta petrolífera no local, para escoar a grande produção de gás natural liquefeito, tendo como esteio empresas associadas e a Sonangol, espécie de Petrobras angolana.

Mas quero destacar algo que muito me impressionou nas minhas andanças na região: a visita a uma escola primária dirigida por uma missionária brasileira e o contato com jovens estudantes.

O que me causou grande curiosidade nessa visita foi o método ensino-aprendizagem adotado pela escola, em especial o uso de palmatórias para disciplinar os alunos –os faltosos, os briguentos e os “falhos de memória”, ou seja, os que não sabiam responder corretamente as lições do dia.

A turma era formada na sua maioria de crianças, vestidas de uniforme vermelho, que se sentavam em bancos de madeira e numa sala de ambiente escuro, já que a iluminação era bem precária, apesar de dia claro, de sol forte e escaldante.

O calor era aquele descrito como “maçarico”, para ilustrar aqui o conto “Rolézim”, do livro “O Sol na Cabeça”, de Geovani Martins.

A diretora da escola, que não convém citar o nome, era contra a prática de castigo nos miúdos, pois ela via aquilo como uma selvageria e recolhia peça por peça, quase todos os dias. Mas era como “enxugar gelo”, disse-me ela, desiludida, ao constatar que a reposição do instrumento torturador era feita pelos pais dos meninos e meninas logo a seguir.

Pelo que me parece, crianças em qualquer parte do mundo são categorias sociais pouco estimadas por governantes e líderes mundiais. Aqui no Brasil não é diferente.

Mas voltando a Angola. De acordo com o Programa de Educação do Unicef-Angola, o número de crianças matriculadas em escolas do país “quase quadruplicou” entre 2001 e 2014. Porém, perto de 22% das crianças se encontram fora do sistema de ensino e cerca de 48% não concluem o primário. Na faixa etária de 3 aos 5 anos, apenas 11% têm acesso à educação pré-escolar.

O Programa do Unicef destaca também que as desigualdades se agravam no meio rural, caso da cidade do Soyo. Para o órgão, a taxa líquida dos frequentadores do ensino primário é de 78% para o centro urbano e de 59% no rural para todo o país. Já no ensino secundário essa taxa não excede a 50% no meio urbano e impressionantes 14% no rural. Somam-se a tudo isso as disparidades quanto a questões de gênero, acentuadas entre os meios urbano e rural, que se aliam à baixa qualidade do ensino ministrado, dada o pouco preparo profissional da equipe das escolas e seus professores.

Em se tratando do continente africano, especialmente de Angola, séculos depois, como outros países de África, ainda sente a dor do peso da mão do colonizador, o grande império escravista, que ontem, assim como hoje, continuar a lhe usurpar gente e riquezas naturais.

Não é fácil para um país, invadido e violentado por tantos séculos, colonizado e catequizado à forma da espada e baionetas, saltar da noite para o dia a um padrão de excelência.

O que vi e vivi nas minhas andanças por Soyo, há pouco mais de dez anos, não está distante do que ainda ocorre em muitos países, como o Brasil. Por aqui, as marcas da escravidão estão bem visíveis, seja pela submissão, pela exploração ou pelo racismo. Olhando algumas regiões brasileiras, eu identifico muita coisa da cidade angolana e me faz recordar do missionário luso-brasileiro, o padre Antônio Vieira, cuja frase, datada de 1691, nos dizia: “O Brasil tem seu corpo na América e sua alma na África”.

O corpo, é verdade, anda pelo torrão americano em frangalhos; quanto à alma, deve esta pena e arde pelos quintos dos infernos.

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