Apoiar entrada de jovens negros na universidade é pensar sobre qual futuro queremos

Em um cenário de crise aguda, a educação continua sendo alvo de descaso, como mostra a retirada definida pelo governo federal de R$1,4 bilhão do MEC (Ministério da Educação). Foi a pasta que mais perdeu recursos.

Ao mesmo tempo, jovens de baixa renda —em sua maioria, negros— sofrem com a falta de equipamentos adequados e de apoio para estudarem. Esses problemas dificultam ainda mais a inserção da juventude negra e periférica no ambiente acadêmico.

Nesse cenário em que não há políticas públicas sendo pensadas é que surge uma iniciativa corajosa e potente do Fundo Baobá: o Programa Já É: Educação e Equidade Racial.

Em sua primeira edição, a iniciativa ofereceu a cem jovens negros, das periferias da capital paulista e da região metropolitana de São Paulo, bolsas de estudo em um curso preparatório para o vestibular.

O programa, do qual fazemos parte, foi desenvolvido em parceria com Fundação City, Demarest Advogados e Amadi Technology, e ocorre no ano seguinte ao que teve a maior abstenção na história do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). As taxas de não comparecimento variaram entre 55% e 72%, segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas).

O Fundo Baobá também se comprometeu em disponibilizar notebooks, apoio psicopedagógico e benefícios de permanência —como auxílio-transporte e alimentação— para que os estudantes não desistam por conta das dificuldades estruturais.

Para aumentar a representatividade e narrar as histórias dos selecionados, a organização montou uma equipe de treze jovens jornalistas pretos e colaboradores do PerifaConnection.

O grupo foi composto por profissionais de favelas e regiões periféricas de São Paulo (Guaianases, São Miguel Paulista, Cidade Tiradentes, Grajaú, São Bernardo do Campo e Franco da Rocha), do Rio de Janeiro (Duque de Caxias, Engenho Novo, Santa Tereza e Jacarezinho) e do bairro Casa Amarela, no Recife.

Contar a trajetória e a visão de futuro desses jovens foi um trabalho baseado em fé e dedicação. Acreditamos nas mudanças concretas que serão promovidas pelo projeto. O envolvimento com as vivências relatadas foi inevitável, pois as idades dos repórteres e as dos beneficiados são muito próximas. A equipe sentiu na pele a felicidade com as histórias de sucesso e de superação.

Os jovens do Já É são crias das periferias e sabem o significado do ingresso no ensino superior e de ocupar um ambiente que lhes foi negado historicamente.

Quando reconhecemos a luta ancestral e todo o caminho percorrido pelos que vieram antes de nós, a valorização do que acontece hoje é instantânea. Por esse motivo, é importante acreditar nesses jovens e dar subsídios a eles, como faz o Fundo Baobá, com a força e resistência que são símbolos da árvore que dá nome à organização.

Nesta seleção, temos mães, transexuais, cisgêneros, héteros, homossexuais, todos conscientes das próprias particularidades e capacidades que definem o seu lugar no mundo.

Alguns têm o sonho de empreender, outros desejam ser artistas e há os que querem ser funcionários públicos. Independente do caminho, todos têm o mesmo objetivo: entrar em uma universidade. E para isso muitos contam com o apoio familiar, algo que, no contexto periférico, chamou a atenção de toda a equipe.

Um programa como esse nos faz pensar: o que queremos para o futuro dos nossos jovens? Diante da situação crítica que o país enfrenta, em que a educação não é valorizada e o genocídio dos jovens negros é uma realidade, o Programa Já É vem com o objetivo de subverter fatos e garantir possibilidades de mudanças concretas.

O próprio nome é simbólico e certeiro: Já É. Já é possível a juventude avançar. Já é possível estar nos espaços que nós queremos.

É a partir de ações coletivas, em comunidade, que faremos um mundo melhor. Isso é a política que vai atrás, que pensa e potencializa trajetórias historicamente ignoradas.

Ouvindo as histórias de cada um desses jovens, conscientes do mundo onde vivem e cheios de gás para ir atrás dos sonhos, levamos como aprendizado que as relações humanas são interdependentes e que sempre precisaremos dos nossos para seguir.

Mônica Moreira
Jornalista em formação e moradora de Guaianases, bairro do extremo leste de São Paulo. Faz parte da equipe do programa Já É

Tâmara Santos
Jornalista formada pela FIAM-FAAM, atua como assessora de comunicação na área da saúde. Faz parte da equipe do programa Já É

Vitória Macedo
Estudante de jornalismo na PUC-SP, apaixonada por palavras e histórias. Escreve sobre entretenimento na revista Capricho e faz parte da equipe do programa Já É

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