No meio da semana entre o Natal e o Ano Novo, com mais de 190 mil mortos por coronavírus e o país sem plano de vacinação, o presidente Jair Bolsonaroresolveu atacar a ex-presidente Dilma Rousseff. O ataque veio do nada. Que obsessão é essa?
Dilma estava lá, vivendo sua vida. Ela é uma oponente do governo, mas não havia polêmica entre eles no momento. Até que o presidente, durante um encontro com apoiadores, disse o seguinte: “Dizem que a Dilma foi torturada e fraturaram a mandíbula dela. Traz o raio-X para a gente ver o calo ósseo. Olha que eu não sou médico, mas até hoje estou aguardando o raio X”. Em seguida, ele passou um bom tempo falando sobre os ex-maridos da ex-presidente.
A frase, de extremo mau gosto para dizer o mínimo, era uma piada referente às torturas sofridas por Dilma, que lutou contra a ditadura, ficou presa entre 1970 e 1972, quando foi barbaramente torturada. E atenção aqui: isso não é uma ‘versão’, mas uma realidade presente nos livros de história e nos relatórios da Comissão da Verdade.
Tortura é crime hediondo e é inaceitável que um chefe de estado faça piada com isso. Assim como é de uma tremenda falta de decoro ofender uma ex-presidente. Espera-se que os presidentes em exercício mostrem alguma compostura em relação a quem ocupou o cargo. E isso não tem a ver com preferência política.
A “piada” foi condenada rapidamente pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula (que apesar de oponentes, sempre mantiveram uma relação de respeito enquanto presidentes). O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também lamentou o ocorrido.
Na ocasião do impeachment, Bolsonaro dedicou o voto a Carlos Alberto Ustra, o “terror de Dilma Rousseff”. Ustra foi chefe do DOI-CODI e um dos comandantes da a tortura no Brasil. Então, claro, não surpreende que Bolsonaro faça piada com a ex presidente e com tortura. Mas.. que obsessão é essa? Por que resolver ofender a ex presidenta do nada, repito, no meio das comemorações de fim do ano?
Por que Jair Bolsonaro e seus seguidores são obcecados por Dilma? E não, não vem ao caso aqui a qualidade do seu governo. Ela não é atacada por eles por causa da sua atuação. As críticas são baseadas em um ódio que parece vir de dentro. É um daqueles ódios cegos.
Dilma, assim como muitas outras mulheres com posição de poder ou voz, é chamada de feia, de louca, ofendida diariamente. Ela parece, para Bolsonaro e seus apoiadores mais radicais, a personificação do mal. No mesmo bonde do ódio, eles fazem demonstrações abertas de repulsa a Marielle Franco (que é constantemente atacada depois de morta), a Maria do Rosário, Manuela D’ávila… A lista é imensa.
Mulheres na política incomodam muito essas pessoas. Mulheres com opiniões, que não são ‘belas, recatadas e do lar’, também. Dilma é tudo isso. E chegou à presidência. Como assim? Como pode? Uma mulher como Dilma, forte, feminista e livre além de tudo ser presidente parece ser uma ofensa para o presidente e seus seguidores mais radicais.
Em pequeníssima escala, nós, mulheres jornalistas, políticas, artistas e feministas, conhecemos esse ódio. Receber ataques de ódio na internet para a gente é rotina, algo que aprendemos a lidar. No caso de Dilma, isso acontece em escala gigante.
Dilma é uma mulher forte (e isso, de novo, não tem nada a ver com gostar ou não do seu governo) o incômodo que isso causa é gigante… Ainda bem que Dilma já aguentou muita coisa, inclusive a tortura. Para ela, lidar com esse ódio não deve ser tão difícil.