Até quando vamos contar corpos à espera de adaptação climática nas cidades?

Feliz 2024 para quem? Minha primeira coluna do ano poderia tranquilamente ser uma cópia de vários textos meus e de companheiros pesquisadores e jornalistas, que sempre relatam o descaso e o abandono das cidades em períodos, cada vez mais constantes, de chuvas.

Por quantos anos mais vamos pedir que os gestores comecem a priorizar a adaptação climática? Quantas pessoas vamos suportar perder? Quanto sofrimento deixaremos que a população sinta? E a dignidade? Tenho uma série de perguntas e acho que a população que todos os anos perde absolutamente tudo também tem.

Nos últimos dias, a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, foi atacada por expor o racismo ambiental nos desastres que estão ocorrendo no Rio de Janeiro. O movimento negro brasileiro denuncia o racismo ambiental há décadas, desde a Eco92.

racismo ambiental é um fenômeno em que comunidades de minorias étnicas e raciais são desproporcionalmente expostas a riscos ambientais, incluindo poluição do ar e da água, falta de acesso a recursos naturais e ambientes insalubres. Qual é a cor da maioria das pessoas que estão sofrendo e morrendo com os eventos climáticos no Rio de Janeiro e em outras cidades, em comunidades quilombolas e terras indígenas, com a constante violação de direitos?

Eu estudo isso há mais de 15 anos, sigo aprendendo e acompanhando o que tem acontecido e o descaso, mas o conceito é antigo, afinal, o racismo existe e chegou com as caravelas. Invalidar qualquer formulação do movimento negro no Brasil é um clássico, de racistas que, no fundo, apoiam as políticas de deixar morrer.

Se os pesquisadores do clima alertam que as tempestades de verão já são esperadas, por que enchentes, deslizamentos de terra e transbordamentos de rios ocorrem com maior frequência em áreas mais pobres do que nas mais ricas? Se alertam que é perigoso construir mansões em topos de morros ou na beira do mar, por que o poder público segue disponibilizando licenças que violam o bom senso e a lógica, diante do que está acontecendo no planeta?

Todo janeiro e fevereiro, todo ano, em qualquer governo, pessoas perdem tudo, perdem a vida que lutam diariamente para cuidar. Não é culpa da chuva, a culpa é dos prefeitos, vereadores, governadores e do governo federal, que deixam morrer sem adaptação climática.

A defesa do meio ambiente esquece das cidades, esquece que natureza também é proteger as pessoas e a biodiversidade nas cidades. A política nacional de proteção ambiental não se trata só do combate ao desmatamento, é urgente olhar para os direitos humanos nas cidades.

Eu devo ter repetido perguntas que já fiz em outros textos nos últimos anos, trabalhando e escrevendo sobre esse tema. Todo ano é a mesma coisa. Solidariedade não basta para quem perde pessoas, memórias e suas casas, construídas com o suor de muito trabalho. A população espera que o poder público faça algo além da política do deixar morrer.

O Jota Marques, morador do Rio de Janeiro e liderança, reuniu links para doações para as pessoas afetadas pelas chuvas. Se puder, ajude.

+ sobre o tema

O “Esquenta”, de Regina Casé, é o programa mais racista da TV? por Marcos Sacramento

Ela envia uma mensagem retrógrada com seus estereótipos dos...

Eutanásia: Morre americana com câncer terminal que anunciou suicídio assistido

Brittany Maynard decidiu realizar suicídio assistido no último sábado...

ONU questionará ‘telhado de vidro’ do Brasil sobre direitos humanos

No dia 25, em Genebra, a entidade realizará avaliação...

Missão Terra Indígena Maró

Relatoria participa de audiência pública sobre Terra Indígena Maró,...

para lembrar

A cada mil mulheres, um homem tem câncer de mama

Por Yuri Silva Do Atarde O professor Maurício Tavares intercala emoção...

Fundadora da Feira Preta vence o Troféu Grão do Empreendedor Social 2019

Empresária acelera negócios criados por empreendedores negros por meio...

Conferência reivindica políticas de comunicação em prol da igualdade racial

Fonte: Observatório do Direito da Comunicação -  ...
spot_imgspot_img

Estudo relata violência contra jornalistas e comunicadores na Amazônia

Alertar a sociedade sobre a relação de crimes contra o meio ambiente e a violência contra jornalistas na Amazônia é o objetivo do estudo Fronteiras da Informação...

Brasil registrou 3,4 milhões de possíveis violações de direitos humanos em 2023, diz relatório da Anistia Internacional

Um relatório global divulgado nesta quarta-feira (24) pela Anistia Internacional, com dados de 156 países, revela que o Brasil registrou mais de 3,4 milhões...

Apenas 22% do público-alvo se vacinou contra a gripe

Dados do Ministério da Saúde mostram que apenas 22% do público-alvo se vacinou contra a gripe. Até o momento, 14,4 milhões de doses foram...
-+=