Bolsonaro carrega um cemitério nas costas, afirma historiador

“Uma das razões porque estamos entrando nessa tragédia com esse grau de mortes resulta, em grande parte, não apenas, da atitude do presidente negando a epidemia, pressionando pelo retorno ao trabalho. Felizmente temos prefeitos e governadores que, independentemente de partidos, abraçaram uma atitude mais científica. Se não estaria muitíssimo pior.  Bolsonaro tem um cemitério carregado nas costas. Ele e o Trump. É uma cadeia de servidão. O Brasil é um espelho distorcido dos EUA. Só que lá as instituições são mais sólidas e ativas”.

A avaliação é do historiador João José Reis ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV). Professor da Universidade Federal da Bahia, ele é dos principais pesquisadores da escravidão e das revoltas escravas no Brasil. Autor de “Rebelião Escrava no Brasil” (2003), sobre o levante dos malês em 1835, e do recente “Ganhadores” (2019), relatando a greve negra de 1857 na Bahia, ele trata, nesta entrevista, de necropolítica, do genocídio da população negra e pobre, do movimento abolicionista, de religião, do negacionismo histórico alardeado pela extrema direita _ e da resistência atual. Fala também de pandemias na história e dos significados do luto e da morte, especialmente nesses tempos dramáticos. Seu premiado “A Morte é uma Festa” (1991) investiga justamente uma rebelião, em 1836, que destruiu o cemitério do Campo Santo em Salvador.

Reis comenta a morte de João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, morto numa ação policial no Rio de Janeiro na segunda-feira, 18/5. “É mais um capítulo da necropolítica, quando se escolhe quem vai morrer ou viver. Uma ação dessas nunca teria sido feita num condomínio de classe média, onde não se entra atirando. Os negros pobres estão sendo dizimados nesse país. São as maiores vítimas da violência urbana. É um genocídio sistemático que está acontecendo. É mais um exemplo de que estamos vivendo uma situação não apenas por causa do Covid, mas que é crônico. Esse tipo de morte é endêmica”.

O historiador condena o governo Bolsonaro. Diz que ele “tirou do armário o ódio, o preconceito. Sim, neste governo aumentou o machismo, a violência contra a mulher, contra os negros, contra os índios, aumentou a violência. Há uma abertura maior para esse aspecto mais maldito que o brasileiro tinha dentro da sua alma”.
Reis ataca os que tentam dar um papel de protagonismo à edição da Lei Áurea. “A abolição foi resultado de um movimento social vastíssimo. Teve uma parte de abolicionistas negros e brancos, parlamentares, foi um movimento nacional. Foi um movimento feito pela população empobrecida da cidade e do campo, libertos e também pelos escravos. Foi um movimento muito amplo do qual participaram as próprias pessoas escravizadas. Houve fugas em massa dos engenhos, das fazendas de café, pessoas que foram abrigadas nas periferias das grandes cidades. A monarquia não foi nenhuma vanguarda. Ela [Isabel] assinou uma lei quando a escravidão já estava completamente desmoralizada, já tinha sido vencida nas ruas. Ela apenas confirmou uma coisa que estava acontecendo e evitou uma convulsão social. É ridículo dar a atender que ela foi libertadora. É navegar contra a história”.

Para ele, essa tentativa de reescrever a história é tão sem nexo que vai passar e vai para o lixo.

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