Brasil racista e Alemanha nazista, um caso de amor nos anos 1930

Por: Fabio Oliveira Ribeiro

Ao comentar um texto de minha autoria o cidadão que usa o pseudônimo A. Araujo aqui no GGN disse o seguinte

“As Forças Armadas brasileiras lutaram na Segunda Guerra CONTRA a Alemanha nazista, não lhe informaram sobre isso?

Há uma evidente diferença entre a História do Brasil e esta ideologia que A. Araujo aprendeu e divulgou e que provavelmente tem sido ensinada nos Quartéis do Exército aos soldadinhos brasileiros. Como não gosto de ideologias deste tipo, resolvi expor aqui alguns fatos incontestáveis:

1) A segunda metade do século XIX viu o desenvolvimento de teorias racistas, segundo as quais a “raça branca” era superior e, portanto, predestinada a conduzir os povos à civilização. Neste período foram publicados:- o “Ensaio sobre a Desigualdade das Raças”, de Arthur Gobineau (1855); a “História da Civilização na Inglaterra”, de Thomas Buckle (1857/1861); e a “Viagem ao Brasil”, de Louis Agassiz (1868). A presença física de dois destes autores no país (Gobineau desembarcou no Rio de Janeiro em 1869 na qualidade de diplomata francês, e Louis Agassiz veio ao Brasil coletar material para sua pesquisa), são um indicativo da influência que teriam sobre os intelectuais brasileiros. Aqui, a obra destes autores encontraria solo fértil em virtude do recrudescimento das posições de escravocratas e abolicionistas.

O programa brasileiro de incentivo a imigração de colonos pobres alemães, ucranianos, poloneses, espanhóis, italianos, etc… partiu do pressuposto de que o Brasil, cuja população era predominantemente indígena, negra e mulata, estava fadado a ser sempre um país incivilizado e pobre. O branqueamento do Brasil foi, sem dúvida alguma, um programa de eugenia que partia do pressuposto de que europeu branco e pobre era um elemento humano melhor do que o que predominava no Brasil.

A teoria de Tomas Buckle se fez muito presente na obra de Sílvio Romero, que chega a citá-lo textualmente em sua “História da Literatura Brasileira” (1889). Nesta obra o crítico e historiador literário brasileiro defendeu a tese de que a raça era importantíssima para a compreensão da criação artística. A obra de Sílvio Romero, obviamente, foi convenientemente esquecida após o fim da II Guerra Mundial

2) Durante toda a década de 1930, a Alemanha Nazista foi o maior parceiro comercial do Brasil. E o Brasil foi o maior parceiro comercial da Alemanha fora da Europa. O comércio entre os dois países era feito em marcos de redesconto, moeda convênio que dava ao Brasil vantagens no comércio bilateral com os nazistas. Os marcos de redesconto foram intensamente criticados pela diplomacia dos EUA, que acusava Brasil e Alemanha de estarem usando uma prática comercial desonesta. Segundo os norte-americanos a moeda convênio violava as regras internacionais do comércio da época porque nenhum outro país poderia concorrer com as condições bilateralmente estipuladas. Sobre este assunto vide o capítulo II do livro O MILAGRE ALEMÃO E O DESENVOLVIMENTO DO BRASIL, Moniz Bandeira, editora ensaio, 1994

3) Antes da II Guerra Mundial as Forças Armadas brasileiras eram intensamente pró-nazistas. O programa de modernização das mesmas previa a aquisição de material bélico moderno da Alemanha Nazista. Uma grande compra foi efetuada na Alemanha e paga pelo Brasil, mas a embarcação que vinha trazendo dezenas de toneladas em armas nazistas para nosso país foi interceptado no Mar do Norte pela Marinha Inglesa e obrigado a aportar na Inglaterra. O material bélico nazista comprado pelo Brasil foi apreendido pelos ingleses (e a Marinha de Guerra brasileira nada fez apesar do evidente ato de guerra cometido pela Inglaterra).

4) O Brasil somente entrou na guerra depois que a Alemanha estava tecnicamente derrotada. A decisão de ir à guerra contra os nazistas foi tomada por Getúlio Vargas sob ameaças militares e pressões diplomáticas norte-americanas. O Brasil mandou para a Itália um punhado de caipiras desarmados e sem treinamento, os quais foram equipados com armas inglesas e norte-americanas. Após receberem algumas semanas de treinamento os pracinhas da FEB foram transformados em bucha de canhão dos Aliados em operações militares sem muita importância (nossas Forças Armadas, porém, contam esta história de outra maneira, enfatizando uma suposta glória militar conquistada com sangue brasileiro nos campos de batalha italianos). Ao final da II Guerra Mundial, o Brasil vitorioso foi esquecido pelos EUA e Inglaterra e a França derrotada (cujo regime de Vichy colaborou com a Alemanha Nazista) ganhou uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU

Estes são os fatos, bem diferentes da ideologia que tem sido ensinada aos brasileiros pelas Forças Armadas e divulgadas por cidadãos como o A. Araujo. Pronto, agora já posso dizer como o personagem narrador de Dostoiévski que “… uma consciência muito perspicaz é uma doença, uma doença autêntica, completa. Pra o uso cotidiano, será mais do que suficiente a consciência humana comum, isto é, a metade, um quarto a menos da porção que cabe a um homem instruído do nosso infeliz século…” (MEMÓRIAS DO SUBSOLO, editora 34, 2009, p. 18).

Fonte: GGN

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