O ativista Mamadou Ba foi condenado a pagar uma multa de 2.400 euros por difamação ao chamar um militante de extrema direita de “uma das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro”, em 1995. O caso aconteceu em Lisboa.
A defesa de Mamadou irá recorrer ao Tribunal da Relação e, se necessário for, ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Em 10 de junho de 1995, Alcindo Monteiro, um jovem com ascendência cabo-verdiana, saiu de casa para ir dançar no Bairro Alto e acabou espancado até à morte na Rua Garrett por nacionalistas de extrema-direita. Ele não foi o único agredido mas foi o único que morreu. Mário Machado, o militante citado por Mamadou, estava no Bairro Alto junto a outros nacionalistas com soqueiras, garrafas e botas com biqueiras de aço e protagonizaram cenas de violência contra diversos cidadãos negros. Mário foi condenado a 2 anos e meio de prisão.
Mamadou escreveu o post que deu origem à queixa de difamação porque, vinte e cinco anos depois, quando finalmente uma placa em memória de Alcindo Monteiro estava sendo inaugurada no local onde ele foi assassinado, no Chiado, com familiares e amigos presentes, próximo dali, seus algozes comemoravam a memória daquela noite que eles denominam de “caça aos pretos” no “dia da raça”. Esses algozes que atuaram em conjunto, entre eles Mário Machado, integram grupos que propagam ideias nazistas, racistas e formam grupos como o denominado hammerskins.
Em carta, brasileiros se unem em solidariedade a Mamadou Ba contra essa injustiça.
RACISMO EM PORTUGAL: MAMADOU NÃO SEGUE SOZINHO
Esta carta que circula agora no Brasil se soma à carta de apoio a Mamadou Ba que circulou em Portugal com 50 assinaturas de artistas e intelectuais expressivos na sociedade portuguesa logo após a sentença condenatória. Outras campanhas em apoio ao ativista antirracista Mamadou Ba também já haviam sido lançadas anteriormente.
No dia 20 de outubro de 2023, um tribunal português decidiu condenar por difamação o ativista antirracista e cidadão luso senegalês Mamadou Ba por ter escrito que Mário Machado foi “uma das principais figuras do assassinato de Alcindo Monteiro”, ocorrido em junho de 1995. Mamadou escreveu o post que deu origem à queixa de difamação porque, vinte e cinco anos depois, quando finalmente uma placa em memória de Alcindo Monteiro estava sendo inaugurada no local onde ele foi assassinado, no Chiado, com familiares e amigxs presentes, próximo dali, seus algozes comemoravam a memória daquela noite que eles denominam de “caça aos pretos” no “dia da raça”. Esses algozes que atuaram em conjunto, entre eles Mário Machado, integram grupos que propagam ideias nazistas, racistas e formam grupos como o denominado hammerskins.
A referência do post de autoria de Mamadou é feita ao indivíduo citado por este último ter, naquela noite fatídica, segundo sentença proferida por tribunal à época do julgamento do crime de 1995 do qual decorreu a morte de Alcindo, atuado em “comunhão de esforços” com outros indivíduos a partir do objetivo comum e previamente delineado pelo grupo de “atingir a integridade física e a vida dos ofendidos, por serem indivíduos de raça negra”, espancando vários deles com um pau. Depois desse crime, ao longo dos anos, ele se notabilizou por uma longa carreira de crimes pelos quais também foi sendo condenado a duras penas de prisão naquilo a que a juíza agora chamou de “processo de ressocialização”. Há que se ressaltar que em redes sociais continuou e continua propagando ideias de ódio e jamais expressou arrependimento dessas ideias ou dos crimes cometidos inspirados por essas ideias.
Essas citações entre aspas fazem parte da conclusão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal quando condenou os envolvidos na noite por eles denominada de “caça aos pretos” em junho de 1995, em que Alcindo Monteiro morreu em virtude do espancamento que ele e vários outros afrodescendentes sofreram no Bairro Alto, em Lisboa, por um grupo organizado que propagava e segue propagando ideias racistas e nazistas. Segue a citação exata do trecho da sentença proferida pelo STJ português referente ao crime de 1995:
“Todos os arguidos intervenientes em cada uma das agressões a ofendidos acima descritas atuaram em comunhão de esforços, querendo atingir a integridade física e a vida dos ofendidos, por serem indivíduos de raça negra.”
Entre os agressores, citado na sentença do STJ à época, estava Mário Machado.
Mamadou se insurgiu em seu post de 14 de junho de 2020 contra a indignidade dessa comemoração da violência em um momento sagrado do luto da família e dos amigos ao descerrarem, finalmente, após 25 anos, uma placa oficial em memória de Alcindo Monteiro, que foi um entre os vários jovens afrodescendentes espancados e deixados inanimados na noite de junho de 1995. O que Machado reclama no processo contra Mamadou é que este ativista pela democracia teria ofendido sua honra. Sendo honra algo que se constrói, que não cai do céu por um acaso de nascimento nesta ou naquela família, neste ou naquele país, o que seria honra para este reclamante? Cada ex detento tem o direito de reconstruir sua vida buscando, inclusive, uma vida digna de honra. No entanto, em se tratando de um indivíduo que segue, após cada uma de suas condenações, propagando em redes virtuais seu discurso de ódio, conclamando pessoas a seguir suas ideias de violência afins com o racismo, o nazismo e o machismo, onde está o aproveitamento de sua oportunidade de ressocialização em direção à construção de sua honra? E, no âmbito de regimes democráticos, honra é algo que se constrói em sociedade, na polis, na convivência com os demais, promovendo os valores que reforçarão, nessa mesma democracia, o bem-estar da vida em comum.
Quando o reclamante, defensor do racismo ainda nos dias de hoje, decidiu lançar uma campanha midiática para regenerar a sua imagem (falando até de erros judiciais), ele o fez sem nunca abandonar o seu discurso de ódio. Como o próprio deixou claro num vídeo que publicou, ele escolheu os alvos dos seus processos com critérios políticos, opção que confirmou no momento da condenação. Curiosamente, entre os escolhidos para serem alvos de processo pela sua suposta honra ferida, o único que chegou a julgamento foi Mamadou Ba. Ele não foi escolhido como alvo preferencial por razões pessoais ou porque as suas acusações tenham sido as mais explícitas ou com maior visibilidade que os outros que também seriam alvos de processo do representante neonazi em questão. Mamadou foi escolhido por ser negro, por ser um português nascido no Senegal, por ser um dos rostos mais conhecidos da luta antirracista em Portugal. E por ousar levantar a cabeça e a voz em nome de muitos. Muitos, em se tratando de Portugal, são inumeráveis. Pois é importante lembrar que Portugal foi o país que mais traficou corpos africanos para a catástrofe maior da humanidade que é a escravidão. Nessa altura, é imprescindível reafirmar que ninguém larga a mão de ninguém, pois não é possível permitir a continuação de uma calamidade através de instituições oficiais que representam um país em regime democrático. Por isso, a partir do Brasil, cuja maioria da população é negra (57% segundo o censo nacional do IBGE de 2022) e cujos laços históricos estão atrelados aao colonialismo português sobretudo através do regime de escravidão, a responsabilidade da solidariedade se faz ainda mais vital.
Quando o sistema judicial falha e, assim, contribui para a normalização do ódio e do racismo validando processos corrosivos ao sistema democrático, é preciso que a justiça seja restabelecida. Para nós é intolerável que o Estado de Direito seja usado para silenciar a verdade e condenar a resistência ao racismo.
A luta de Mamadou Ba não é individual, é coletiva, e é de todas as pessoas e organizações democráticas que resistem ao crescimento dos fascismos e recusam o regresso de regimes monstruosos associados à chamada extrema direita. Deste modo, requeremos revisão da sentença condenatória e da pena imposta. Que a justiça seja restaurada já! Mamadou já fez saber que usará os instrumentos que o Estado de Direito lhe garante para levar a justiça até às últimas instâncias, incluindo o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, se necessário. A luta antirracista continua!
Assinaturas coletivas:
ABA – Associação Brasileira de Antropologia (através do Comitê Quilombos, do Comitê de Antropólogas/os Negras/os, do Comitê de Estudos Africanos, do Comitê de Direitos Humanos e do Comitê de Inserção profissional)
ACAT – Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas
ACONERUQ – Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas ADIS – Assessoria da Diversidade e Inclusão Social da UFPA AS-PTA-Agroecologia e Agricultura Familiar
Casa Brasil/África – UFPA
CCN – Centro de Cultura Negra do Maranhão
CEDENPA – Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará
CENTRO CULTURAL MANDINGUEIROS DO AMANHÃ- Maranhão
CENTRO CULTURAL ORUNMILÁ
Centro de Referência Negra Lélia Gonzalez
Coletivo 28 de maio – C28M – Grupo de Ações Estético Políticas
Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC)
DECULT – Departamento de Cultura da UERJ – Pró Reitoria de Extensão e Cultura Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
Instituto Joaquín Herrera Flores -AL (América Latina)
Instituto Nangetu de Tradição Afro e Desenvolvimento Social
Instituto de Pesquisas de Culturas Negras – IPCN
LEAFRO/UFRRJ – Laboratório de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas
Levante Popular da Juventude
MABE – Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara
Mães da Resistência – Movimento Social
Mães de Manguinhos
MNU – Movimento Negro Unificado (nacional)
MNU – Movimento Negro Unificado /RJ
MNU – Movimento Negro Unificado/SC
Movimento Cultural Mulheres Negras construindo Visibilidade
Mulheres em Ação no Alemão
NEAB – Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Universidade Federal do Maranhão ONJANGO Estudos Afrobrasileiros
Pensar Africanamente Comunicação e Educação (Canal Youtube)
Revista Polichinello – Belém/PA
Secretaria de Mulheres do CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros e Extrativistas
Secretaria Estadual de Combate ao Racismo – PT/SC
UNEGRO – União Nacional de Negras e Negros pela Igualdade
Assinatura eleitos:
Mandato da Vereadora Mônica Benício – Rio de Janeiro
Mandato da Vereadora Mônica Cunha (Presidente da Comissão Especial de Combate ao Racismo) – Rio de Janeiro
Mandata da deputada estadual Dani Balbi – RJ Mandato da deputada estadual Leci Brandão – SP Mandato deputada estadual Luciana Genro – RS Mandato da deputada estadual Marina do MST – RJ Mandato do deputado estadual Professor Josemar -RJ Mandato da deputada estadual Renata Souza – RJ Mandato do deputado federal Chico Alencar Mandato deputada federal Jandira Feghali
Mandato do deputado federal Lindbergh Farias Mandato deputado federal Orlando Silva Mandato do deputado federal Reimont Otoni
Assinaturas individuais:
Adair Rocha – professor UERJ
Ahyas Siss – Professor UFRRJ
Alexandre do Nascimento – Professor da FAETEC
Alexandre Nodari – Professor UFSC
Amanda Mello Almeida de Souza – Instituto Projeto Samba Nega
Ana Cruz – escritora e representante do Mov. Mulheres Negras construindo Visibilidade Ana Paula Oliveira – Movimento Mães de Manguinhos
Anderson Oliva – Professor da UnB
André Capilé – Professor de Literatura UERJ e poeta
Brenda Taketa – jornalista
Camila do Valle – Professora UFRRJ
Camila Moradia – representante Mulheres em Ação no Alemão
Carla Aparecida da Silva – Pesquisadora UNIRIO
Carla Beatriz da Silva Melo – professora, diretora teatral, atriz – University of Toronto
Carla Pontes de Albuquerque – Professora Saúde Coletiva UNIRIO
Carlos Benedito Rodrigues da Silva– Professor UFMA
Carol Proner – ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia/UFRJ
Célia Maracajá – Cineasta e atriz
Cláudio Cristiano Chaves das Mercês – Professor UFPA
Cynthia Carvalho Martins – antropóloga UEMA
Daniel Zarvos – Cineasta
Dionísio Baró – professor UFPA
Djamila Ribeiro – escritora, filósofa
Elaine Nazareth da Silva – Instituto Projeto Samba Nega
Elisa Guaraná – Presidenta da ADUR – Associação de docentes da UFRRJ
Eneida Leal Cunha – Professora UFRJ
Ernandes Nunes Fernandes – professor, editor, arquiteto
Fábio Andrade – doutorando New York University, professor Columbia University, Hunter College e Pratt Institute, NY
Flávia Cera – Psicanalista
Frei Betto – Escritor
Greice Assis – Núcleo Sindical – ASSIBGE/SN
Helena Theodoro – professora UFRJ
Iacyr Anderson Freitas – escritor
Íris Amâncio – Professora UFF
Isabell Theresa Tavares Neri – UFPA
Isis Barra Costa – professora Ohio State University Ivaldo Paixão – Presidente Movimento Negro PDT Jailton da Costa Souza – Instituto Projeto Samba Nega Jorge Vasconcellos – professor UFF – C28M
José Severino Silva e Silva – psicólogo
Josiane Peçanha – Professora
Jurandir Novaes – professora UFPA
Kiliomar Luisa Francisco – Estudante de História UNIRIO
Leonardo Boff – ecoteólogo e escritor
Ligia Dabul – professora UFF
Lilian Prates Dias – Instituto Projeto Samba Nega
Liliane Mutti – Cineasta e Conselheira da BRAVI (Brasil Audiovisual Independente) para coprodução Brasil e Europa
Liv Sovik – professora UFRJ
Lucimar Cardoso da Silva – Instituto Projeto Samba Nega
Lusmarina Campos Garcia – Teóloga, pastora luterana; pesquisadora Teoria do Direito/UFRJ Luzia Gomes Ferreira – professora UFPA
Mamour Sop Ndiaye – professor CEFET
Márcia Chuva – professora UniRio
Márcia Glória da Costa Lima Henrique – IPCN
Márcia M. Miranda – Educadora popular e militante dos Direitos Humanos
Marcus Alexandre Motta – professor UERJ
Maria Dorotea de Lima – Arquiteta e urbanista
Maria Emília Lisboa Pacheco – Antropóloga
Maria Lúcia Vignoli Rodrigues de Moraes – artista e professora
Marilucia Barros de Oliveira – professora UFPA
Marinete da Silva (mãe de Marielle Franco e da Ministra Anielle Franco)
Miguel Arcanjo – Fundador e membro do Conselho Consultivo do Bloco Afro Malê Debalê Mirna Queiroz – editora e programadora cultural
Nena Balthar – artista e professora
Nilson Oliveira Assunção – editor Revista Polichinello/PA
Paulo Betti – Ator
Paulo Petersen – agroecólogo
Regina Cruz – professora UFPA
Renato Noguera – Professor UFRRJ
Ricardo Costa – Professor UFRRJ
Ricardo L. Louro Berbara – professor UFRRJ
Roberto Correa dos Santos – professor UERJ
Rosa Elizabeth Acevedo Marín – Professora UFPA
Rosemary Barros de Oliveira e Silva – Ministério Público/PA
Sabrina Anacleta – ASSIBGE/SN
Sergio Nazar David – professor UERJ
Sia Vanju – Nengua ia Omariô da Jurema – fundadora do Centro Cultural Omariô de Jurema Silvany Euclénio Silva – Pensar Africanamente Comunicação e Educação (Canal Youtube) Silvia Disitzer – Psicanalista, psiquiatra (membro da Letra Freudiana)
Sokhna Serigne Kene Ndiaye – Empresária
Sónia André – professora UFPA
Sophia Rosa Benedito – Nutricionista e trabalhadora da saúde pública
Stephanie Borges – poeta e tradutora
Sueli Carneiro – escritora
Tatiana Rocha Neves – Estudante Serviço Social
Thamyris Salles da Silva – Instituto Projeto Samba Nega
Tiago Tendai Chingore – professor UEPA
Tom Farias – escritor
Valéria C. L. de Oliveira – Instituto Projeto Samba Nega
Valéria Lourenço – professora IFCE
Valeria Rosito – professora UFRRJ
Vera Lucia Silva Lopes – Cia MUNTU
Verônica Prudente – Professora UFRR
Ximena Díaz Merino – Professora UFRRJ
Zander A. Ruiz – Instituto Projeto Samba Nega
Zélia Amador de Deus – professora UFPA