Sueli Carneiro é uma reconhecida filósofa e ativista do movimento negro e feminista brasileiro. Ela foi fundadora do Instituto Geledés – Instituto da Mulher Negra – e é doutora em Filosofia da Educação pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (Universidade de São Paulo). Conheça aqui a trajetória acadêmica e social, alguns pensamentos e citações de Sueli Carneiro.
Nascida na cidade de São Paulo, em 24 de junho de 1950, Aparecida Sueli Carneiro é uma dos sete filhos de um casal que veio para a capital em busca de melhores condições para a família. A menina foi alfabetizada pela mãe e estudou em escola pública durante toda a vida.
No ano de 1971, ingressou no curso de Filosofia da USP, e foi lá que a então estudante teve seu primeiro contato com teorias feministas e sobre a negritude brasileira. Aos 22 anos, Sueli começou a trabalhar como auxiliar de escritório na Secretaria da Fazenda de São Paulo, no centro da cidade, o que a permitiu conhecer e participar do Cecan (Centro de Cultura e Arte Negra), organização do movimento negro dentro da cidade, fundado pela atriz Thereza Santos e pelo sociólogo Eduardo de Oliveira. Lá, Sueli pôde se tornar um membro antirracista poderoso: no início, por meio de expressões artísticas e, mais tarde, por meio da educação de jovens negros, que se tornou o principal foco do movimento, após o exílio de Thereza em 1976.
Segundo Vinicius Santana, mestrando no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), para o blog Mulheres na Filosofia, “no CECAN, Carneiro compreendeu que a questão racial era algo em torno da qual negros e negras se organizavam politicamente a fim de traçar uma luta antirracista contra o regime ditatorial”.
Em 1980, Sueli terminou sua graduação e, logo em seguida, elaborou um projeto de mestrado, intitulado “Leitura Crítica da Filosofia Africana Contemporânea”. No entanto, nenhum professor do Departamento aceitou orientá-la – a crença unânime era que não se produzia filosofia no continente africano, apenas havia a tradição oral, em um claro sinal de eurocentrismo. Sueli não conseguiu finalizar sua tese, abandonou a pós-graduação e passou a dedicar-se à militância política e antirracista. (Em 1999, muitos anos depois, Sueli acabaria retornando à USP, onde conseguiu concluir seu mestrado e, posteriormente, seu doutorado que acabaria virando o livro “Dispositivo de racialidade: a construção do outro como não ser como fundamento do ser”, publicado pela Editora Zahar).
A pensadora possui uma vasta produção intelectual, com mais de 150 artigos publicados, além de 17 livros sobre gênero, etnia e relações sociais.
Militância política
Em 1983, o governo de São Paulo criou o Conselho Estadual da Condição Feminina, formado por 32 mulheres no papel de conselheiras, todas brancas. Sueli foi a líder do movimento que lutou pela inserção de Marta Arruda, radialista e ativista, dentro do Conselho, o que foi alcançado.
A filósofa também redigiu, junto com sua colega de faculdade Cristiane Cury, um estudo sobre o candomblé, intitulado “O poder feminino no culto aos orixás” que, segundo o blog Mulheres na Filosofia: “traz um panorama da cosmovisão iorubá e do papel do feminino no interior desse pensamento africano, discutindo a figura da mulher no candomblé”.
“Somos seres humanos como os demais, com diversas visões políticas e ideológicas. Eu, por exemplo, entre esquerda e direita, continuo sendo preta.”
Sueli Carneiro
Em 30 de abril de 1988, ano do centenário da abolição da escravatura, Sueli fundou o Geledés – Instituto da Mulher Negra, organização social independente em prol da defesa de mulheres e negros, antirracista e antissexista. Durante sua existência, o Geledés formou – e ainda forma – diversos projetos importantes para mulheres e pessoas negras; como o programa SOS Racismo e o Projeto Rappers, criado em 1992 por Sueli após a visita de um grupo de rappers paulistas à ativista, que pediram ajuda e proteção contra a violência policial.
Sueli sempre denunciou a predominância de homens brancos dentro dos centros políticos, econômicos e sociais de poder, e chamou a atenção para a ausência de vozes de mulheres negras – mesmo entre aquelas que já estavam inseridas dentro das políticas institucionais, e que acabaram prejudicadas pela discriminação de gênero e raça. Para ela, isso configuraria violência política. Para além de apenas criticar a “pseudo democracia institucionalizada”, Sueli também propõe soluções e alternativas.
Pensamentos de Sueli Carneiro
Ao longo de sua produção, a filósofa elaborou diversos conceitos sobre temas raciais e o Brasil contemporâneo, nas mais diversas esferas públicas.
Epistemicídio
Sueli se vale do conceito de “epistemicídio”, do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, para relatar o apagamento dos povos colonizados e escravizados, com ênfase principal no apagamento das mulheres negras até a contemporaneidade.
O epistemicídio é visto pela pensadora como um elemento dos dispositivos de racialidade, conjunturas da organização sócio-política elaboradas para perpetuar o racismo. Encontram-se nesta categoria de de dispositivos, além do epistemicídio, o biopoder e a necropolítica e os contratos sociais. O epistemicídio, para Carneiro, também se encontra nos espaços acadêmicos, ao negligenciar e apagar ativamente os saberes de um povo, em prol de um pensamento eurocêntrico.
A dissertação mais aprofundada sobre este conceito encontra-se na primeira parte da tese-livro “Dispositivo de racialidade: a construção do outro como não ser como fundamento do ser”. A segunda parte trata das resistências de militantes antirracistas: figuras como Edson Cardoso, comunicador e articulador do Movimento Negro Unificado, Sônia Nascimento, advogada e co-fundadora do Instituto Geledés e Fátima Oliveira, médica e militante feminista e antirracista. Esta parte do livro foi elaborada através do contato intenso que a filósofa teve com grandes nomes da militância e pensamento feminista e antirracista, como Lélia Gonzalez e Beatriz Nascimento.
Algumas citações de Sueli Carneiro:
- “Somos seres humanos como os demais, com diversas visões políticas e ideológicas. Eu, por exemplo, entre esquerda e direita, continuo sendo preta.”
- “Nós, mulheres negras, somos a vanguarda do movimento feminista nesse país; nós, povo negro, somos a vanguarda das lutas sociais deste país porque somos os que sempre ficaram para trás, aquelas e aqueles para os quais nunca houve um projeto real e efetivo de integração social.”
- “O racismo é um sistema de dominação, exploração e exclusão que exige a resistência sistemática dos grupos por ele oprimidos, e a organização política é essencial para esse enfrentamento.”
Por onde começar
Para o estudante que deseja conhecer um pouco mais sobre os pensamentos e conceitos elaborados por Sueli Carneiro, e saber mais sobre sua relevância política e social, o Mano Brown, apresentador do podcast Mano a Mano e integrante do Racionais MC’s, convidou a filósofa para um papo interessante e reflexivo, em uma conversa que fala até sobre os primórdios do rap no Brasil!
No podcast Ilustríssima Conversa, Sueli Carneiro fala sobre o livro “Escritos de Uma Vida”, que trata da asfixia social que estrangula as mulheres negras no país, e discute o que mudou e o que permaneceu ao longo das últimas décadas de luta antirracista e feminista.
Já no episódio da série “Que País é Este?” com a pensadora, produzido pela TV Senado, Sueli discorre sobre sua luta como militante ao longo de toda sua vida, os reflexos e formas de domínio dos chamados “aparatos da branquitude” e os efeitos políticos e sociais da miscigenação do país.
Para quem quiser se aprofundar na vida de Sueli Carneiro, sua biografia, “Continuo Preta“, também é uma ótima pedida!