Vice-presidente de diversidade e cultura da rede social promete programa global para levar perfis mais diversos à empresa e critica escolhas do Vale do Silício
Entre as marcas mais famosas do mundo, as redes sociais têm uma importante reputação a zelar. Não apenas enquanto plataformas confiáveis para bilhões de usuários, mas também como organizações que precisam ser exemplo mundial de governança. Não é à toa que foram criados, em todas essas empresas, cargos de chefia específicos para cuidar de inclusão e diversidade. Afinal, qual seria a coerência de uma empresa que quer alcançar todos os perfis de seres humanos mas que só tem em seus escritórios homens, brancos e no mínimo de classe média?
É nessa posição que está Candi Castleberry-Singleton. Contratada há pouco menos de um ano como vice-presidente de Diversidade e Cultura do Twitter, ela ajudou a aumentar a proporção de mulheres trabalhando na empresa de 37% a 38,4%, até o fim de 2017, e de 30% para 32,5% nas posições de liderança. A quantidade de negros também subiu: de 3% para 3,4% do quadro geral, enquanto a de latinos, por outro lado, caiu de 4% para 3,4%, como mostra o relatório anual de diversidade da empresa.
Aumentar ainda mais a diversidade nos 35 escritórios do Twitter em todo o mundo é o desafio de Candi. Em entrevista a Época NEGÓCIOS Online, ela falou sobre as ações tomadas com esse fim. A vice-presidente, uma mulher negra com histórico de atuação em posições de liderança em empresas como Motorola, Xerox e Sun Microsystems, criticou a falta de políticas de longo prazo no Vale do Silício para trazer diversidade à indústria da tecnologia. E comentou também os desafios da plataforma para coibir o discurso de ódio entre seus usuários.
Depois de passar quase um ano comandando as ações de diversidade e inclusão no Twitter, o que você pode dizer sobre o ambiente que encontrou na empresa, e quais mudanças ocorreram desde então?
O Twitter tem mais de 30 escritórios no mundo todo, e meu time já visitou 19 deles. Embora eu esteja visitando vários países, há algo em comum em nossa cultura, então quando entro em um escritório novo, sei que estou no Twitter. Se não fosse pela viagem de avião, eu abriria uma porta em São Paulo e me sentiria em qualquer um dos outros escritórios. Isso é parte de nossa cultura interna, que, como costumo dizer, é “me conectar a nós, a todos, e ao mundo” [Me-We-Us-the World]. A boa notícia é que estamos totalmente conectados. Não precisamos nos esforçar muito para isso. É mais sobre como você pega um pouco da energia que está em um dos escritórios e garante que ela chegue até os demais.
Sendo uma mulher negra em uma posição de liderança, algo ainda raro, que tipo de resistência você encontrou durante sua carreira?
Acho que ser uma mulher negra é um desafio maior do que o trabalho por si só. Como mulher negra, tive meus próprios desafios em toda a vida. Não sinto que esse seja necessariamente meu desafio no Twitter. Posso dizer que aqui é o primeiro lugar em que trabalhei que não sinto resistência. O que sinto é ansiedade: “o que podemos fazer? E como podemos fazer mais rapidamente?” E o desafio para o Twitter e para outras empresas será criar processos que permitam que o trabalho seja realizado de forma sustentável, não colocando “band-aids” a cada problema encontrado. O bom é que empresas como o Twitter podem mostrar para as outras como mulheres, pessoas negras, e outras minorias estão sendo valorizadas e ser um modelo para garantir que haja representatividade. Podemos ser os melhores exemplos para o mundo.
Quais são as maiores dificuldades de implementar ações que promovam de forma real a inclusão em empresas de tecnologia?
Tem algo que assola a nossa indústria: quando a pessoa que é responsável pela diversidade deixa a organização, ninguém faz nada até que chegue a próxima pessoa, o que pode demorar vários meses. O que estamos construindo é um processo que não exige especificamente a minha presença, mas que possa ser aproveitado no no futuro pela pessoa que me substituir. Remendar é sempre mais rápido, mas não dura nada. Construir sustentabilidade leva um pouco mais de tempo, mas vai durar, contanto que toda a organização esteja comprometida, é uma responsabilidade compartilhada. Há um papel para os recrutadores, outro para o RH, outro para os gestores, para o marketing.
O que está sendo feito, em termos práticos?
Temos uma estratégia chamada “atrair, incluir e manter”, que tem base em dois elementos. Um é a nossa capacidade de dar chances a pessoas em todo o mundo, incluindo fora de São Francisco e fora dos Estados Unidos, com perfis diversos. Assim, incluímos pessoas de todos os grupos demográficos, incluindo mulheres, negros, latinos, homens e mulheres, de forma que ninguém precise sair de onde mora para vir trabalhar para o Twitter. Para isso, vamos lançar dentro de alguns meses essa iniciativa para que as pessoas possam viver onde elas já têm uma família ou estão estabelecidos, e possam ainda assim trabalhar no Twitter.
Enquanto não a lançamos, se abrirmos uma vaga em Boston, por exemplo, atuaremos com parceiros de recrutamento que nos trarão, entre os candidatos, mulheres, negros, latinos, e assim temos a certeza de que estamos recebendo uma grade diversificada de candidatos.
#GrowTogether is Happening @TwitterSF @TwitterTogether Me. We. Us. The World. pic.twitter.com/FLKzvTVkGH
— CandiCastleberry (@Candi) 29 de maio de 2018
O segundo elemento que estamos em processo de lançamento é o que chamamos Painel de Diversidade, organizamos grupos específicos para que as pessoas possa conversar com a comunidade LGBT, com veteranos de guerra, com um grupo de negros, latinos… pessoas que possam dizer, de vários pontos de vista, como é trabalhar no Twitter.
Isso acontecerá no mundo todo?
Sim, em todo o mundo. Não criamos ainda na região Ásia-Pacífico e na Índia, mas já finalizamos em todos os escritórios na Europa e Canadá. E agora estamos terminando a América Latina.
O Twitter tem uma política de equiparação de salários por gênero, em funções semelhantes?
Sim. Comunicamos há algumas semanas aos nossos funcionários que as mulheres recebem o mesmo que homens no mundo todo, assim como todos os grupos demográficos nos Estados Unidos. Não temos o foco demográfico fora dos Estados Unidos porque cada país tem suas próprias questões raciais, mas garantimos a igualdade de gênero mundialmente nesse sentido.
Estando no Vale do Silício, qual é o nível de comprometimento geral que se pode observar nas empresas da região com as questões de inclusão e diversidade?
Se você colocar dez pessoas que têm a mesma posição que eu em uma sala, serão provavelmente os executivos mais empenhados de todos os Estados Unidos. Costumo chamar o cargo de “diretor de tudo” [Chief Everything Officer]. Isso porque você é forçado a lidar com a crise mesmo que não tenha a ver com você. Se há um problema de relações públicas que envolve alguma sensibilidade social, já chamam: “onde está a pessoa da diversidade?” Se é o lançamento de um produto e você precisa ter algumas pessoas de perfis diversos presentes, a mesma coisa. E dependendo de que negócio em que você está, você tem que saber sobre vendas, marketing, engenharia, desenvolvimento… Quero dizer, nós estamos tendo conversas sobre diversidade e preconceito, e ao mesmo tempo inteligência artificial. Então se você colocar dez de nós numa sala, sei que cada um está trabalhando em algo totalmente diferente.
O Twitter é usado muitas vezes como plataforma para discursos de ódio pelos usuários. Como coibir esse comportamento e levar a cultura de diversidade também para a plataforma?
Penso que é necessário tomar uma decisão sobre quem você quer ser, enquanto ser humano. E o Twitter é o único lugar em que já me senti realmente capaz de contribuir para criar uma cultura mais diversa, dentro de uma organização mais diversa. Acredito que o Jack [Dorsey, cofundador e CEO do Twitter] e sua equipe estão totalmente alinhados com o que chamamos de “saúde pública” da plataforma. Sabemos que muito ainda precisa ser feito, mas eu acredito na direção em que estamos indo.
Agora, precisamos pensar também que o Twitter é um reflexo do que está acontecendo no mundo, e que precisamos todos pensar no que estamos fazendo a respeito. Quando as pessoas me perguntam sobre o meu papel, não tenho certeza de que estão refletindo sobre o papel de todos. Então, a qualquer um que me pergunte, vou perguntar de volta: o que você está fazendo? Porque se nós verdadeiramente queremos tornar nosso mundo um lugar melhor para todos vivermos, com todas as nossas diferenças, todos nós temos um papel a cumprir.
Como países em desenvolvimento, como o Brasil, podem contribuir para tornar empresas globais, como o Twitter, mais diversas?
Eu diria que não só o Brasil, mas os escritórios de todo o mundo devem ter seu valor reconhecido, seja para o Twitter ou outras companhias dos Estados Unidos. Estando no Brasil, vejo como realmente se está enfatizando por aqui a importância do trabalho global, não no sentido estrito de uma força de trabalho, mas no contexto de uma inclusão real. Acho que todo o quadro empresarial dos Estados Unidos tem a oportunidade de pensar sobre como aproveitar essas vozes para ser verdadeiramente inclusivo, em todos os aspectos. Temos que estar presentes nas comunidades ao redor do mundo e garantir que nós temos uma base de talentos não centrada apenas no Vale do Silício.