Coletivos feministas denunciam, online, agressões contra a mulher nas universidades

Estudantes de instituições paulistas se unem em rede para divulgar relatos de racismo, homofobia e agressões contra a mulher

por Luiza Souto no O Globo

Universidades espalhadas pelo país estão tendo que lidar com uma quantidade maior de denúncias de racismo, homofobia e agressões contra a mulher. Há exemplos em instituições renomadas como a Universidade de São Paulo (USP) e a Fundação Getúlio Vargas (FGV) — esta última começou o ano com pelo menos quatro queixas contra todos os crimes citados acima, cometidos na unidade paulista da instituição cuja sede é no Rio. Enquanto a direção desses locais solta notas de repúdio a cada denúncia, com promessas de investigação, coletivos feministas surgem dentro das unidades de ensino como opção de “combate contra toda forma de opressão”, segundo seus idealizadores.

Nesta semana, alunas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), da USP, criaram plataforma online para receber relatos de assédios vividos por estudantes ou ocorridos no local. Em sua página na internet, o Coletivo Feminista da FAU justifica que há muitos casos na unidade. A vítima não precisa se identificar.

“Percebemos como é importante a criação de canais de denúncia para que as vítimas de assédio sexual tenham a quem recorrer, mesmo que de maneira não oficial, e para que os relatos tornem a comunidade FAU USP ciente de que nosso ambiente ainda é muito opressor”, explica o Coletivo em sua rede.

Em 2015, pesquisa do Instituto Avon sobre violência nas universidades mostrou que 56% das universitárias sofreram assédio sexual. Isso inclui cantadas e abordagens agressivas.

Integrante do Coletivo Feminista Geni, da faculdade de Medicina da USP, diz que o grupo passa mais segurança para quem está entrando na unidade. Ela, que prefere não se identificar, conta que apesar da felicidade de ter passado para um dos cursos mais conceituados e difíceis do país, teve receio de andar pelo campus da universidade, após acompanhar na imprensa casos de violência contra a mulher.

— Há uma pressão nas meninas, dentro e fora das faculdades, para que elas não denunciem e não se exponham. A diferença é que, por causa dos coletivos, conseguimos promover mudança, ainda que lenta. Nas festas, você já percebe diferenças. Os organizadores, por exemplo, têm criado grupos de alunos responsáveis por verificar se ocorrem opressões e cuidar de pessoas em situações de vulnerabilidade. Então estamos progredindo neste sentido — aponta e estudante, que está no segundo ano.

A USP afirmou ao GLOBO que tem uma Comissão de Direitos Humanos para atuação em casos de denúncias de violações dos direitos da pessoa na universidade. Ela abriga ainda o Escritório USP Mulheres, que integra o movimento “ElesPorElas” (HeForShe), da ONU Mulheres.

MAIS DE 50 COLETIVOS REUNIDOS

Outra reclamação recorrente é o conteúdo machista de músicas feitas por estudantes em festas universitárias. Na última semana, o Coletivo Feminista Francisca publicou a letra de uma delas, cantada por alunos de Medicina da faculdade Santa Marcelina, Zona Lese de São Paulo. A única frase publicável, talvez, é “Tu gritando igual capeta”.

A faculdade disse, em nota, repudiar “com veemência qualquer posicionamento preconceituoso ou que viole os direitos humanos”, e que realiza encontros com alunos onde se debate o respeito às adversidades. Ainda de acordo com a nota, “manifestações que incitem ou estimulem padrões de comportamentos destoantes dos valores institucionais são apuradas e os envolvidos, responsabilizados”.

No início de março, durante evento esportivo na Fundação Getúlio Vargas, Centro de São Paulo, um aluno gritou “negrinha, aqui, não” para uma caloura que estava jogando vôlei. Ele não foi identificado, e a unidade formou comissão para investigar o fato. O coletivo Feminista da FGV também está de olho e, em sua página na rede, alunos relatam pelo menos mais quatro eventos de agressões, homofobia e racismo. Algumas vítimas teriam feito boletim de ocorrência.

Em nota, A FGV diz que repudia toda forma de discriminação e preconceito, e que “nenhuma denúncia formal foi levada a efeito junto à direção da instituição acerca das supostas ocorrências mencionadas nas redes sociais”, mas que serão apuradas caso isso ocorra.

Com todo esse movimento nas instituições de ensino surgiu a Frente Feminista Universitária de São Paulo. O grupo, “em fase de criação”, como explica, é composto por mais de 50 coletivos feministas do Estado, oriundos de universidades privadas e públicas.

A Frente ganhou força após diversas universitárias pedirem boicote, no ano passado, a uma festa da faculdade de Medicina da USP conhecida como “Fantasias no Bosque”. O evento já teve registro de violência sexual e homofobia. Integrante da FFUSP, que prefere não revelar o nome, diz que já nota mudanças.

— As mudanças nas universidades estão acontecendo há um tempo, mas é sempre um processo lento, que gera reação. Mas só o fato da discussão sobre assédios, estupros e discriminações virem a público já é um indício de mudança — explica ela ao GLOBO .

O coletivo cobra mais ação de reitorias e direções das universidades.

— Não vemos ações energéticas acontecendo nas universidades brasileiras, e a resistência cabe inteiramente aos coletivos feministas. As universidades precisam enfrentar essas questões, se adaptar a essa nova realidade de denúncias, resistências, tentativas de construção de um ambiente livre de violência. Além de medidas educativas, é necessário preparar o terreno institucional para punições quando necessário.

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