Deu Barack Obama – porque este falou à nação que é, enquanto seu adversário, o republicano Mitt Romney, falou para a nação que gostaria que fosse. O presidente se reelegeu por margem apertada: recebeu um pouco mais de 50% da votação popular, contra 48% do seu oponente, mas conquistou com folga (até inesperada) a maioria dos votos no Colégio Eleitoral: 332 delegados contra 206 de Romney.
Ao insistir em falar para a nação que gostaria que continuasse sendo (o “-país real”), mas que já não é, o candidato republicano abriu caminho para Obama cooptar a “diversidade americana”, nos cidadãos com quem ele festejou o espírito de solidariedade e a quem agradeceu, especialmente, no seu discurso de confirmação da vitória na madrugada da quarta-feira 7, em duas intervenções seminais: “O que faz a América ser excepcional”, disse, “são os vínculos de solidariedade que unem a nação mais diversificada da terra e sustentam a crença que nosso destino é compartilhado. Vi donos de empresas familiares reduzirem seus próprios rendimentos para contratar vizinhos e vi trabalhadores aceitarem reduzir horários de trabalho para não verem o amigo perder o emprego”.
E mais adiante (ao tocar direta-men-te no sensível assunto da imigração): “Acredito que podemos partir do progresso que já conquistamos e continuar a lutar por novos empregos, novas oportunidades e nova segurança para a classe média. Podemos cumprir a promessa de nossa -fundação: se você está disposto a trabalhar muito, não importa quem você é, de onde vem, qual a sua aparência ou quem ama. Não importa se é negro ou branco, hispânico, asiático ou indígena americano, jovem, velho, rico ou pobre, saudável ou deficiente, gay ou heterossexual. Você pode ter sucesso aqui, na América, se estiver disposto a tentar. Podemos agarrar esse futuro juntos, porque não estamos tão divididos quanto nossa política leva a pensar. Não somos tão cínicos quanto os especialistas creem…”
A campanha eleitoral começou morna, com os meios de divulgação a levar muito pouca fé na capacidade do desafiante republicano e só “esquentou” nos três meses recentes, desde quando Romney passou a mostrar que acreditava na possibilidade de vitória e subiu o tom das críticas ao apontar o “fracasso” das tentativas do governo Obama em reanimar a economia e recuperar empregos. Apesar de superar o presidente no primeiro grande debate público direto, ele não soube depois dizer o que faria para levantar a economia e ampliar o nível de emprego. Obteve uma consequente melhora nas pesquisas, mas confundiu-se depois quando deixou falar “o espírito republicano” na abordagem das questões sociais, dos problemas de saúde dos pobres, com intransigência na discussão da reforma das leis de imigração e no tratamento para absorção dos filhos dos migrantes e das políticas tributária e previdenciária.
Obama aproveitou a ausência de propostas firmes do adversário nos quesitos trabalho e em relação à própria política econômica e passou a explorar as (pequenas) melhoras no emprego industrial, com a recuperação de empregos (no setor automobilístico, especialmente), além dos resultados que começaram a aparecer em consequência dos fortes investimentos privados e da política de subsídios do governo aos setores de tecnologia, em inovação e substituição de energia.
Venceu brilhantemente a eleição e a partir de agora se deu a oportunidade de fazer, ao menos, uma boa parte do que imaginou que faria no primeiro mandato para empurrar os Estados Unidos na direção do crescimento. Reerguer a economia americana será fundamental para tirar a economia mundial da perspectiva de continuar no atoleiro, como permaneceu durante a Grande Depressão dos anos 30 do século XIX. Compromissos e promessas eleitorais têm valor muito relativo, mas Obama voltou a se comprometer, no discurso da vitória, a reduzir o enorme déficit fiscal americano, conforme dissera na campanha. Um corte de 4 trilhões de dólares, “num programa de 10 anos (?!)”. Ele deu ênfase a mais cinco objetivos: 1. Sustentar a liderança mundial dos Estados Unidos nos investimentos em tecnologia, inovação e energia. 2. Criar um milhão de empregos por ano na indústria, até 2016. 3. Lutar por mudanças na tributação para aliviar a classe média. 4. Reduzir a dependência da economia americana à importação de petróleo visando à autonomia energética. 5. Humanizar as leis de imigração.
São objetivos que podem ajudar o crescimento da economia americana, vital para a recuperação da combalida Zona do Euro, e que interessam, obviamente, aos demais países. Quanto ao Brasil, não há porque alimentar expectativas de mudanças significativas, enquanto mantivermos nosso comércio exterior amarrado desnecessariamente a compromissos no âmbito do Mercosul, que desestimulam os acordos bilaterais que poderíamos negociar com terceiros países, como ocorre com muitos de nossos parceiros, em mútuo benefício.
Mais do que comemorar a reeleição de Obama, o efeito importante para a economia mundial foi a sensação de alívio com a derrota republicana. As poucas ideias mencionadas por Romney, durante a campanha, geralmente anunciavam mais problemas. Uma delas ia além e sugeria uma espécie de retorno à Idade Média, com a reintrodução do padrão-ouro como uma grande novidade para reequilibrar as finanças mundial e levar mais tranquilidade aos mercados.
Para angariar a simpatia da ala republicana mais radical, ele passou a advogar uma postura agressiva em política externa, tratando a Rússia, de Putin, como a inimiga número 1 dos Estados Unidos e defendendo retaliações duras no comércio com a China, inclusive sobre bens chineses, enquanto Pequim não cessasse a manipulação cambial. A certa altura o candidato Obama tratou o adversário com bastante ironia: comentou que ele propunha, simultaneamente, a política externa de 1980, as políticas sociais dos anos 50 e a política econômica da década de 20, do século XIX.
Além do grande estrago que poderia fazer no campo externo, as propostas de Romney para frear a onda de imigração ilegal sugeriam tornar “tão duras as condições de trabalho e de moradia dos imigrantes e seus filhos” a ponto deles próprios se “autodeportarem”. Diante da natureza de suas proposições, é plenamente justificado o alívio produzido por sua derrota no ambiente global. Os republicanos e seu fragmento radical, o “Tea Party”, devem estar ainda em busca do “país real”, o verdadeiro, aquele em que Obama transita com naturalidade, pois é parte dele. O mundo inteiro está alegre. A exceção são os 48% brancos saxônicos e protestantes (os Wasp) que não conseguiram retornar ao século XIX.
Fonte: Carta Capital