Nas duas cidades mais populosas do Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo, o primeiro mês do ano ficou marcado pelas tragédias causadas pelas fortes chuvas de verão. De acordo com o Governo do Estado do Rio de Janeiro, foram registradas 12 mortes e a estimativa foi de que, pelo menos, 600 pessoas ficaram desalojadas ou desabrigadas. Já em São Paulo, segundo a Defesa Civil, foram quatro mortes e mais de 400 desabrigados.
A grave situação trouxe à tona um tema pouco conhecido pela população, mas muito debatido nos últimos dias: Racismo Ambiental. De acordo com o Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, o termo se refere a uma forma de desigualdade socioambiental que impacta de maneira desigual populações com base em sua raça ou cor.
A pesquisa “Percepções sobre Racismo no Brasil”, encomendada pelo Projeto SETA (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista) e o Instituto de Referência Negra Peregum ao IPEC, mostrou que apenas 24% da população sabe o que é ou já ouviu falar em Racismo Ambiental. “Embora a conceitualização do tema seja relativamente recente, práticas, políticas e ações relacionadas às questões ambientais que tenham uma ligação direta com a luta por justiça social são fundamentais para compreender o nosso processo histórico. O enfrentamento por justiça social e ambiental é uma luta histórica por igualdade racial, tendo em vista o processo de colonização e escravização de populações negras e indígenas, acompanhado da degradação ambiental”, comenta Junior Aleixo, Especialista de Justiça Climática na ActionAid Brasil, uma das organizações que compõem o SETA e atua em prol da justiça social, equidade de gênero e étnico-racial e o fim da pobreza.
Para Aleixo, não há possibilidade de combater as mudanças climáticas com o aprofundamento da dominação racial. Por isso, é imprescindível que uma educação antirracista esteja diretamente integrada à educação ecológica, que discuta o que é racismo, justiça social e meio ambiente. “O racismo ambiental é incompatível com esforços para que se possa combater de maneira efetiva as mudanças climáticas e só uma educação antirracista e ecológica poderá mudar esse quadro”, salienta o especialista.
Educação Antirracista é o caminho
A Lei 10.639 torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira no currículo escolar. Apesar da legislação, a maioria das instituições de ensino não disponibiliza esse tema para os estudantes. De acordo com a Especialista em Educação do Projeto SETA, Luciana Ribeiro, historicamente, os fenômenos ambientais, a mudança climática e os desastres que estes fenômenos geram na vida de populações que vivem em territórios vulnerabilizados, atingem de forma violenta e desumana pessoas negras que ocupam esses locais. “Isso é herança de uma sociedade colonial e escravocrata. São territórios invisibilizados pela sociedade e pelo poder público que não investem em saneamento básico, tratamento de água e de esgoto e que há décadas perdem suas moradias, seus pertences e vidas num ciclo sem fim, que se repete e expõe cada vez mais o racismo neste país”, reforça a especialista em educação.
Na visão de Luciana, os componentes curriculares das ciências da natureza e geografia, no Ensino Fundamental, oferecem possibilidades para que o termo seja debatido em sala de aula de forma responsiva ao abordar os impactos provocados por desastres naturais ou mudanças climáticas. Segundo ela, ao abordar como esses fenômenos afetam o meio ambiente, é possível, também, enfatizar como essas ações impactam populações inteiras, deixando-as em total desamparo. “Educar para o antirracismo é tratar sobre este e demais temas com uma lente interseccional para que, de fato, a educação caminhe para a equidade racial”, diz.
Levantamento orienta escolas sobre práticas antirracistas
Recentemente, foi lançada a edição atualizada dos “Indicadores de Qualidade na Educação – Relações Raciais na Escola – Antirracismo em Movimento“. O levantamento direciona escolas na implementação de práticas educacionais antirracistas. O estudo aponta sete indicadores: relacionamento e atitudes racistas; currículo e prática pedagógica; recursos e materiais didáticos; acompanhamento, permanência e sucesso; a atuação dos profissionais de educação; gestão democrática e participação; para além da escola: a relação com o território. Elaborada pela Ação Educativa, e com apoio do Projeto SETA, a metodologia utilizada permite que todas as escolas se autoavaliem, com base nas suas experiências. O levantamento contou ainda com o apoio do Ministério da Igualdade Racial e Ministério da Educação.
Sobre o Projeto SETA
O Projeto SETA é uma aliança entre movimentos sociais e organizações negras, quilombolas, indígenas e feministas ligadas ao tema da educação. Compõem a iniciativa a ActionAid, Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, CONAQ, Geledés, Makira-E’ta e UNEafro Brasil, organizações reconhecidas e comprometidas na atuação no campo da educação antirracista. A atuação do Projeto SETA consiste no trabalho participativo por meio da realização de pesquisas, incidência política, formações e campanhas de mobilização em prol da equidade racial na educação. Trata-se de um trabalho que promove sistematicamente a voz, a mobilização e a liderança dos grupos representados pelo projeto. A visão coletiva do SETA é um sistema de educação público brasileiro construído com base nos princípios de justiça social e racial e que garantam a todas as pessoas o direito a uma educação contextualizada e de qualidade.
Sobre a ActionAid
A organização internacional atua em prol da justiça social, equidade de gênero e étnico-racial e o fim da pobreza, em mais de 45 países, por meio de parcerias com outras organizações e movimentos sociais. Fundada em 1972, a instituição trabalha no Brasil desde 1999, onde já atuou em mais de 2.4 mil comunidades e beneficiou mais de 300 mil pessoas.