No último mês, o assunto mais falado na mídia brasileira, nos movimentos sociais e nos bastidores políticos foi a indicação para o nome de quem vai suceder a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, que acaba de se aposentar.
O STF tem 132 anos de existência e, ao longo de sua história, passaram pela Suprema Corte um total de 171 ministros, os quais ocuparam as 11 cadeiras, das quais apenas 3 foram ocupadas por mulheres e, ainda assim, todas brancas, e apenas 3 foram ocupadas por homens negros. Ou seja, em mais de um século do STF, a última instância do poder judiciário brasileiro, houve apenas 6 ministros que não eram homens brancos.
Esses dados nos evidenciam o lugar relegado às mulheres negras em nossa sociedade: a invisibilidade. Segundo o IBGE, mulheres negras são 29% da população brasileira, por isso, ao não termos ao longo de toda história dessa Corte nenhuma de nós ocupando um assento, nesse espaço de poder, num contexto de governo progressista, é vexaminoso.
Até o presente momento, os nomes ventilados como favoritos para a cadeira de Rosa Weber são todos de homens, e o atual governo não tem acenado para a ala progressista que cobra uma indicação negra para a substituição, inclusive, afirmando que raça e gênero não serão critérios para a nomeação.
Diante desse cenário de apagamento e ausência total de representatividade no STF, essa semana um grupo de 25 deputadas federais da base do governo enviou uma carta ao presidente Lula pedindo para que ele indique uma mulher negra para o cargo. No paralelo, em todo Brasil, a campanha “Ministra Negra no STF” tem ganhado força a partir de ações publicitárias nas ruas, postagens de formadores de opinião e questionamentos na imprensa em geral.
Alguns dos nomes sugeridos para a vaga são: da juíza federal Adriana Cruz, da promotora de Justiça Lívia Sant’Anna Vaz, e da advogada Soraia Mendes. Todas fazem parte da lista tríplice sugerida ao presidente pelos movimentos sociais que organizam a campanha.
Mas você ainda pode estar se perguntando: por que este debate é tão importante? Como já mencionado, o Supremo Tribunal Federal é a instância superior ou última instância do Poder Judiciário brasileiro e, por conseguinte, seus ministros são os responsáveis por garantir o cumprimento da Constituição Federal da República. Portanto, deveria, por natureza, ter em sua composição a representatividade da demografia étnica da sociedade em que atua.
Como vemos no Guia de Legislações Específicas de Diversidade da Gestão Kairós foi, por exemplo, o STF que definiu, no dia 28 de outubro de 2021, em entendimento firmado pelo Plenário, que a injúria racial, bem como o crime de racismo, é inafiançável e imprescritível. E, ainda, foi o STF que, em 13 de junho de 2019, entendendo a urgente necessidade de garantir proteção e coibir a violência e discriminação de pessoas LGBTQPIAN+, conferiu a tipificação penal da conduta de discriminar esta parcela da população. Estendendo a interpretação do art. 20 da Lei nº 7.716/1989 (Lei do Racismo), para que as sanções também fossem aplicadas no contexto de crimes de ódio destinados a esse grupo. Por isso, me pego pensando, se tivéssemos historicamente mais representatividade da demografia da sociedade brasileira dentro do STF, quantos anos antes teriam ocorrido estes avanços, e o quanto mais já teríamos avançado em problemáticas nas quais ainda hoje estamos procrastinando, coletivamente, dia após dia.
A escolha de um novo ministro para o STF cabe ao presidente da República. São exigências para a indicação que a pessoa seja brasileira nata, tenha mais de 35 anos e menos de 75 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada. É importante saber que a indicação do presidente não é soberana, já que a decisão final cabe ao Senado. Na sequência, o indicado passará por uma sabatina na Comissão da Constituição e Justiça (CCJ), que testará seus conhecimentos jurídicos.
Ao ser aprovado pela CCJ, o indicado passará pela votação no Senado Federal, precisando ter a aprovação da maioria absoluta (dos 81 senadores, 41 precisam ser favoráveis à indicação). Somente após a aprovação do Senado, há a nomeação pelo presidente da República.
O governo já perdeu no passado a oportunidade de promover mudanças como estas e chegou novamente ao poder, dessa vez assegurando que avançaria de forma mais consistente nas questões do racismo estrutural brasileiro, bem como em outras temáticas de diversidade. Este momento é único e pode não vir a se repetir no futuro próximo. Os avanços de diversidade e inclusão que queremos devem, obrigatoriamente, ocorrer de forma intersetorial com o primeiro, segundo e terceiro setores assumindo sua responsabilidade e fazendo a sua parte. A hora é agora! Que este movimento aconteça na esfera pública e sirva de inspiração para as grandes empresas.
Leia também:
Bianca Santana: ‘Mulher negra no STF não é só representatividade, é mudar a Justiça no Brasil’
A Constituição precisa de uma guardiã negra
Primeira negra no TSE, Edilene Lôbo destaca superação de desigualdades