Cresce número de queixas de racismo

Entre 2011 e 2012, a quantidade de denúncias de discriminação que chegou à Secretaria de Políticas e Promoção da Igualdade Racial praticamente dobrou. E os dados oficiais ainda estão longe de representar a realidade

JULIA CHAIB 

Quase quatro anos se passaram e a copeira Sônia Maria Gomes, 47 anos, ainda carrega marcas do constrangimento de ser discriminada por causa da cor da pele. Em meados de 2010, Sônia ia de ônibus para casa quando, no meio do caminho, um passageiro levantou-se, cuspiu no rosto dela e a chamou de “negra safada”. “Depois disso, ele veio para cima de mim, como se fosse me bater. A minha sorte é que um homem impediu a agressão. Ele pediu ao motorista que não parasse o veículo e descemos direto na delegacia para prestar queixa”, conta Sônia. “Passei muito tempo sem andar de ônibus para me recuperar do medo e da vergonha pelos quais passei. O homem que me ajudou também é negro e ouviu xingamentos do rapaz que cuspiu em mim. Nunca pensei que a discriminação por causa da cor da pele pudesse chegar a esse ponto.” Quem agrediu Sônia hoje responde por injúria racial no processo que corre na Justiça.

Atitudes como a da copeira, de encarar a agressão como um ato de racismo e denunciar imediatamente, aumentam a cada dia. De 2011 a 2012, o número de queixas de discriminação racial feitas à Ouvidoria da Secretaria de Políticas e Promoção da Igualdade Racial (Seppir) praticamente dobrou, de 219 em 2011 a 413 no ano passado, um aumento de 88%. Este ano, a menos de uma semana do Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, comemorado em 21 de março, 78 denúncias foram registradas. Na internet, as reclamações contra sites com cunho discriminatório também é expressiva. Em 2012, a ONG Safernet, que recebe denúncias de violações dos direitos humanos na web, identificou 5.021 comunidades no Facebook que abrigavam conteúdo racista.

A quantidade de violações, no entanto, é bem maior. A Seppir não tem acesso ao número de queixas que chegam às delegacias de polícia do país. Só no Distrito Federal, por exemplo, no ano passado, as delegacias receberam 409 denúncias, sendo 402 de injúria racial e sete de racismo. Quase o mesmo número de denúncias que a secretaria nacional recebeu em todo o ano passado.

Para o coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), Nelson Inocêncio, o aumento das denúncias está vinculado ao momento em que o país vive, de intenso debate sobre a diversidade racial. “Esse aspecto, porém, tem um preço. A criação de políticas focadas na população negra cria do lado conservador uma sensação de incômodo em relação ao movimento (das organizações sociais)”, avalia. 

A professora da Faculdade de Educação da UnB e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas, História, Educação das Relações Raciais e de Gênero (Geppherg), Renísia Garcia, crê que o aumento das denúncias está relacionado com a visibilidade da população negra e, principalmente, com a conscientização das pessoas. “Poucos ousam dizer que não há racismo no país, mas muitos ainda não aceitam que são racistas. Assim, apesar do aumento das denúncias, a cultura do racismo permanece e germina nas contradições.” 

De acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 43,1% dos 190 milhões de brasileiros se consideram negros e 7,6%, pardos. Segundo a pesquisa “Mapa da Violência: A cor dos homicídios”, houve aumento de 29,8% no número de assassinatos de negros entre 2002 e 2010. Proporcionalmente, para cada branco morto, dois negros foram assassinados.

Disque-Racismo

Para centralizar as informações, a Seppir estuda lançar neste ano o Disque-Racismo. “Será um número gratuito (de telefone) que funcionará não só para crimes na internet, mas, também, para racismo institucional, policial, atos de violência contra juventude negra, quilombolas”, disse o ouvidor da Seppir, Carlos Alberto Junior. Na capital federal, um canal de comunicação desse tipo já está pronto e será lançado neste mês.

A subnotificação, segundo o assessor da Seppir Marcos Willian, foi um dos motivos para a secretaria ter aberto consulta pública para a criação do Sistema Nacional de Igualdade Racial, projeto do qual é coordenador. “Com o sistema, procuramos organizar e articular melhor as políticas de promoção da igualdade racial. Pretendemos atrair estados e municípios a criar sistemas de gestão e organizar políticas de forma sistemática com eles. Assim, as informações são interligadas”, explica. O Sinapir está recebendo colaborações da sociedade civil por meio do site www.seppir.gov.br. 

 

Fonte: Correio Brasiliense

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