“cuidado com a Cuca que a Cuca te pega, te pega daqui, te pega de lá” (Dorival Caymmi)
houve um tempo em que o grande terror das crianças era uma jacaroa chamada Cuca.
de voz cavernosa e agudas unhas de piriguete, essa folclórica crocodila desempenhava uma função pedagógica: crianças que desobedeciam aos pais eram seu alvo predileto.
hoje, é o Cuca quem apavora a molecada.
os vestiários das das escolinhas de futebol, espalhadas por todo o Brasil, estão repletos de Cuca.
são treinadores que se valem de sua posição privilegiada para assediar e violentar os pequenos em troca de um lugar ao sol.
se você fizer uma breve pesquisa na internet sobre abuso sexual em escolinhas de futebol, ficará chocado(a).
ou, chocades, como diria o Mussum.
mas essa crocodilagem não se restringe ao futebol, há Cucas em todas as modalidades esportivas.
Joana Maranhão, a espetacular nadadora pernambucana, foi vítima de um desses Cucas quando tinha apenas 9 anos de idade.
era um Cuca que treinava o nosso medalhista, olímpico Diego Hypólito, na seleção brasileira.
Fernando de Carvalho Lopes, o Cuca da ginástica, foi condenado a 109 anos de prisão por estupro de vulnerável.
a primeira vítima a denunciá-lo tinha 13 anos, a mesma idade de Sandra Pfaffli, a menina de Berna que foi violentada por Cuca e mais três jogadores do grêmio, em ’87, segundo a justiça suíça.
em ’89, ainda com a cuca fresca, o ex-treinador do Corinthians disse ao Jornal dos Sports que “a tal menina era do tamanho de um armário, e não tinha carinha de menina, não…”.
ora essa, um homem de 26 anos sabe muito bem o que é uma menina de 13, não importa a estatura dela.
hoje, Cuca tenta tirar o corpo fora, mas o laudo suíço diz que foi encontrado sêmen do ex-atleta no corpo da garota.
abalada psicologicamente, a menina tentou suicídio, segundo relata o seu advogado.
o mais escandaloso dessa história cabeluda é que toda a mídia esportiva sabia que os jogadores haviam sido condenados pela justiça, os jornais deram a notícia na época.
no entanto, Cuca seguiu dando entrevistas, comentando futebol, aparecendo na tevê e nos jornais como se nada tivesse acontecido.
as crianças, habituadas a verem aquele homem metido numa camisa da Nossa Senhora e beijando seu escapulário à beira do gramado, o idolatravam.
e o faziam porque a mídia passou mais de três décadas ocultado a sua cara jacarosa, escondendo o seu rabo longo e suas unhas-garras.
a comentarista de futebol, Ana Thais Matos, foi a primeira a contestar a contratação de Cuca pelo Corinthians, fazendo alusão ao escândalo sexual.
em seguida, o elenco feminino do Timão também engrossou a grita.
não fosse isso, Cuca seguiria sua vida normal, como se nada tivesse acontecido.
todos os companheiros de Cuca envolvidos no escândalo, e condenados no país europeu, vivem até hoje do futebol, embora todos os clubes de futebol saibam o que os quatro fizeram no inverno passado.
essa passação de pano, esse passar de mão na cabeça, é uma forma de tapar o sol com a peneira.
lembremos que os jogadores do Coringão não tiveram a mesma postura de suas colegas de equipe, trataram Cuca com a famosa irmãodade, a fraternidade cúmplice dos homens.
se não fosse a irmãdade sorora, a solidariedade das meninas, ninguém enxergaria a cara de jacaroa do treinador.
o Partido da Causa Operária, do senhor Rui Costa, que já defendeu o Robinho, a estátua do Borba Gato, o voto impresso, o Monark, o Talibã, o Maurício Souza, o Mamãe Falei e o diabo, lacrou um tuíte comentando o caso.
dizia o seguinte:
“(…) os identitários seguem a tese da inquisição, as punições devem ser eternas, independente de julgamento. tal ideologia medieval nunca libertará nenhum oprimido”.
Cuca, na visão do PCO, é o oprimido.
a irmãodade é um tipo de ética canalha e hipócrita.
deveríamos passar uma borracha sobre isso e deixar as pessoas viverem as vidas delas, afinal já se passaram muito anos?
bem, isso devemos perguntar para a vítima.
tá tudo bem com ela depois de tantos anos?
a Joana Maranhão falou certa vez sobre a sua saúde mental depois do abuso que sofreu: “vai doer pra sempre!”
o certo é que as pessoas devem pagar pelos seus erros, pedirem desculpas por ter errado e, assim, redimirem suas culpas.
sem isso, o que temos é impunidade e carta branca para delinquir.
se Cuca passar a ser um verbete informal como sinônimo de crocodilagem contra a molecada no mundo dos esportes, já teremos alguma coisa.
anistia, não.
esquecer, jamais.
palavra da salvação.
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