Nos últimos dias tem havido muita informação – e comoção – em torno do aborto. Isso se deve à Comissão que está elaborando o projeto de um novo Código Penal e que vem propondo um novo tratamento jurídico para o aborto.
Por Cynthia Semíramis, feminista, bacharel e mestre em Direito, pesquisadora sobre direitos das mulheres
Atualmente a interrupção da gravidez é permitida no Brasil em caso de aborto necessário (risco de morte pra gestante) e o aborto em caso de estupro. O que tem sido feito nos últimos anos é ampliar judicialmente essas hipóteses pra incluir aborto em caso de anencefalia. Agora, com o projeto de Código Penal, a proposta é também permitir interrupção da gravidez até 12 semanas quando médico ou psicólogo afirmar que a mulher não tem condições psicológicas de arcar com a gravidez.
A discussão sobre aborto é mais séria do que parece. Em 2006, uma onda conservadora na Nicarágua simplesmente extinguiu o direito a qualquer tipo de aborto (antes era permitido em caso de estupro ou risco de morte da gestante). Nos Estados Unidos, cada vez mais mais há leis procurando forçar as mulheres a manterem a gravidez (vide esta lei permitindo que o médico omita problemas no feto para que a mulher não se decida por um aborto), negando o direito a compra e uso de contraceptivos ou criando formas de controlar os corpos das mulheres.
Essas situações são intervenções indevidas nos direitos reprodutivos das mulheres, e precisam ser combatidas. Mas esse discurso, patrocinado por grupos religiosos, tem sido exportado aqui para o Brasil e vem conseguindo alguma projeção na mídia.
É importante lembrar que o Brasil é um Estado laico, ou seja, a religião de alguns não pode ser imposta a todas as pessoas. Discutir juridicamente direito ao aborto não significa partir de uma questão religiosa, fazendo uma média com as opiniões das mais variadas religiões para se decidir, a partir das religiões, o posicionamento jurídico a ser tomado.
Quando se fala de direito ao aborto o que está sendo discutido juridicamente é a autonomia da mulher de decidir sobre passar por uma gravidez e dar à luz. O que está em disputa é uma questão de autonomia das mulheres, que devem decidir por si mesmas como desejam gerir suas vidas. A mulher não pode ter seu poder de decisão diminuído em caso de gravidez, afinal, é ela que arcará com todas as consequências, seja por ter interrompido ou ter mantido a gravidez. Se ela infringiu as regras de sua religião, que resolva a questão com os seus líderes religiosos ou confessores. Mas não cabe ao Estado ignorar a autonomia da mulher pra impor uma regra religiosa, obrigando seu cumprimento inclusive a quem não professa aquela religião.
Enfim, a discussão sobre o Código Penal reacendeu a questão do direito ao aborto. Nos próximos meses, veremos a mídia agindo como porta-voz de grupos religiosos, divulgando suas ações sem contextualizar a discussão e legitimando o ponto de vista religioso. Veremos também discursos negando direitos reprodutivos das mulheres, e colocando-as como inferiores e menos dignas de respeito ou direitos do que um embrião ou que um homem adulto (já que não se cogita que os direitos reprodutivos dos homens sejam restringidos em nome da paternidade).
A perspectiva de retrocesso nos direitos das mulheres é assustadora, e é necessário nos mobilizarmos para que o Brasil não se torne uma Nicarágua.
Fonte: Blogueiras Feministas