Desmascarar as falácias desse tal feminismo

Sugerido por Vânia

De Carta Caputal

O que as feministas não aguentam mais ouvir

Aposentadoria, alistamento militar obrigatório, ingresso mais barato na balada – isso não é privilégio, é machismo

Por Nádia Lapa

O feminismo é pauta constante em conversas, na mídia, na mesa do boteco. E, como muita gente não reconhece o movimento como legítimo, de bases históricas, de militância incansável e estudado  na academia, repetem absurdos a respeito do tema. Acham que o senso comum resolve. Ignorância ou má fé? Não sei, mas o primeiro dá para resolver – tem um monte de livros bacanas, blogs interessantes (inclusive esse aqui!) e perfis no Twitter que falam de feminismo o tempo todo.

Mas sempre que chega alguém “novo” no rolê, a pessoa faz questionamentos pueris, quase nunca com o desejo de saber mais. A intenção – nota-se pelo tom da voz – é “desmascarar esse tal feminismo“.

Eu prefiro desmascarar as falácias.

1) Feminismo é contrário de machismo.

Bom, quem diz isso ainda está na fase “feminismo para dummies”. Machismo é um sistema patriarcal, institucionalizado, de opressão de um gênero sobre o outro. Feminismo é um movimento que visa a igualdade e, mais do que isso, desafia esse sistema. Há muitos feminismos, e cada um deles propõe uma forma de acabar com o machismo. Há anarcafeministas, feministas radicais, feministas liberais, e por aí vai. Tem quem queira repensar o capitalismo, tem quem lute pelo empoderamento da mulher sem mexer nas estruturas do capital. Mas basicamente feminismo e machismo não são nada similares.

2) Por que mulher se aposenta antes? Nessa hora ninguém reclama!

Sim, reclamamos, mas não lá, aos 60 anos.

Reclamamos antes, pela “obrigação” de lavarmos a louça, tirarmos a toalha molhada da cama, varrermos o chão e esfregarmos a privada que você usou. Na divisão sexual do trabalho, as mulheres exercem a atividade mais mal remunerada do mundo: cuidar da casa. Mal remunerada porque simplesmente não é remunerada.

Segundo a Pesquisa Nacional de Domicílios (Pnad), do IBGE, mulheres gastam 23,9 horas da semana cuidando de afazeres domésticos, enquanto os homens ficam com apenas 9,7 horas. Em alguns estados, a diferença é ainda mais gritante: na Paraíba, mulheres gastam 27,8 horas semanais cuidando da casa; os homens, 10,6 horas. É quase o triplo.

A pesquisa abrange moradores acima de 10 anos de idade. O resto é só matemática. Se a jornada de trabalho normal no Brasil é de 40 horas semanais e a mulher trabalha em casa, sem remuneração, por 24 horas por semana, no fim do ano ela trabalhou 1.147 horas, enquanto o homem, apenas 465. Multiplique pelos anos até a aposentadoria, e aí você saberá a razão da diferença.

Você conhece algum casal que compartilha as tarefas domésticas? Ótimo. Por enquanto, eles são a minoria da minoria. Quando isso for a regra, e não a exceção, não tenha dúvida: a idade para aposentadoria da mulher vai aumentar (ou você acha mesmo que o governo quer deixar de receber as contribuições e já começar a pagar?).

Importante apontar, também, que 93% das crianças e adolescentes envolvidos em trabalho doméstico no Brasil são meninas.

3) Por que vocês não lutam pelo alistamento militar obrigatório?

Essa parte, confesso, me faz rir.

Por que alguém lutaria por uma obrigação?

Nem precisaria explicar depois disso, mas sou insistente: as mulheres (não necessariamente feministas) lutam para fazer parte dos quadros das forças armadas. Os Colégios Militares, por exemplo, só aceitaram alunas mulheres depois da Constituição Federal de 1988. Até hoje concursos simplesmente não aceitam mulheres. Leis e ações judiciais, como esta do Ministério Público do Distrito Federal, tentam reverter isso.

Além disso, existem feministas – como eu – que são contra o militarismo. Outras são a favor de que seja voluntário para homens e mulheres.

4) Feminista até paga menos na balada/pagar o motel/chegar a conta.

Mulheres pagam menos na balada porque são usadas como iscas. Homens heterossexuais não costumam gostar de ir para festas onde “só tem marmanjo”. Isso é machismo, não feminismo.

Sobre o motel, realmente muitas mulheres acham que o homem tem que pagar. Sabem o motivo? Fomos ensinadas de que o cara “aproveitou”, que nós fizemos algum tipo de concessão, sei lá, e que o cara precisa pagar por isso. Isso é machismo, não feminismo. O mesmo vale para a conta.

5) Quem vai abrir potes se vocês acabarem com os homens?

Ninguém quer acabar com os homens, por favor.

E sabemos abrir potes. Tivemos aulas de física e aprendemos que o calor dilata metais. Logo, é só esquentar um pouquinho a tampa que ela vai ficar mais frouxa. Também dá para fazer uma alavanca com a colher. E, vejam só, existem até utensílios que fazem tudo isso por nós.

Como diria Simone de Beauvoir, em tempos tecnológicos, não há que se falar em força física para tarefas normais do cotidiano. A roda já foi inventada. E, putz, que existência desgraçada a de quem acha que sua função no mundo é abrir potes para mulheres indefesas, hein?

 

 

Fonte: GGN

+ sobre o tema

Sarney e Maia destacaram a presença de uma mulher na Mesa diretora

A cerimônia que deu início aos trabalhos legislativos da...

Justiça de MT autoriza aborto de feto anencéfalo em Lucas do Rio Verde

"Obrigar uma mulher a manter durante nove meses a...

Gênero nos espaços públicos e privados

O estudo "Mulheres brasileiras e gênero nos espaços públicos...

Thorning-Schmidt é nomeada primeira-ministra da Dinamarca

A líder dos social-democratas dinamarqueses, Helle Thorning-Schmidt, foi oficialmente...

para lembrar

Sessão extraordinária na Câmara vai colocar em votação 7 projetos de Marielle

Na próxima quarta-feira (2) será realizada uma sessão extraordinária...

#GeledésnoDebate: “Não houve respaldo legal para a esterilização de Janaína”

#SomostodasJanaína# Por Kátia Mello Janaína Aparecida Quirino, 36 anos, moradora em...

Governo defende liberar aborto

Programa federal retoma polêmica e recomenda ao Congresso descriminalizar...
spot_imgspot_img

Medo de gênero afeta de conservadores a feministas, afirma Judith Butler

A primeira coisa que fiz ao ler o novo livro de Judith Butler, "Quem Tem Medo de Gênero?", foi procurar a palavra "fantasma", que aparece 41...

Sonia Guimarães, a primeira mulher negra doutora em Física no Brasil: ‘é tudo ainda muito branco e masculino’

Sonia Guimarães subverte alguns estereótipos de cientistas que vêm à mente. Perfis sisudos e discretos à la Albert Einstein e Nicola Tesla dão espaço...

A Justiça tem nome de mulher?

Dez anos. Uma década. Esse foi o tempo que Ana Paula Oliveira esperou para testemunhar o julgamento sobre o assassinato de seu filho, o jovem Johnatha...
-+=