Educação escolar quilombola traz potencial transformador

Manter o alunado nas escolas com ensino de qualidade deve ser prioridade dos candidatos

Professores, gestores e pesquisadores das cinco regiões do país compartilhando seus “saberes e fazeres” para melhorar a aprendizagem e a permanência na escola de estudantes mais vulnerabilizados, ou seja, crianças e adolescentes quilombolas, indígenas e negros, é algo bonito de ver e de fazer parte.

Assim, participar dos debates promovidos pelo Anansi – Observatório de Equidade Racial na Educação Básica, que aconteceram nesta semana, foi algo particularmente emocionante.

Além de artigos científicos e projetos de pesquisas aplicadas que traçam cenários com dados quantitativos e qualitativos das desigualdades na educação básica, essas iniciativas desenvolvem e disponibilizam uma coleção variada de materiais de apoio para uso na sala de aula como mapas, jogos, literatura infanto-juvenil, além de diferentes e criativas estratégias para apoiar o trabalho do professor e do gestor, estimulando o interesse e o envolvimento do estudante num processo que pode contribuir para o desenvolvimento integral das crianças, adolescentes e jovens.

Protocolos de pesquisa, indicações para o aprimoramento da formação inicial e continuada de professores nas universidades e recomendações para políticas públicas destacam-se nesse acervo vivo que constitui o Observatório Anansi.

Foi um renovar de forças diante do descalabro que vem ocorrendo nos últimos seis anos, quando constatamos o sucateamento das instituições públicas e o desmonte de programas essenciais para assegurar uma educação de qualidade, bem como programas de ações afirmativas e de promoção da equidade.

Um quadro que já era grave tornou-se devastador após a pandemia, quando as meninas e os meninos de famílias de baixa renda foram muito mais prejudicados com o fechamento das escolas por não terem condições de acompanhar o ensino remoto por falta de acesso a equipamentos e à tecnologia.

É por essa razão que as iniciativas supracitadas, capitaneadas por pesquisadores, em sua maioria, mulheres negras com pós-graduação no campo da educação, podem favorecer a criação de redes de articulação e sustentação de um campo de educação democrática e de qualidade, com fundamento na equidade.

Nas últimas décadas, especialistas ressaltam que educação de qualidade pressupõe medidas de equidade como as ações afirmativas, caso contrário, tende a excluir justamente os estudantes que mais precisam, e, ao mesmo tempo, mantém o Brasil nos piores índices de avaliações do sistema de educação, sejam essas nacionais, sejam internacionais.

Nesse campo fértil de pesquisas e estudos, encontra-se a educação escolar quilombola, que, ao contrário do senso comum, não traz uma perspectiva exclusiva para as escolas localizadas em mais de 6.000 comunidades do Brasil. Pelo contrário, traz um potencial transformador para toda a educação, já que se fundamenta nos valores e nas culturas afro-brasileiras, indígenas e quilombolas, oferecendo respostas para os desafios da preservação do ambiente e da vida sobre a Terra, mais urgente e imprescindível que nunca.

Esses projetos envolveram diretamente cerca de 4.050 professores, 9.500 estudantes, 15 coletivos e organizações sociais e alcançaram cerca de 60% da população negra dos territórios envolvidos.

Os projetos foram selecionados no Edital da Equidade Racial na Educação básica e tiveram o apoio de um leque de organizações, como o Itaú Social, o Instituto Unibanco, o Unicef e a Fundação Tide Setúbal, contando com a coordenação do Ceert (Centro de Estudos das relações de Trabalho e Desigualdades).

A iniciativa conta ainda com o apoio da ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, Grupo de Estudos Sankofa, Anped), da Associação Nacional de Profissionais da Educação e de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas de várias regiões do país.

Neste ano de eleições, iniciativas dessa natureza representam, sem dúvida, uma grande contribuição à disposição de candidatos ao Parlamento e ao Executivo que sejam comprometidos com a qualidade da educação no Brasil.

+ sobre o tema

Ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas

Um estudo realizado pela Plano CDE sobre a Lei...

Religiões afro-brasileiras produzem direito de resposta coletivo contra TV Record

Em decisão inédita do Ministério Público Federal, entidades afro-brasileiras...

para lembrar

Extrema pobreza e racismo possibilitam trabalho escravo no Brasil

O presidente da União de Negros pela Igualdade (Unegro),...

Múlti suspende anúncios com loiras após acusação de racismo no Peru

Propaganda com quatro meninas loiras segurando bonecas da Disney...

A democracia burguesa e as ilusões perdidas da luta anti-racista

No mês da consciência negra, participei de onze debates...
spot_imgspot_img

Shopping Higienópolis registrou ao menos 5 casos de racismo em 7 anos

O shopping denunciado por uma família após uma abordagem racista contra adolescentes já registrou ao menos outros quatro casos semelhantes nos últimos sete anos. O...

Pretos e pardos têm menos acesso à infraestrutura urbana que brancos

Pessoas pretas e pardas residem menos em endereços com características adequadas de infraestrutura urbana, quando comparadas à população branca. Esse retrato da desigualdade étnico-racial no...

E mulheres trans não são pessoas?

No mesmo dia, os EUA e o Reino Unido —dois países ocidentais que se colocam como bastiões da liberdade, muito embora até ontem metade...
-+=