Eleitor poderá sacar dinheiro, mas não depositar voto

Benefícios sociais são estelionato eleitoral evidente

O governo Jair Bolsonaro corre contra o tempo para (tentar) transformar em votos o conjunto de benefícios sociais temporários que aprovou no Congresso Nacional, com a cumplicidade dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e com o aval da oposição. Aliados do presidente violaram Constituição, lei eleitoral, regras fiscais e regimentos do Legislativo de olho no cálice meio cheio da reeleição. Contam que os R$ 41,25 bilhões a ser distribuídos na forma de Auxílio Brasil e do vale-gás, bônus a caminhoneiros e taxistas, gratuidade a idosos em transporte coletivo produzirão o milagre da urna eletrônica, aquela que o presidente da República costuma pôr em dúvida. Não vislumbram o copo meio vazio do oportunismo frustrado.

A nada santa trindade Bolsonaro-Pacheco-Lira viabilizou legislação para limitar em 17% ou 18% o ICMS cobrado em combustíveis, energia elétrica e telecomunicações. Impuseram a perda de arrecadação goela abaixo dos governadores esperando colher sozinhos os frutos da gasolina mais barata Brasil afora. A queda, de tão expressiva, levou a uma onda de revisões (para baixo) das projeções para a inflação. Em julho, segundo o relatório Focus divulgado no início da semana, haverá deflação de 0,28%. A última vez que o IPCA ficou negativo foi em maio de 2020 (-0,38%), em decorrência da freada brusca na atividade econômica e no consumo nos primeiros meses da pandemia da Covid-19.

No Rio, o litro do combustível, que pesa mais no orçamento das classes média e alta e bem menos nos gastos das famílias mais pobres, já é vendido abaixo de R$ 6 — passava de R$ 8 há poucas semanas. Por isso, governadores forçados a aplicar a nova legislação também estão reivindicando a autoria da bondade tributária e eclipsando o protagonismo de Bolsonaro. Se cai para quem tem carro, a inflação continua subindo para quem come — basicamente, o país todo. O litro do leite já custa em capitais como o Rio de Janeiro R$ 9, valor de litro e meio de gasolina. Infeliz do Executivo e do Legislativo que preferem baixar o preço do combustível dos automóveis ao do alimento dos corpos.

Dos repasses previstos na PEC Eleitoral, o governo não terá dificuldade para adicionar R$ 200 ao piso de R$ 400 do Auxílio Brasil a cerca de 18 milhões de beneficiários, nem para depositar R$ 600 para 1,6 milhão a 2 milhões de pessoas na fila. No Rio, segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social, de maio para junho o total de famílias habilitadas saiu de 67 mil para 109 mil; em julho, 399.339 foram contempladas, 8 mil a menos que no mês anterior. De olho nos votos, o calendário de pagamento será antecipado para a primeira quinzena de agosto, quando historicamente é depositado na segunda metade de cada mês.

O vale-gás, com a promulgação da PEC, chegará a 5,68 milhões de brasileiros a cada bimestre, até dezembro. As excelências nunca explicaram por que preferiram pagar o equivalente a um botijão para os mesmos, em vez de meio a mais beneficiários. Não falta quem precise. Na capital fluminense, 501 mil lares estariam aptos a receber o valor de meio bujão, mas só 136 mil foram contemplados em junho.

O próprio secretário-adjunto de Tesouro e Orçamento, Julio Alexandre, informou ontem que outras bondades da PEC dependem de regulamentação para sair do papel. Fora isso, ainda não está claro como caminhoneiros autônomos receberão o repasse de R$ 1 mil. A intenção é contemplar cerca de 900 mil cadastrados na ANTT até maio. A questão é como — e se alguém ficará de fora. O mesmo vale para o auxílio aos taxistas, limitado a R$ 2 bilhões. O valor individual não está definido, e o pagamento dependerá dos cadastros ativos das prefeituras. O governo precisará lidar com quem ficar de fora e também com os motoristas de aplicativos, ignorados na PEC. No caso da gratuidade aos idosos nos ônibus, o subsídio vai para estados e municípios.

A oposição também encontrou a brecha que precisava para sair do córner. Coagidos a avalizar as ilegalidades da PEC Eleitoral para não enfrentar o ônus de negar dinheiro aos pobres num ano de crise social aguda, os adversários de Bolsonaro estão criticando o presidente e seus aliados pelo benefício por tempo limitado. Na votação em primeiro turno, o PSB tentou retirar do texto o prazo de cinco meses para o Auxílio Brasil de R$ 600. Foi derrotado. Na votação em segundo turno, foi a vez de o PSOL propor o mesmo. Perdeu também. O estelionato eleitoral é evidente. O povo poderá sacar o dinheiro e não depositar o voto. A ver.

+ sobre o tema

Começa em Belém Fórum Social Pan – Amazônico

Fonte: Ciranda.Net Começa em Belém jornada pelos povos...

Nei Lopes – Brasil é “altamente preconceituoso, racista e excludente”

O Brasil é uma sociedade "altamente preconceituosa, racista...

A reforma da Previdência e o fundo do poço

Todos os governos que foram eleitos após a redemocratização...

Gripe Suina: Grávida deve evitar área fechada, diz ministro

Recomendação para dificultar contaminação pela gripe suína foi dada...

para lembrar

Atestado de africanidade

Análise do DNA mitocondrial revela origem que povo negro...

Fratura exposta

A democracia brasileira está em situação de emergência, mas...

Derrota da democracia por Flávia Oliveira

Jean deixa a vida pública em prol da particular....

Escalada homicida

Durou pouco, quase nada, o armistício na segurança pública...

Sob ataque, de novo

Teve de um tudo na série de episódios que, pela segunda vez em um semestre, ameaçaram o funcionamento do governo eleito para livrar a...

É o extremismo de direita que motiva ataques a Vini Jr.

Erra quem atribui ao comportamento de manada típico dos torcedores em arenas a escalada de violência racial contra Vinicius Junior nos estádios de Espanha. Erra quem defende...

Querem o governo Bolsonaro no governo Lula, diz Marina Silva sobre desmonte ambiental

Para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), a tentativa de alteração da Esplanada dos Ministérios empreendida pelo Congresso pretende reinstalar a política ambiental do governo...
-+=