Em Paris para a alta-costura da Chanel, Xênia França fala sobre moda, música e reconhecimento internacional

Vencedora do Grammy Latino no último ano, Xênia França foi a única celebridade brasileira convidada para o desfile de alta-costura de verão 2024

Única celebridade brasileira convidada para o desfile de alta-costura da Chanel, em Paris, Xênia França vem colhendo os louros da longa carreira na indústria da música e do entretenimento: ela se mudou de Candeias, na Bahia, para São Paulo com 16 anos, para trabalhar como modelo, antes de deslanchar na carreira musical (anteriormente como vocalista da banda Aláfia, que chegou a fazer shows em Paris em 2017). No último ano, foi uma das 52 mulheres fotografadas para o primeiro livro da Vogue e ganhou o Grammy Latino na categoria de Melhor Álbum de Pop Contemporâneo.

Convite do desfile da Chanel (Foto: Tom Tebet)

Apesar de este não ter sido seu primeiro desfile ao lado da Chanel (ela marcou presença na apresentação de inverno 2023 da marca, em 2022), é seu primeiro desfile de alta-costura e ela afirma estar maravilhada com o primor da construção das peças da couture da maison: “É uma experiência estar em contato com uma marca que é tão cuidadosa em absolutamente tudo se propõe a fazer. Essa experiência do que é feito à mão, sob uma lupa, com uma grande riqueza de detalhes”.

Na última vez que nos vimos, no Vogue Celebra, que comemorava as mulheres fotografadas para nosso primeiro livro, Xênia usava um vestido branco e um óculos Juliet, simbólico do funk nacional e dos ritmos das periferias; modelo que ela também usou na ocasião de sua premiação no Grammy Latino e que diz bastante sobre a forma como ela vê e interpreta moda. Abaixo, confira a entrevista completa com a cantora.

Xênia França (Foto: Tom Tebet)

Vogue: Esse é seu primeiro desfile de alta-costura, mas você já havia ido à Paris com a Chanel para o desfile de inverno 2023.

Xênia França: Isso mesmo, vim em 2022, mas essa é a minha primeira vez no haute couture.

Como é a sua relação com a Chanel?

Na primeira vez que vim para Paris com a Chanel, tivemos um encontro de ideias muito bom. É uma experiência estar em contato com uma marca que é tão cuidadosa em absolutamente tudo que se propõe a fazer. Essa experiência do que é feito à mão, sob uma lupa, com uma grande riqueza de detalhes. O cuidado em se fazer algo que é para sempre faz muito sentido para mim enquanto artista. Por isso a Chanel é a Chanel.

Como é a sensação de ser a única brasileira convidada pela marca para esse momento?

É uma grande satisfação poder viver essas experiências. Acredito que a marca também veja esse encontro de ideias e por isso estou aqui hoje. Fiquei bem maravilhada na primeira vez em que vim.

Qual música sua representaria melhor esse momento?

Acho que Renascer! O tempo todo estamos tentando encontrar um significado para a vida e os caminhos que ela nos dá, às vezes teimamos e não aceitamos esse fluxo natural. Mas quando relaxamos e aprendemos que a vida é sobre estar conectado o máximo possível às suas fontes criativas, você tem a oportunidade de renovar seus ciclos e renascer. Essa segunda experiência é bem diferente da primeira, me sinto diferente, vejo a marca se posicionando cada vez mais com o tempo de agora. É uma marca clássica, mas que se renova o tempo todo e a originalidade é um fator importante, tanto para a Chanel quanto para mim. Nunca perder a essência, mas continuar em movimento é muito importante, e acho que Renascer fala bastante sobre isso.

Xênia França (Foto: Tom Tebet)

Você foi a primeira artista brasileira a participar do COLORS e recentemente foi premiada no Grammy Latino, como você se sente sobre esse reconhecimento internacional?

É natural quando você coloca algo no mundo, que é experimental, mas não é pretensioso. Claro que sempre que você coloca um trabalho no mundo, você quer algum tipo de reconhecimento, mas não sabemos de que tipo ele será. Esse caminho é uma força do próprio trabalho, acredito que ele tem uma linguagem um pouco universal, que aborda referências brasileiras, mas não só. Tenho referências dos anos 70, de Michael Jackson a Olodum e também Carlinhos Brown, tudo isso batido em um liquidificador, é algo que reflete a contemporaneidade, mas com bastante identidade. Eu me sinto muito orgulhosa e feliz de ter essa relação com o mundo.

Você falou dos anos 70 na música. E na moda, qual sua década favorita?

Curiosamente, gosto muito dos anos 80. Muitos dos meus artistas favoritos são dessa época e têm uma visão mais rockstar da coisa. Foi uma década com muitos elementos clássicos, mas que elevou a música a um outro nível. Mas acho que cada década tem seu momento especial. Sou bem livre, não costumo seguir tendências ou regras na moda, acho que minha maneira de me vestir tem mais a ver com minha curadoria interna. Mas gosto do drama dos anos 80, tem uma loucura, uma selvageria, que faz sentido para mim.

No início da sua carreira você trabalhou como modelo, como era sua relação com a moda nessa época?

Eu estava conversando sobre isso com o Eliezer [Lopes], que me maquiou agora, somos da mesma época. Nós éramos muito livres, não tínhamos nada a perder e a cidade de São Paulo era muito rica, mais do que agora, no sentido da rua, da efervescência cultural! Íamos para a Rua Augusta, conhecer os DJ’s, as drag queens, mas ao mesmo tempo eu ia para a USP ver os músicos tocarem na ECA, e nos inferninhos de Jam Sessions e tudo isso me influenciou como artista.

Eu nasci na Bahia, né? A moda entrou na minha vida de uma forma meio onírica, conheci a Naomi [Campbell] através de algumas revistas de moda internacionais que minha mãe trazia do trabalho e foi a primeira mulher negra que vi ocupando esses espaços. Comecei a me enxergar muito naquilo, mas na Gisele também, e com 16 anos me mudei para São Paulo. Mas, na época, eu ainda não fazia parte desse contexto imagético, a minha figura não era uma figura tão popular, isso foi uma questão bem dicotômica quanto à autoestima. A princípio foi um pouco traumático, mas sinto que consegui ressignificar isso de alguma forma para não me perder no que é visto como “bonito” ou “feio” e criar a minha própria identidade. Essa experiência com a moda foi me dando material para desenvolver minha própria linguagem.

Xênia França (Foto: Tom Tebet)

E hoje, como artista?

Acho que toda arte pode ser impulsionada pela música. Em todas as eras, os artistas [musicais], sejam eles grandes ou pequenos sempre tiveram uma relação com a moda, quase como uma relação complementar. Minha relação com a moda é bem natural, mas minha premissa é sempre estar bela. Estar bela para meus fãs e para quem me aprecia é um presente para essas pessoas. Ninguém sai de casa sem querer dizer algo, uma camisa que você usa é uma mensagem que você está passando. Eu quero que as pessoas me vejam e lembrem que me viram, assim como lembrem das minhas músicas.

Você tem alguma memória inesquecível com a moda?

Da última vez que vim à Paris com a Chanel, tudo foi muito especial. Mas houve um momento específico. Quando eu estava sentada no desfile, vi ao meu lado a Serena Williams e à minha frente a Anna Wintour, parecia um grande sonho. A trilha desse desfile foi tão especial que se tornou um vinil, e eu adoro acordar sábado pela manhã e colocá-lo para tocar, é um jeito especial que tenho para me reconectar com essa atmosfera.

Qual seu lado que ninguém conhece?

Eu dei a entender nesse último disco que tenho alguns interesses inusitados. Sou bastante existencialista, sinto uma necessidade muito grande de explicar a minha experiência de vida, de onde eu vim e para onde eu vou. Sou bastante ligada à ciência e espiritualidade, quando não estou trabalhando como cantora estou sempre pesquisando sobre física e mecânica quântica! Eu acredito que existem várias Xênias em diferentes multiversos, se eu entrar nesse assunto agora, nunca mais vou parar de falar (ri). Tenho uma relação bem profunda com essa pesquisa.

A Chanel é uma marca que historicamente sempre valorizou o feminino e, essencialmente, as mulheres. O que você acha que ainda falta, hoje, para as mulheres serem ainda mais valorizadas na moda e no entretenimento?

Acredito que a todo momento as partes mais fragilizadas da sociedade estão lidando com os desafios daquela época, né? Atualmente, temos uma efusão de assuntos e pautas que, às vezes, todo mundo quer falar sobre tudo e as discussões ficam um pouco rasas. Dificilmente essas problematizações conseguem de fato ajudar quem está fragilizado. Acho que a moda, assim como outras plataformas artísticas, criam as musas da sociedade. É através dessas figuras que nos inspiramos. Um grande desafio, na minha visão, é nos instruirmos para construir uma identidade, para mim não há nada mais elegante do que conhecer alguém que sabe quem se é e não quer ser ninguém. Ser único, ser original, dentro das suas especificidades é muito importante para inspirar as outras pessoas, não só pelas roupas que vestimos ou o tipo de procedimento estético que você teve acesso a fazer.

A moda pode voltar a ser essa plataforma que inspira as mulheres a serem únicas e valorizar a própria beleza de como elas são. Hoje em dia, falamos muito sobre a pauta da diversidade, mas ao mesmo tempo as pessoas estão cada vez mais tentando se parecer umas com as outras, é o mesmo dente, o mesmo nariz. Acho que o desafio é a originalidade.

Xênia França (Foto: Tom Tebet)

O que você mudaria na indústria da música?

A distribuição de renda na indústria ainda é muito complexa. O Brasil é reconhecido mundialmente pela sua qualidade musical, principalmente a partir dos anos 70. Mas hoje também temos artistas que produzem coisas incríveis, chamo de “arte milagrosa” porque se produz muito com muito pouco dinheiro e sem romantizar isso. Sabemos que a indústria da música movimenta muito dinheiro, mas ele é mal distribuído para as pessoas que criam. Se o dinheiro circulasse mais, seríamos imbatíveis no mundo porque temos muitos ritmos incríveis e originais no nosso país.

Na última vez que conversamos, no Vogue Celebra, lembro que você estava com um lindo vestido de gala branco e um óculos Juliet, icônico das periferias e do funk e que você usa com bastante frequência. Me conta um pouco sobre isso?

É uma maneira de expressar o que está acontecendo agora no mundo. Por exemplo, hoje estou em Paris, vivendo essa experiência com uma marca de luxo, de alta-costura. Existe uma identidade muito forte na Chanel, mas eu Xênia, também tenho a minha identidade própria. Não sou uma artista do funk, mas reconheço a importância do ritmo em todos níveis, que tem conseguido um feito que nenhum outro, desde o samba, conseguiu: de continuar levando a música brasileira para o mundo, além da importância do funk para as pessoas que o fazem. Então conseguir unir essas duas realidades, é algo que faz sentido para mim.

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