Carlos, vamos dar início à nossa entrevista via e-mail? Minha primeira pergunta tem a ver com a relação causal entre discriminação racial e desigualdades sociais no Brasil, ou entre racismo e desigualdades raciais. Alguns intelectuais brasileiros ultimamente vêm tentando refutar esse elo causal. Não sem razão, você tem sido lembrado como o primeiro autor nas nossas ciências sociais a estabelecer o elo entre discriminação e desigualdades raciais (no seu livro de 1979, Discriminação e desigualdades raciais no Brasil). Hoje, você continua a defender a tese de que as desigualdades sociais no Brasil decorrem, em grande medida, de discriminações raciais sistemáticas ou difusas com as quais os negros se deparam em diversas instâncias da vida social? Qual o estatuto teórico da relação entre discriminação racial e desigualdades sociais?
Por Antonio Sérgio Alfredo Guimarães Do Scielo
Em Discriminação e desigualdades raciais no Brasil, e em trabalhos posteriores em parceria com Nelson do Valle Silva, procuramos desvendar os mecanismos e os processos geradores das desigualdades raciais no país. Não nos ocupamos da questão de quanto o racismo e a discriminação racial contribuem para as desigualdades sociais em geral no Brasil.
Em Discriminação…, fiz uma análise em parte histórica da geração das desigualdades raciais. Uma das causas importantes das disparidades entre os grupos de cor está na sua desigual distribuição geográfica, com os não-brancos (das cores preta e parda) concentrados nas regiões menos desenvolvidas, Norte e Nordeste, e os brancos concentrados nas regiões mais desenvolvidas, no Sul e Sudeste. Essa polarização geográfica foi historicamente condicionada pela dinâmica do sistema escravista no país e, desde a etapa final desse regime, pelas políticas de incentivo e subsídio à imigração européia no Sudeste e Sul do Brasil. Tal polarização persiste até hoje, como pode ser comprovado facilmente com os dados do IBGE, e se traduz em diferenças na apropriação de oportunidades sociais em áreas como educação, emprego, rendimentos etc.
Além disso, naquele livro de 1979, atribuía as desigualdades entre os grupos de cor ou raciais à discriminação racial e ao racismo. Cabe aclarar que, nesse livro e nos trabalhos posteriores com o Nelson, a discriminação não é observada diretamente. Ela é inferida a partir da análise da disparidade de resultados sociais dos grupos de cor, controlada pelas variáveis relevantes.
Um exemplo para ilustrar é o da desigualdade de rendimentos individuais dos grupos de cor. O rendimento dos não-brancos é aproximadamente a metade do dos brancos. É claro que toda essa diferença não é devida à discriminação. Parte dela obedece à diferente dotação de recursos dos dois grupos (educação, experiência no mercado de trabalho etc.). A parte da diferença de renda atribuída à discriminação é obtida por meio de um contrafactual. Aplica-se a equação de renda dos brancos aos não-brancos e o valor obtido é comparado ao valor observado. A diferença entre esses valores é a atribuída à discriminação. Usamos outros procedimentos nos trabalhos sobre diferenças na realização educacional e sobre a mobilidade social dos grupos de cor. As diferenças de desempenhos de brancos e não-brancos são sempre observadas usando as variáveis de controle pertinentes, ou seja, a igualdade de outras condições, tais como origem social, renda familiar e nível educacional. Esses controles permitem tirar conclusões sobre as diferenças na apropriação de oportunidades sociais pelos grupos de cor ou raciais. Em todos os temas analisados durante mais de vinte anos, os não-brancos acabam em desvantagem.
Como já disse, nesses trabalhos, baseados principalmente nos dados do IBGE, a discriminação racial não é observada diretamente. No entanto, nada impede que sejam feitos estudos qualitativos sobre padrões e situações de discriminação racial, baseados em notícias de jornais, denúncias em delegacias de polícia, organismos de DDHH e até mesmo em processos judiciais. Você, Antonio Sérgio, já publicou algo nessa direção e eu dei uma pequena contribuição sobre notícias na imprensa no apêndice de Discriminação…
Além do fator geográfico e das práticas discriminatórias, uma cultura racista está permeada de estereótipos e representações negativas de grupos minoritários (negros, mestiços, nordestinos, bolivianos etc.). Esses estereótipos culturais tendem a se autoconfirmar e acabam limitando as aspirações e as motivações, neste caso, das pessoas não-brancas. Em Discriminação…, apontava que práticas discriminatórias e estereótipos se reforçam mutuamente e levam a que muitos negros e mestiços regulem suas aspirações de acordo com o que é culturalmente imposto como o “lugar apropriado” para os não-brancos. Caberia agregar que mudanças ideológicas globais, a ampliação do debate público sobre a questão racial, a atuação de movimentos sociais e organismos de DDHH e a existência de convenções internacionais e legislação nacional contra o racismo levam a pensar que hoje os efeitos de bloqueio dessas representações sejam menores do que foram, digamos, no início ou em meados do século XX.
A pesquisa sociológica e demográfica sobre desigualdades raciais no Brasil não é nova nem escassa. Deixando de lado os estudos pioneiros do chamado “Projeto Unesco”, a tradição de pesquisa desenvolvida nos últimos 25 ou 30 anos dá forte sustentação à idéia de que os brasileiros não-brancos estão expostos a desvantagens cumulativas ao longo das fases do ciclo de vida individual, e que essas desvantagens são transmitidas de uma geração a outra. Em outros trabalhos resenhei boa parte desses estudos e aqui me limito a apontar os principais resultados.
Estudos demográficos demonstraram as disparidades raciais quanto às probabilidades de superar o primeiro ano de vida e à esperança de vida ao nascer. As pesquisas sobre educação indicam que crianças não-brancas completam menos anos de estudo do que as brancas, mesmo quando se consideram crianças de mesma origem social ou renda familiar per capita. As disparidades no acesso, permanência e finalização dos ensinos médio e superior são ainda mais acentuadas. A desigualdade educacional entre brancos e não-brancos irá se refletir posteriormente em padrões diferenciados de inserção desses grupos de cor na estrutura ocupacional.
O tema da participação dos grupos raciais no mercado de trabalho é um dos que está mais bem estudado. Resumindo e simplificando, esses estudos indicam que pretos e pardos estão expostos a diversas práticas discriminatórias no mercado de trabalho. Além de ingressar nele com uma dotação menor de educação formal que a dos brancos, os não-brancos estão expostos à discriminação ocupacional, pela qual a avaliação de atributos não produtivos, como a cor das pessoas, resulta na exclusão ou no acesso limitado a posições valorizadas no mercado de trabalho. Soma-se a isso a discriminação salarial, evidenciada nas menores taxas de retorno à educação e à experiência obtidas por não-brancos, e a diferença na taxa de retornos aumenta nos níveis educacionais mais elevados. Esses padrões diferenciados de participação dos grupos de cor no mercado de trabalho se traduzem em uma valorização altamente desigual do trabalho desses grupos: a renda média do trabalho de pretos e pardos é pouco menos da metade da dos brancos.
Por último, as pesquisas sobre mobilidade social e raça, levando em conta o conjunto de processos sociais acima referidos, enfocam o papel da filiação racial na transmissão intergeracional das desigualdades sociais. Os resultados mais relevantes apontam não só para as menores taxas de mobilidade ascendente para os estratos médios e altos experimentadas pelos não-brancos, como também para as maiores dificuldades encontradas pelas famílias não-brancas de classe média para transmitir aos filhos as posições sociais conquistadas.
Diante de toda essa evidência acumulada na pesquisa sociológica e demográfica dos últimos tempos, o ônus da prova está com aqueles que tentam desfazer o elo causal entre racismo, discriminação e desigualdades raciais. Se as desigualdades raciais no Brasil não são produto de racismo e discriminação, qual é a teoria ou interpretação alternativa para dar conta das desigualdades constatadas?
Por último, quanto ao estatuto teórico da relação entre discriminação racial e desigualdades sociais, queria apenas referir a orientação adotada nos trabalhos anteriores sobre o tema com Nelson do Valle. Nesses trabalhos tomamos como ponto de partida uma revisão crítica da literatura sobre relações raciais no Brasil, constatando que o papel de “raça” ou cor no processo estratificatório ou é simplesmente desconsiderado, no caso das análises que vêem o preconceito e a discriminação como um mero epifenômeno das relações de classe, ou é então minimizado, quando a verificação da existência conspícua de comportamentos e atitudes discriminatórias é explicada como constituindo um “arcaísmo” evanescente do passado escravista. Nesses trabalhos foi enfatizada a funcionalidade da discriminação racial como instrumento de desqualificação de grupos sociais no processo de competição por benefícios simbólicos e materiais, resultando em vantagens para o grupo branco em relação aos grupos não-brancos (preto e pardo). Tentamos mostrar que preconceito e discriminação raciais estão intimamente associados à competição por posições na estrutura social, refletindo-se em diferenças entre os grupos de cor na apropriação de posições na hierarquia social. Novamente, esse enfoque diz respeito às desigualdades entre grupos sociais, o que Charles Tilly chamou de desigualdades categóricas, e não às desigualdades sociais em geral.
Cabe agregar que quando estudamos essas desigualdades, opondo brancos/não-brancos (pretos e pardos), nos referimos estritamente a processos de estratificação socioeconômica. Quando examinamos outras dimensões da vida social envolvendo a sociabilidade dos indivíduos (por exemplo, o casamento e a amizade), esse padrão não se verifica, os pardos se diferenciando dos pretos e se aproximando mais dos brancos. Poder-se-ia dizer que há uma disjunção aparente entre o processo de estratificação, que diz respeito ao funcionamento das principais instituições (escola e mercado de trabalho), e a vida social dos indivíduos, caracterizada por barreiras mais fluidas e ambíguas. Essa disjunção tende a corresponder à distinção feita por Sansone (1993) entre as “áreas duras” e as “áreas moles” das relações raciais no Brasil.
Ou seja, o racismo e a discriminação racial, tendo em conta evidências empíricas, sejam elas recolhidas de dados quantitativos, sejam de observações participantes ou documentos, ainda é a explicação mais sólida para as disparidades de renda entre brancos e negros no Brasil. Como você, em seus estudos de desigualdades raciais, se confronta com a questão da fluidez e da ambigüidade das identidades raciais no Brasil? Explico-me: nos anos de 1950, Thales de Azevedo notou uma grande superposição entre “brancos” e “ricos”, por um lado, e “pretos” e “pobres”, por outro. Tomou mesmo esses termos classificatórios dos sistemas racial e de classe como sinonímias nativas. Dado que a cor registrada pelo IBGE é autodeclarada e dada a fluidez do nosso sistema classificatório racial e a sua associação com o sistema de classes, poder-se-ia argumentar que no grupo “branco” estariam muitas pessoas de ascendência africana, digamos “pardos ricos”, que se declaram “brancos”. Isso poderia inflar a riqueza dos “brancos” e empobrecer os “negros”. Esse argumento é verdadeiro? No que ele afeta os seus resultados?
Continuo achando que racismo e discriminação racial, no passado e no presente, constituem a explicação mais sólida para as desigualdades raciais. A disparidade de renda entre brancos e não-brancos é talvez o aspecto mais gritante das desigualdades. Mas, insisto, pretos e pardos estão expostos a desvantagens em todas as etapas do ciclo de vida. Os demógrafos constataram que as mulheres pretas e pardas têm taxas de mortalidade intra-uterina mais elevada do que as mulheres brancas, que as taxas de mortalidade infantil (TMI) e de mortalidade de menores de cinco anos (TMM5) são substancialmente mais elevadas entre os não-brancos, e que pretos e pardos vivem em média cinco ou seis anos menos que os brancos. As trajetórias escolares de crianças e jovens não-brancos são mais acidentadas e curtas do que as de seus pares brancos. A desigualdade de renda entre os grupos de cor reflete padrões diferenciados de inserção no mercado de trabalho e práticas discriminatórias nesse mercado, mas são também devidas às desvantagens acumuladas nas etapas formativas, anteriores ao ingresso no mercado de trabalho.
A segunda parte da pergunta remete a duas questões relacionadas. A primeira refere-se à passagem do sistema de categorias de identidade racial ou de cor usado pelos brasileiros – caracterizado pela fluidez e ambigüidade – para o sistema classificatório de cor censitário do IBGE, que pede aos entrevistados para identificar-se em um grupo fechado de categorias de cor (branca, parda, preta e amarela, com o acréscimo de indígenas a partir do censo de 1991).
A segunda questão é se a autoclassificação de cor na pergunta censitária está contaminada pela situação socioeconômica do respondente, havendo um possível efeito de embranquecimento. Essas questões foram discutidas de maneira detalhada em dois trabalhos de Nelson do Valle Silva e vou me remeter a alguns de seus argumentos para responder.
O que está em jogo no primeiro ponto é saber se a pergunta fechada do censo e das PNADs é tida como uma referência à característica demográfica cor da pele ou está destinada a pesquisar identidades coletivas por meio das preferências verbais dos entrevistados quanto à sua autodenominação de cor. A primeira hipótese é enfaticamente defendida por Nelson, e eu concordo completamente com ele (cf. Silva, 1999a). Em boa medida, essa disjuntiva está relacionada à categoria “morena”.
A PNAD de 1976 fazia primeiro uma pergunta aberta, permitindo aos entrevistados declarar a sua cor espontaneamente, e logo fazia a pergunta fechada, pedindo aos respondentes para escolher entre as cores branca, preta, parda e amarela. Nas respostas à pergunta aberta, uma percentagem elevada (35%) de entrevistados se declarou de cor morena clara e morena. Resultados semelhantes foram obtidos na pesquisa Datafolha de 1995 sobre a questão racial: na auto-identificação de cor, 42% dos entrevistados se declarou de cor morena clara e morena.
Essa elevada preferência pela categoria moreno levou a que fosse sugerida sua inclusão no quesito cor do censo e das PNADs. O problema reside em que, quando se cruzam as respostas à pergunta aberta com a pergunta fechada, os autodeclarados morenos se distribuem em todo o leque das categorias de cor fechadas. No caso da PNAD 1976, os que se declararam brancos, pardos e pretos na pergunta aberta se reclassificam de maneira consistente no quesito censitário fechado. Já os que optaram pela cor morena se reclassificaram da seguinte forma no quesito fechado: 22% brancos, 67% pardos e 8,5% pretos. Como observa Silva (1999a, p. 87), referindo-se a autores que já tinham estudado esse tema: “De fato, o termo moreno parece aplicável no Brasil a qualquer tipo físico, com exceção das pessoas louras, ruivas ou pretas de cabelos encaracolados”.
Na categoria moreno pode estar a clave (ou chave) para desvendar o sistema de identidades raciais e outros aspectos importantes das relações raciais no Brasil, mas ela é totalmente inapropriada para se registrar a característica demográfica cor da pele.
A segunda questão, sobre o efeito de embranquecimento e a contaminação das respostas ao quesito cor por características socioeconômicas dos respondentes, também foi tratada com rigor estatístico por Nelson do Valle Silva em “Uma nota sobre raça social no Brasil” (1999b), com base nos dados do survey realizado conjuntamente pelo Idesp e o Iuperj, “As eleições de 1986 em São Paulo”. Para ser breve, limito-me a citar as conclusões desse autor.
Em outras palavras, as correlações obtidas entre cor e situação socioeconômica podem, de fato, estar inflacionadas pela utilização da autoclassificação de cor, relativamente ao que se obteria caso dispuséssemos de uma medida mais objetiva, mais fenotípica das características raciais dos indivíduos. A razão fundamental desse viés parece residir na natureza social do cálculo da identidade racial brasileira. As evidências aqui coletadas apóiam a idéia de que, no Brasil, não só o dinheiro embranquece como, inversamente, a pobreza também escurece (cf. Silva, 1999b, pp. 123-124).
Gostaria de lembrar aqui que esse efeito de embranquecimento já tinha sido notado por Oracy Nogueira na década de 1950 em seu célebre relatório sobre Itapetininga e no não menos brilhante artigo sobre preconceito racial de origem e preconceito racial de marca. Notava Nogueira nesses trabalhos que, enquanto nos Estados Unidos o sucesso socioeconômico dos negros permanecia dentro da comunidade negra, no Brasil parte do sucesso das pessoas de cor era contabilizado no grupo branco, pela incorporação de mestiços claros bem-sucedidos nesse grupo.
Finalmente, dada a ausência de uma mensuração não contaminada da cor das pessoas, é impossível determinar o quanto a correlação entre a cor declarada nas pesquisas do IBGE e a situação socioeconômica se vê aumentada. Mas me inclino a pensar que, se essa mensuração existisse, a correlação continuaria muito elevada.
Uma última pergunta: você acha que o sistema de cotas que vem sendo adotado por mais de vinte universidades públicas brasileiras, assim como o ProUni, tem condições de reverter ou minorar o quadro das desigualdades raciais no Brasil? Foi essa a razão que o levou a apoiar publicamente essa política?
Estranho seria se quem pesquisou e denunciou as desigualdades raciais no Brasil durante mais de vinte anos não apoiasse o sistema de cotas e programas como o ProUni.
A primeira razão de peso para ser favorável a essas políticas tem a ver com o papel crucial da educação no processo de mobilidade social. No último trabalho com o Nelson sobre esse tema, exploramos esse papel da educação nas diferenças raciais de mobilidade ocupacional no Brasil. Permito-me citar por extenso as conclusões a que chegamos.
Como indicamos anteriormente, a literatura sociológica que trata das diferenças socioeconômicas por cor no Brasil aponta para a existência de um processo de cumulação de desvantagens. Nesse trabalho constatamos, mais uma vez, a plausibilidade de tal caracterização. Além disso, parece claro que no Brasil de hoje o núcleo das desvantagens que pretos e pardos parecem sofrer se localiza no processo de aquisição educacional. As diferenças nos retornos ocupacionais dos investimentos em educação são relativamente modestas quando comparadas com as diferenças na realização educacional, qualquer que seja o estrato social de origem. Diferenças que, como vimos, tendem a crescer conforme se eleva a situação socioeconômica de origem. Assim, a questão educacional parece estar se constituindo no nó górdio das desigualdades raciais no nosso país (cf. Hasenbalg e Silva, 1999, p. 229).
Na mesma direção aponta um trabalho econométrico recente de Sergei Soares, destinado a decompor as diferenças de renda entre grupos de cor e sexo. No que se refere aos diferenciais entre grupos de cor, a desigualdade educacional é o principal fator explicativo das disparidades de renda (cf. Soares, 2000).
As diferenças no acesso, desempenho e permanência dos grupos de cor no sistema educacional aumentam nos níveis de ensino mais elevados. A título de ilustração, cito um dado recente divulgado pelo IBGE sobre a distribuição dos grupos de cor pelos diferentes níveis de ensino: “Em 2004, 47% dos estudantes de 18 a 24 anos de cor branca freqüentavam o ensino superior, uma proporção quase três vezes superior à encontrada para os estudantes de cor preta e parda (16,5%)” (Síntese de Indicadores Sociais 2005, p. 256). Isso significa que 82,5% dos estudantes não-brancos dessas idades estavam ainda cursando os níveis de ensino fundamental e médio, coisa que ocorria com somente 53% dos alunos brancos.
O efeito esperado das políticas de cotas raciais nas universidades públicas e de vagas para alunos de famílias carentes nas universidades privadas, incluindo pretos e pardos, por meio do ProUni, é o aumento da presença de não-brancos em posições sociais de destaque. Isso, por sua vez, deverá socavar os estereótipos negativos que, como já mencionei, delimitam os “lugares apropriados” para os não-brancos. Trata-se de acelerar significativamente a incorporação de não-brancos em papéis que propiciem modelos de identificação (role models).
Nas discussões com Nelson do Valle sobre esse tema, chegamos também à conclusão de que a questão tempo é essencial: mesmo na ausência de mecanismos discriminatórios, a eliminação das desigualdades raciais levaria várias gerações, se deixada aos ritmos naturais. Por outro lado, dada a aparente existência de tais mecanismos, estamos diante de um custo social evitável: além da presença de questões fundamentais relativas à justiça social e à eqüidade, a existência de mecanismos discriminatórios representa um desperdício do que os economistas chamam de “capital humano”, já que não estamos aproveitando todo o potencial de pessoas talentosas, cujo talento não pode ser expresso por causa das menores oportunidades e incentivos de que os não-brancos dispõem. O argumento passa então também pela maior eficiência de uma sociedade mais igualitária nas oportunidades, o que justificaria ações afirmativas para incentivar e propiciar o florescimento dos membros mais talentosos das minorias.
Esses são alguns dos principais motivos que me levam a tomar posição nesse tema.