No livro “O Caminho de Casa”, a escritora nascida em Gana e radicada nos Estados Unidos Yaa Gyasi conta a história de duas irmãs africanas, separadas pelo tráfico de pessoas que resultou em séculos de escravidão
Por Adriana Ferreira Silva Do Revista Marie Claire
Na África do século XVIII, Effia se casa com o general inglês responsável por enviar pessoas escravizadas à América. A jovem Esi será uma delas. O destino dessas duas irmãs é o mote de um épico que atravessa sete gerações, retratado em O Caminho de Casa. O romance que acaba de sair no Brasil transformou sua autora, Yaa Gyasi, de 28 anos, num fenômeno. A obra teve os direitos comprados por cerca de US$ 1 milhão de dólares pela editora Knopf, se tornou um best-seller na lista de melhores do ano do The New York Times e deu a estreante prêmios como o American Book Award.
A fama rendeu à escritora nascida em Gana comparações a estrelas de origem africana, como Chimamanda Ngozi Adichie, mas é da obra do colombiano Gabriel Garcia Marquez que ela mais se aproxima: O Caminho de Casa é um Cem Anos de Solidão entre a África e os Estados Unidos. “Acho fascinante a maneira como Garcia Marquez fala sobre essa geração de familiares”, contou Yaa à Marie Claire. O livro, define, é uma novela sobre “o impacto da escravidão em uma família”: “Ele trata de herança e legado”.
A descrição de Yaa é minuciosa e arrebatadora, tanto quando trata dos costumes de etnias como fantis e axântis – das quais ela descende -, quanto ao descrever as consequências da escravidão, sem poupar ninguém. “A escravidão foi uma indústria que envolveu inclusive africanos”, diz ela.
Filha de professores universitários, Yaa mudou-se com a família para os Estados Unidos aos 2 anos, o que a coloca numa posição diferente dos afro-americanos. Assim como uma de suas personagens, a millenium Marjorie, Yaa é capaz de traçar suas origens, algo inviável a maioria nascida na América. A seguir, confira a entrevista que Yaa Gyasi concedeu por telefone de Nova York, onde vive.
MARIE CLAIRE – Se tivesse de resumir O Caminho de Casa, como o definiria?
YAA GYASI – Como uma novela sobre o impacto da escravidão numa família e também sobre como é possível herdar dramas e ideais de gerações passadas. Ele trata de herança e legado.
MC – O Caminho de Casa cria um passado possível para pessoas que, por causa da escravidão, não têm a chance de desenhar sua árvore genealógica. Era essa sua intenção?
YG – Sim. Um dos aspectos devastadores da escravidão é a maneira como as famílias foram separadas, então, para mim, era muito importante dar um passado para um grupo de pessoas que não teve a oportunidade de ter sua história contada. Assim como os personagens do meu livro, a maioria que teve ascendentes africanos escravizados sabe que é impossível traçar seus ancestrais anteriores aos avós ou aos bisavós. Para muitos descendentes de escravizados, a história simplesmente termina nos avós. O Caminho de Casa é uma chance de criar algo que possa trazer algum conforto.
MC – Qual a reação dos leitores a isso?
YG – Muitas pessoas me dizem que o livro as inspirou a fazer um teste de DNA para localizar seus ancestrais. Outros dizem que, agora, conseguem imaginar de qual parte da África eles vieram.
MC – No livro, você divide a culpa entre os africanos pelo período de tráfico de pessoas. Você acredita que existe um karma?
YG – Temos de reconhecer a escravidão institucional como uma grande indústria, que envolveu muitas pessoas, incluindo os africanos. Comecei a escrever esse livro porque fiz uma viagem a Gana e, durante um tour ao castelo de Cape Coast, onde ficavam os escravizados antes de serem levados à América, o guia contou sobre esse envolvimento de diferentes grupos étnicos, que eram traídos ou vendiam as pessoas eles próprios. Essa parte da história, nós africanos, não gostamos pensar ou falar a respeito. É um karma nos faz sentir desconfortável.
MC – Você descobriu alguma coisa sobre sua própria história ao fazer as pesquisas para o livro?
YG – Não fiz muitas pesquisas sobre meus ancestrais. Se fosse dessa maneira, talvez o livro tivesse muitos aspectos autobiográficos ou antropológicos, e eu queria que ele fosse puramente ficcional. Mas meu pai é axânti e minha mãe, fanti, dois grupos étnicos que enfoco na novela, então, de certa maneira, conheço muito bem essas pessoas.
MC – Seus pais te ajudaram no processo de escrita?
YG – Fiz uma lista de perguntas para eles e conversava muito com meu pai para descobrir o que ele sabia sobre seus ancestrais. O primeiro rascunho do livro foi lido por meu pai.
MC – A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie diz que só descobriu que era “negra” quando chegou aos Estados Unidos – já que na Nigéria praticamente não existem brancos e ela nunca precisou pensar sobre isso. Você, apesar de ter nascido em Gana, vive no país desde criança. Como encara essa dualidade?
YG – Adoro a maneira como Chimamanda introduz essa ideia. Ninguém nunca tinha falado à respeito disso antes dessa maneira. É diferente ser uma africana nos Estados Unidos porque, como ela disse, você tem de entender o que significa ser negro. Isso aconteceu com a geração do meu pai, mas, para mim, que cheguei aos Estados Unidos aos 2 anos, sinto que cresci num local intermediário. Falando sobre a minha experiência, eu não tinha a sensação de ser uma ganense, porque não tinha conexão profunda com Gana. Não tinha voltei ao meu país até completar 11 anos e, depois disso, só ia no verão, até fazer 20 anos, mas me sinto confortável lá. Nunca me senti uma ganense, mas, tampouco, americana. É como se estivesse entre essas duas nacionalidades.
MC – Seu livro fez um sucesso estrondoso. Isso a surpreendeu?
YG – Ele superou todas as minhas expectativas. Para uma escritora estreante, que não tem ideia de qual será a reação ao seu livro, No Caminho de Casa foi muito, muito bem. Sinto um pouco de pressão para o próximo livro.
MC – Você engrossa uma lista de novas escritoras africanas que inclui Chimamanda, Djaimilia Pereira de Almeida etc…
YG – É maravilhoso ver tantas escritoras famosas que vem da África. Quando eu comecei a escrever, aos 7 anos, não conhecia autoras africanas. Isso é muito encorajador. Estou muito feliz de ver e fazer parte dessa geração.
MC – Onde se sente em casa?
YG – Se você fizesse essa pergunta aos meus pais, eles diriam que se sentem em casa em Gana, mesmo estando nos Estados Unidos há quase 30 anos. Para mim, é Gana, mas também Ohio, Califórnia e, agora, Nova York. É um mix de Estados Unidos e Gana. Agora é Nova York, mas pode ser para onde a vida me levar.