Estudo aponta que 60% dos negros já foram vítimas de racismo no trabalho

O A VOZ DA CIDADE conversou com a vice-prefeita de Barra Mansa, Fátima Lima, que apontou que 51% da população da cidade é negra e nem a metade está empregada

 

Por Monica Vieira Do A Voz da Cidade

Profissionais negros: mais da metade admite já ter alisado ou raspado o cabelo para ser aceito no trabalho (Foto: Divulgação/Etnus)

“A primeira vez que participei de uma audiência como advogada foi bem marcante. Cheguei à sala (do Tribunal) e me posicionei com os demais da minha área, mas um deles olhou para mim e disse que testemunha tinha que ficar lá fora. Independente da postura que adoto, do jeito que me visto, a sociedade, que é estruturalmente racista, impõe que meu lugar é no lado inferior e não ali ao lado deles; como profissional intelectual”. O relato é da jovem de Quatis Luciene Nascimento, de 24 anos. O fato narrado aconteceu, segundo ela, este ano na Vara de Trabalho de Barra Mansa.

Assim como Luciene, vários brasileiros sofrem ou já sofreram racismo no ambiente de trabalho, assim como mostra pesquisa divulgada recentemente pela Consultoria Etnus. Sessenta e sete por cento dos 200 entrevistados (de 18 a 50 anos) afirmaram acreditar que já deixaram de ser contratados para uma vaga por serem negros.  Seis em cada dez disseram que já foram vítimas de discriminação trabalhando.

Entre as principais dificuldades para conseguir entrar no mercado de trabalho, os entrevistados elencaram a falta de qualificação (43%) em primeiro lugar, seguida pelo racismo (34%) e por não ter o domínio da língua inglesa (31%).

Outro dado apontado pela pesquisa trata da carreira e recolocação no mercado. Entre os entrevistados, 36% disseram que não largariam o emprego para buscar a realização de um sonho porque o fato de ser negro acarretaria em mais tempo para se recolocar no mercado de trabalho. Segundo o estudo, a ideia de pedir demissão para encontrar o sucesso ou refletir sobre a carreira é mais difícil para essa população.

MULHER, NEGRA E ADVOGADA

Luciene Nascimento é secretária do Núcleo Quatiense da Associação Mulher Cidadania, Ambiente e Economia Solidária. Recentemente ela participou do II Seminário Biopolíticas e Mulheres Negras, em Salvador, e foi destaque em uma página do livro ‘Na minha Pele’, publicado há pouco tempo pelo ator Lazaro Ramos.

Ela explica que a pessoa negra passa por ‘micro violência’ ao longo do dia. “São pequenas situações que vão minando a nossa autoestima quanto profissional, quanto mulher, e as pessoas simplesmente não entendem”, disse. “Ninguém olhou nunca olhou pra mim e disse que meu cabelo, por exemplo, é inadequado. Mas já chegaram ao meu escritório e acharam que eu era a secretária”, lembrou.

Luciene também é maquiadora e na área nunca foi vítima de preconceito. “Quando me coloco como advogada as pessoas ficam surpresas, mas quando estou me apresentando em um serviço manual as pessoas acham normal. É por isso que costumo dizer que sou uma feminista negra. Quando a gente nasce mulher e negra, já sabes que existem duas estruturas que nos oprimem desde que damos o primeiro respiro e os dois estão conectados: racismo e machismo”, concluiu.

MULHER, NEGRA E VICE-PREFEITA 

Segundo a vice-prefeita de Barra Mansa, Fátima Lima, a descriminação é visível por toda a cidade. Ela explica que 51% da população do município, hoje, é negra; baseado no último levantamento apresentado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Contudo eles não são vistos em sua maioria no mercado de trabalho e sim nas periferias. “Em Barra Mansa, a cada dez universitários formados, dois são negros. Isso não é normal em uma cidade com a maior parte da população negra. No Ensino Fundamental, a cada dez, quatro são negros. E no Médio, de cada dez dois são negros”, completou, dizendo que para disputar uma vaga tem que ter qualificação.

Para Fátima, que é também professora, não adianta se lamentar; é preciso fazer algo. “Se o mercado fecha, nós temos que insistir em educar. Se olhar em Barra Mansa, se vê muito pouco negro trabalhando, nem 50% da população negra. Essa pesquisa está correta, mas o racismo impera em todas as situações que só quem vive sabe”, explanou.

Sobre sua história, Fátima, que é professora, conta que nada foi fácil. “Sempre fui uma pessoa aguerrida, nunca me deixei influenciar ou desistir. Não podemos nos acomodar. Tive momentos difíceis. Poderia ficar reclamando, lamentando, mas estou lutando para mudar a realidade dessas pessoas. Por isso, antes de ganharmos a eleição (ela e o prefeito Rodrigo Drable), falei que se entrássemos queria trabalhar na Gerência de Promoção de Igualdade Racial”, comentou Fátima.

“Somos pessoas de classes diferentes, mas tínhamos o mesmo objetivo. Não vamos inventar moda, tem coisa que já existe. Precisamos é de parcerias para melhorar a qualidade da população em todas as áreas e independente da classe, ou cor”, finalizou a vice-prefeita.

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