Família denuncia prisão forjada de estudante no Complexo do Alemão

Weslley Rodrigues, 21 anos, estava na loja em que o amigo trabalha para se refugiar de um tiroteio quando foi preso, suspeito de ser o dono de um radiocomunicador

Por Beatriz Perez, do O Dia 

 

Weslley Rodrigues Jacob, 21 anos, trabalhava como assistente em um trailer de reparo a aparelhos eletrônicos e cursava o 3º ano do Ensino Médio quando foi preso (Foto: Arquivo Pessoal)

“Eu estava dentro da oficina, que fica perto do trailer, quando começou o tiroteio. Ele (Weslley) tinha acabado de passar lá, botamos música, como costumamos fazer. Quando ele saiu, escutei tiros e fiquei refugiado na oficina. Ele tinha acabado de sair e entrou numa loja de um colega, de artigos eletrônicos”, diz Manoel.

O amigo do Weslley conta que estava sozinho com Wellington no estabelecimento em que trabalha durante a ação que prendeu o estudante. “Houve o tiroteio e os policiais estavam à procura de criminosos. O Weslley estava indo para a escola e eu falei pra ele esperar. Falei: ‘cara, espera pra você não sair correndo e tomar um tiro”, lembra.

Segundo o jovem, os policiais passaram na porta da loja e ao avistarem os dois, entraram. Os agentes, segundo o adolescente, que tem a identidade preservada, diz que os policiais começaram a perguntar o que os dois estavam fazendo ali.

O adolescente disse que trabalhava no local. “Ele disse que não trabalhava. Pediram as nossas identidades. Mas, o Weslley estava sem. Então, ele deu o nome todo dele e da mãe. Estavam pesquisando se ele tinha antecedente, quando veio outro policial e disse que tinha achado um radiotransmissor no lixo”, diz.

Um dos policiais, segundo a testemunha, acusou Weslley de ser o dono do rádio. Eles teriam apertado o botão do aparelho e ordenado, com ameaças, que o jovem dissesse “passa a visão”, no rádio, para se comunicar com traficantes.

Neste momento, o estudante se negou a ‘passar o rádio’, dizendo que não tinha envolvimento com o crime. Um dos agentes, então, teria dado um tapa no rosto do Weslley, que caiu e derrubou a mercadoria da loja. “Weslley começou a chorar e disseram que o ‘radinho’ era dele”, lembra o amigo.

O empregador de Weslley, Manoel da Silva, conta que o rapaz trabalhava para ele de segunda a sábado entre 9h30 e 18h. Ele diz que o rapaz estudava na parte da noite. A mãe de Weslley, Alexandrina Rodrigues, 42, informou que ele está matriculado no terceiro ano do Ensino Médio do Colégio Estadual CAIC Theophilo de Souza Pinto, em Bonsucesso. A Secretaria Estadual de Educação confirmou por meio de sua assessoria de imprensa a matrícula de Weslley na unidade de ensino.

“Muitas vezes eu trabalho até 22h, 23h da noite na oficina. Muitas vezes ele chegava da escola e vinha ficar com a gente. Ele gostava”, diz Manoel da Silva.

Manoel conhece Weslley, a quem chama pelo apelido de Lelly, desde criança e o convidou para ser seu assistente há três meses. “Eu coloquei ele aqui pelo fato de confiar nele, como eu conheço, sabia que não teria problema”, diz.

A mãe de Wesley diz que procura a Defensoria Pública do Estado do Rio na tarde desta segunda-feira para ajudar a família no caso.

Procurada sobre a denúncia, a Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar disse apenas que na noite de terça-feira (30/7), equipes da Unidade Polícia Pacificadora (UPP) Alemão realizavam policiamento pela Rua Joaquim de Queiroz quando criminosos atiraram contra os policiais. Houve confronto e os marginais fugiram.

Em ação contínua de varredura, os policiais encontraram um suspeito com um rádio comunicador. O mesmo foi conduzido à 21ª DP (Bonsucesso) para apreciação da autoridade policial.

A Polícia Civil informou que, de acordo com a 21ª DP (Bonsucesso), “ele foi autuado em flagrante por colaboração como informante”.

Justiça cita ‘ordem pública’ para converter prisão em flagrante em preventiva
No dia 1 de agosto, o juiz Antonio Luiz da Fonseca Lucchese, da 29ª Vara Criminal do Rio, converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva de Weslley. O magistrado também determinou expedição de ofício à Promotoria de Auditoria Militar para apurar se o rapaz sofreu agressão no momento da ação policial.

O juiz justificou a prisão preventiva, apesar de Weslley não ter passagem na Justiça, destacando que os fatos imputados a Weslley são tipificados como crimes graves. “Os policiais lograram capturar o ora indiciado, o qual estaria com um rádio transmissor nas mãos, sendo que no local funciona um ponto de observado (observação) do tráfico de movimentação policial” (sic)”.

O magistrado apontou a troca de tiros que precedeu a prisão e a atuação da facção criminosa Comando Vermelho na região para apontar a gravidade do crime. “Tudo indica que o restabelecimento da liberdade do custodiado gera ofensa à ordem pública, assim considerado o sentimento de segurança, prometido constitucionalmente, como garantia dos demais direitos dos cidadãos”, escreveu.

Para o magistrado, as medidas cautelares não seriam suficientes para garantir a ordem pública, ou a aplicação da lei penal, por isso ele determinou a prisão preventiva: “As condições subjetivas favoráveis, como a primariedade, dos indiciados não impõem a soltura caso estejam presentes os requisitos da preventiva”, anota.
O magistrado ressaltou na decisão que os fatos e testemunhas citados pela defesa deveriam ser analisados pelo juízo natural, e não na audiência de custódia.

+ sobre o tema

Pedagogia de afirmação indígena: percorrendo o território Mura

O território Mura que percorro com a pedagogia da...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas,...

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde...

Apenas 22% do público-alvo se vacinou contra a gripe

Dados do Ministério da Saúde mostram que apenas 22%...

para lembrar

O Racismo no futebol e a coragem de Evra

por Fernando Graziani No final do ano passado a...

Ato político-cultural em SP lembra morte de Cláudia Ferreira

Organizações de mulheres negras de São Paulo fazem na...

Um ano depois, policial de Baltimore é absolvido por morte de Freedie Gray

Manifestantes protestaram contra decisão do juiz que alegou não...
spot_imgspot_img

Negros são maioria entre presos por tráfico de drogas em rondas policiais, diz Ipea

Nota do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que negros são mais alvos de prisões por tráfico de drogas em caso flagrantes feitos...

Caso Marielle: mandante da morte de vereadora teria foro privilegiado; entenda

O acordo de delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos contra a vereadora Marielle Franco (PSOL), não ocorreu do dia...

Quanto custa a dignidade humana de vítimas em casos de racismo?

Quanto custa a dignidade de uma pessoa? E se essa pessoa for uma mulher jovem? E se for uma mulher idosa com 85 anos...
-+=