Gal Martins: O movimento que faz a diferença

Como Gal Martins levou a linguagem da dança contemporânea para a periferia da zona sul de São Paulo, rompendo barreiras e preconceitos

À primeira vista, a dança contemporânea, gênero que nasceu nos anos de 1960 como uma forma de protesto à dança clássica, pode ser vista como uma arte elitista, destinada a poucas pessoas. É fato que essa informação procede, mas por que não romper com essa fronteira? Será que isso precisa, necessariamente, ser assim? O trabalho desenvolvido pela produtora cultural, arte educadora e bailarina, Gal Martins prova que não! Foi no Capão Redondo, bairro da zona sul da periferia de São Paulo que ela criou, em 2002, a Cia Sansacroma.

Ao “atravessar a ponte” (expressão usada pela comunidade para se referir ao deslocamento para o centro da capital) para aprofundar seus estudos com a arte, Gal, que já praticava danças de matriz africana, teve contato com a dança contemporânea, que se baseia na pesquisa de linguagem e na busca de novos parâmetros para o corpo. “Ao começar a frequentar o circuito paulista de dança contemporânea, percebi que esse vocabulário ainda tinha um olhar elitizado que não chegava até as bordas da cidade, local de minha origem e de toda a minha história de militância cultural. Foi partindo dessa sensação e da paixão que tive ao ter contato com esse segmento artístico que nasceu a Cia Sansacroma, com o propósito principal de descentralizar a produção de dança contemporânea na cidade de São Paulo”, conta ela.

Apesar do preconceito que subestima a capacidade de fruir e criar este tipo de linguagem na periferia, o interesse dos jovens da região por ela foi massivo. Porém, para a comunidade em geral, foi necessário um processo de adaptação para aceitar este tipo de arte. Mais do que criar uma companhia de dança, Gal tinha o desejo de intensificar o trabalho cultural na região. Até que em 2009 a Cia Sansacroma foi contemplada com o Programa de Fomento à Dança, política de incentivo cultural da Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo. A conquista foi extremamente significativa. Por um lado, fez com que a companhia ganhasse um tipo de “selo de qualidade” ao ser reconhecida como um grupo que desenvolve um trabalho sério. Por outro, a verba do programa fez com que fosse possível nascer o Ninho Sansacroma. Um espaço, também localizado no Capão Redondo que, além da sede da Cia, é também um lugar específico para a prática de atividades artísticas e que conta com um teatro de 90 lugares. “É uma luta constante manter a estrutura. Infelizmente não existem políticas públicas que invistam em espaços culturais, principalmente os que estão situados na periferia o que dificulta tudo ainda mais. Mas, enfim, seguimos na batalha.”

“Somos uma companhia que desenvolve uma pesquisa política acima de tudo”

O Ninho Sansacroma fez com que os projetos da Cia se ampliassem: mais do que apenas dançar, o objetivo é estender o processo transformador que a arte permite para criar um novo olhar para a sociedade e para todos os que vivem no bairro. “Estamos situados em uma comunidade com uma riqueza cultural singular, com muitos movimentos culturais atuando, ongs, entre outros, e mesmo assim a demanda é grande. Por isso é necessário ampliar as ações que chegam de fato até aqui. Acredito que o impacto está no processo de diálogo constante com nossa comunidade. Para nós é de extrema importância acompanhar o processo de inserção, democratização e fruição dessas pessoas. Não basta elas irem até o Ninho assistirem a um espetáculo apenas. É preciso perceber e entender como se dá esse processo internamente, se causou de fato algum impacto, qual o olhar e sua percepção diante de tal obra de arte”, defende Gal. Para cumprir com este objetivo, foi criado o projeto Formação de Público que, entre suas ações, atua junto a comunidade por meio do diálogo com escolas públicas e privadas da região por meio de uma abordagem junto a educadores e alunos, primeiro sobre o universo da arte contemporânea, passando pela identidade cultural regional para então chegar à dança. O projeto, aos poucos, vem conseguindo intensificar junto aos moradores do bairro a percepção de que o trabalho de dança contemporânea, às vezes, tida como subjetiva e distante de sua realidade, tem sim, muito a ver com ela.

Outra intervenção direta é a mostra anual Circuito Vozes do Corpo que contempla ações como apresentação de espetáculos de outros estados e regiões da cidade de São Paulo; workshops de formação de produção técnica, teórica e corporal; debates sobre políticas públicas para dança; entre outras ações. “O Vozes do Corpo surgiu como proposta de fortalecer o Ninho Sansacroma como um espaço de difusão de dança contemporânea, de aproximar os artistas da dança de nossa comunidade criando essa relação de mão dupla, quebrando o mito do antes e depois da ponte, mas principalmente de oferecer à comunidade um mês de imersão total neste universo, com uma programação extensa. É um de nossos projetos mais especiais e, em 2013, acontecerá no início do segundo semestre, pois ainda estamos em fase de captação de verba e parceiros para sua realização.”

Outra intervenção direta é a mostra anual Circuito Vozes do Corpo que contempla ações como apresentação de espetáculos de outros estados e regiões da cidade de São Paulo; workshops de formação de produção técnica, teórica e corporal; debates sobre políticas públicas para dança; entre outras ações. “O Vozes do Corpo surgiu como proposta de fortalecer o Ninho Sansacroma como um espaço de difusão de dança contemporânea, de aproximar os artistas da dança de nossa comunidade criando essa relação de mão dupla, quebrando o mito do antes e depois da ponte, mas principalmente de oferecer à comunidade um mês de imersão total neste universo, com uma programação extensa. É um de nossos projetos mais especiais e, em 2013, acontecerá no início do segundo semestre, pois ainda estamos em fase de captação de verba e parceiros para sua realização.”

CONSCIENTIZAÇÃO PELA ARTE
Recentemente, a Cia Sansacroma produziu a trilogia Militantes do Real, que nasceu da vontade de Gal de falar sobre grandes personalidades sociais do país que, apesar de terem colocado seu trabalho pessoal em prol da transformação de toda a sociedade, seguem tendo suas biografias ocultas da maior parte dos brasileiros. Foi assim que nasceram os espetáculos Solano em Rascunhos, sobre o poeta e artista plástico, Solano Trindade; Angu de Pagu sobre a militante política e escritora, Patrícia Galvão, a Pagu; e Marchas sobre a vida e obra do educador Paulo Freire. Marchas foi eleito, por votação popular do Jornal Folha de S.Paulo, o melhor espetáculo de dança em São Paulo em 2012.

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Desde 2009 a Cia Sansacroma ocupa este prédio nas imediações do bairro do Capão Redondo

“Os três espetáculos dialogam e provocam diversos posicionamentos nos moradores de nossa comunidade. Deste projeto surgiu uma proposta que é a pesquisa de uma estética que denominamos como ‘Dança da Indignação’ que está em processo de estudo e construção. Quem sabe em breve podemos defender essa estética como um caminho na criação de dança contemporânea paulista? Somos uma companhia que desenvolve uma pesquisa política acima de tudo. Somos interlocutores de um processo de busca de autonomia e mobilização comunitária e acreditamos na potencialidade de pequenas transformações e reverberações que partem, inicialmente, da ação corporal para uma ação social de fato”, acredita Gal.

Além da trilogia Militantes do Real, que segue sendo apresentada em diversos lugares da capital paulista e interior do estado, a Cia Sansacroma segue com dois projetos. Um é o Retratos, que irá homenagear dez mulheres que vivem no Capão Redondo e que trazem em sua história de vida elementos especiais e instigantes. Será um programa a ser exibido na internet e gravado na casa dessas mulheres, acompanhando sua rotina, que servirá de elemento para que cada bailarino ou bailarina elabore uma apresentação de dança solo. Outra iniciativa é a montagem de um novo espetáculo que abordará a lenda do pássaro Sansakroma, o apartheid da África do Sul e a realidade do Capão Redondo. Estes projetos fazem parte das comemorações dos 10 anos da Cia Sansacroma e dos 100 anos do bairro do Capão Redondo (completados em 2012) e possuem o apoio da 13ª Edição do Programa de Fomento à Dança para a cidade de São Paulo. Como se diz por aí, não há revolução sem dança.

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A juventude da comunidade descobriu na dança uma potente ferramenta de expressão

 

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Fonte: Revista Raça

 

 

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