Sede de movimento lésbico não tem identificação externa; nas ruas da capital, namoradas fingem que são apenas amigas
Projeto de lei que institui pena de morte para crime de homossexualismo agravado está em debate no Congresso do país da África central
Às sextas-feiras à tarde, numa casa com portão de ferro, pesado cadeado e muros altos na periferia de Campala, a pequena comunidade lésbica da capital de Uganda se reúne. Lá é a sede da Farug (sigla em inglês para Liberdade de Caminhar em Uganda), uma ONG de direitos de “kuchus”, a gíria local para homossexuais.
As mulheres vão ali para conversar, namorar, tomar cerveja, assistir a filmes gays e usar a internet sem medo de estarem sendo espionadas pelo governo numa lan house.
Para evitar qualquer tipo de retaliação, não há nenhuma identificação na porta. Para disfarçar, uma das diretoras da entidade mora num quarto no imóvel, proporcionando um álibi para o caso de alguma autoridade aparecer: ali, seria apenas uma residência.
“Quando vem alguém olhar o medidor de água ou luz, nós fechamos as cortinas da área interna”, diz Warry Ssenfuka, 27, diretora-financeira da ONG. Assim, as pequenas bandeiras com as cores do arco-íris, símbolo internacional do movimento gay, não são percebidas na sala.
A vida para os homossexuais em Uganda, país da África central cujo Parlamento debate atualmente um projeto de lei que institui a pena de morte para casos de “homossexualismo agravado”, é de cautela. A legislação atualmente proíbe apenas o ato homossexual, mas o sentimento homofóbico é grande na população. “Sou verbalmente agredida toda semana”, diz Stosh Mugisha, 33, que se diz lésbica desde os 16 anos.
Disfarce difícil
As mulheres homossexuais dizem que para elas é mais difícil esconder a condição do que para os homens. Estão sempre de calças largas, óculos escuros e usam dreadlocks no cabelo.
Para os homens, ironicamente, é a mesma cultura tradicional de Uganda, agora invocada para a ofensiva governamental contra o homossexualismo, que oferece uma válvula de escape. Como em grande parte da África, no país é comum homens heterossexuais andarem pelas ruas de mãos dadas. Assim, dois homens gays que namoram podem passear pela cidade de mãos dadas sem despertar suspeitas.
Mas a regra geral é ser discreto. “Eu e minha namorada saímos juntas para um bar ou restaurante como amigas”, afirma Ssenfuka, fazendo um gesto que indica aspas na palavra amigas. “Se eu arriscar dar um beijo em público, eu posso facilmente ser agredida”, diz ela.
Fundada em 2003, a Farug tem hoje cerca de 60 integrantes, todas lésbicas. Sua conta no banco está no nome de um clube esportivo fictício, para não levantar suspeitas. Grande parte do financiamento vem de ONGs de direitos dos gays em países como Estados Unidos, Quênia e Austrália. Mas as diretoras pedem que os doadores não se identifiquem.
Mesmo com tamanha discrição, um dia a polícia apareceu no local, num ato ostensivo de intimidação. Um policial saiu do carro, mostrou armas e saiu cantando pneus.
“A polícia não nos ajuda. Quando eu sofro violência, vou à delegacia, mas eles ignoram. Afirmam que eu provavelmente me machuquei porque estava bêbada”, diz à Folha Diana Bakuraira, 29.
Fonte: Folha de São Paulo