Impactos de bem-estar de mudanças no mercado de serviços domésticos brasileiro

1 INTRODUÇÃO

por Edson Paulo Domingues e Kênia Barreiro de Souza*

O trabalho doméstico compreende uma série de atividades, como: limpeza; arrumação; cozinha; cuidados com o vestuário; cuidados com crianças, idosos, pessoas com deficiência, animais; entre outras. Embora podendo desempenhar atividades distintas, duas características são comuns a esses trabalhadores: o trabalho é remunerado e realizado em domicílio que não o do próprio trabalhador (OIT, 2011a; OIT, 2011b).

Por essas e outras características socioeconômicas, o grupo de trabalhadores domésticos remunerados possui uma série de peculiaridades, entre as quais se destacam: i) predominam trabalhadoras do sexo feminino; ii) são pagos baixos salários; iii) o empregador é uma pessoa física; iv) a legislação não acompanha a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sendo até mesmo colocada como exceção os direitos trabalhistas pela própria Constituição Federal (CF); e v) há alto índice de informalidade (OIT, 2011c; IBGE, 2012a).

O serviço doméstico remunerado ocupa grande parte da mão de obra feminina,
pois, segundo Melo (1998), tais funções são culturalmente consideradas o lugar da mulher. Ao mesmo tempo, a baixa qualificação exigida gera alternativa para trabalhadoras de baixa escolaridade e sem treinamento, que se submetem a baixos salários e a um alto nível de informalidade (MELO, 1998; THEODORO e SCORZAFAVE, 2011).

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2011c), em geral, a remuneração média do trabalhador doméstico é menor que a metade da média geral de salários, chegando a menos de 20 por cento dos rendimentos médios para alguns países. No entanto, mesmo com o elevado índice de informalidade, o salário mínimo tende a ser tomado como referência e funciona como elemento de proteção e desenvolvimento social (OIT, 2011c; THEODORO
e SCORZAFAVE, 2011).

Os baixos salários do trabalho doméstico são em parte explicados pela percepção de que são improdutivos, por não gerarem diretamente ganhos para o empregador. No entanto, seu valor econômico e social não é suficientemente considerado, na medida em que: i) o trabalho doméstico gera efeitos diretos sobre a segurança, a organização e o bem-estar dos membros da família; ii) aumenta a possibilidade de inserção no mercado de trabalho dos membros da família; e iii) estimula o consumo, gerando renda e assim contribuindo para o crescimento econômico (OIT, 2011c).

Não obstante, a falta de valorização do trabalho doméstico reflete-se na legislação que não inclui o trabalhador doméstico entre as ocupações regidas pela CLT. Tal fato também
é consequência do caráter peculiar da prestação de serviços em domicílio que impõe duas dificuldades, pois reduz as possibilidades de fiscalização no que tange à contratação
e à jornada e o efeito da ação sindical (DIEESE, 2006; OIT, 2011c).

No Brasil, apenas em 1972, por meio da Lei n. 5.859, a profissão de empregado doméstico foi reconhecida e regulamentada, estendendo parte da legislação a estes trabalhadores. Os principais direitos alcançados foram: férias de 20 dias úteis a cada ano completo de serviços prestados; acesso aos

(para os quais o empregador deveria pagar 8 por cento em relação ao salário mínimo e outros 8 por cento deveriam ser

pagos pelo próprio trabalhador); e multas pelo não cumprimento desse pagamento, variando entre 10 e 50 por cento sobre o valor devido (DIEESE, 2006; GIUBERTTI, 2010; THEODORO
e SCORZAFAVE, 2011).

Por sua vez, a Constituição de 1988 em seu artigo 7.o descreve uma série de direitos dos trabalhadores em geral, porém restringe à categoria de trabalhadores domésticos apenas
alguns desses direitos: salário mínimo; irredutibilidade de salário; décimo terceiro salário; repouso semanal remunerado; férias remuneradas de 30 dias ao ano; licença-maternidade; licença-paternidade; aviso prévio; aposentadoria e contribuição à Previdência Social (BRASIL, 1988).

Mesmo com a obrigatoriedade legal de formalização, o número de trabalhadores com carteira assinada é baixo (em média 35,64 por cento nas regiões metropolitanas, em 2005, segundo dados da Pesquisa Mensal do Emprego (PME) – IBGE, 2012b), refletindo-se a falta de fiscalização e de incentivos à formalização.

Com o intuito de reverter essa situação, em 2006, foi promulgada a Lei n. 11.324,
que introduz a possibilidade de dedução da contribuição à Previdência Social sobre a remuneração do empregado no Imposto de Renda do empregador (GIUBERTTI, 2010; THEODORO e SCORZAFAVE, 2011). Para o Dieese (2006), dois fatores precisam ser revistos nessa lei, pois limitam o incentivo à formalização: a dedução não pode exceder a contribuição patronal referente a um salário mínimo, restrito a um trabalhador; e para obter o benefício, é necessário que o empregador faça sua declaração de imposto de renda com formulário completo.

Finalmente, em 2011, foi promulgada a Lei n. 10.208, que torna facultativo o recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e garante o direito a seguro desemprego no valor de um salário mínimo com limite de até três meses para trabalhadores domésticos dispensados sem justa causa.

Políticas desse caráter estiveram entre as questões discutidas nas Conferências Internacionais do Trabalho de 2010 e 2011, promovidas pela OIT, que resultaram na “Convenção sobre o Trabalho decente para Trabalhadoras e Trabalhadores domésticos”, 2011 (n. 189), acompanhada pela Recomendação (n. 201) que, em seu artigo 25.o,

reforça a função dos países membros da OIT em “fomentar o desenvolvimento contínuo de competências e qualificações dos trabalhadores domésticos, inclusive, se for o caso, a alfabetização a fim de melhorar suas possibilidades de desenvolvimento profissional e de emprego” (OIT, 2011b).

Com o objetivo de ratificar a Convenção n. 189, permanece em discussão a deliberação

da Proposta de Emenda à Constituição n. 478/2010, que

Mesmo com tantos avanços no que tange à proteção desses trabalhadores, a informalidade e os baixos salários continuam marcantes. Uma das questões recorrentes no debate da formalização é o aumento no custo de contratação de serviços domésticos, que poderia levar a uma redução na demanda, reduzindo as oportunidades de emprego para trabalhadores dessa categoria. Conforme enfatiza Mattos (2009), a imposição de encargos adicionais impacta diretamente na decisão de contratação de um trabalhador doméstico, criando, ao mesmo tempo, benefício àqueles que permanecem contratados e redução
na absorção daqueles que estão à procura de emprego.

No Brasil, a renda dos trabalhadores domésticos tem crescido acima da média da economia, ao mesmo tempo em que o número de trabalhadores contratados pouco se alterou, o que indica que a demanda permaneceu elevada o suficiente para que não fossem perdidos postos no mercado de trabalho. Nesse sentido, a presente pesquisa buscou estimar os impactos do aumento dos salários pagos aos trabalhadores domésticos, por meio de simulações com um modelo de Equilíbrio Geral Computável (EGC). Dessa forma, será possível observar quais foram as implicações decorrentes das elevações recentes nos salários relativos do trabalho doméstico no Brasil, considerando dois efeitos simultâneos: i) a elevação no preço do trabalho doméstico; e ii) os ganhos de renda dos trabalhadores domésticos. Assim, será possível acessar não apenas o resultado imediato sobre a demanda de serviços domésticos, como também os efeitos desencadeados no restante da economia. Assim, indiretamente, os resultados encontrados revelam quais tendem a ser as consequências do processo de formalização e inclusão do trabalho doméstico nos diretos trabalhistas, que levariam, como nas simulações apresentadas neste trabalho, ao aumento da renda de uma parcela da população e à elevação dos custos desses serviços.

 

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