Justiça por Marielle e Anderson: 5 anos é tempo demais

Descoberta de mandante do crime dará espaço para melhores práticas políticas e jurídicas

Em 14 de março de 2023 o assassinato de Marielle Franco completará 5 anos. Marielle foi uma ativista e intelectual negra, bissexual, mãe, cria da favela da Maré, defensora dos direitos humanos, parlamentar eleita pelo PSOL à vereança da cidade do Rio em 2016, e que, ao longo de sua trajetória, lutou contra a violência policial e o genocídio da população negra. Em razão da sua história, Marielle é um símbolo de resistência e liderança que inspira mulheres negras por todo o mundo.

Porém, ainda temos que lutar por justiça. Nesta data, em 2018, época em que o Estado do Rio de Janeiro estava sob intervenção federal no governo Temer, Marielle estava a caminho de casa quando foi executada junto com seu motorista Anderson Gomes, no centro da cidade do Rio. Ela foi atingida por quatro projéteis na cabeça e Anderson levou três tiros nas costas. Ele também morreu, deixando um filho, que tinha então um ano e meio de idade.

Apesar de termos chegado ao marco de meia década desde o assassinato, e de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, acusados de serem os executores do crime, estarem privados de liberdade, o caso não tem nenhuma condenação, visto que o júri popular ainda não tem data para acontecer.

Além disso, a família e os advogados das vítimas estão sem acesso à investigação relativa aos mandantes, razão pela qual foi impetrado um mandado de segurança, que tramita no Superior Tribunal de Justiça.

Tal cenário, somado às mudanças no comando das investigações e ao fato de os familiares e representantes legais das vítimas serem informados pela mídia sobre elas, traduz a dificuldade estrutural de acesso à Justiça por parte de familiares de mulheres negras e, em especial, defensoras de direitos humanos, vítimas da violência do Estado.

As autoridades têm a obrigação de solucionar esse crime, que expõe, para o Brasil e para o mundo, as constantes violações de direitos fundamentais que atravessam as populações periféricas e favelas em nosso país.

Em virtude disso, como uma resposta ao assassinato de Marielle, a família criou em 2019 o Instituto Marielle Franco. O instituto busca inspirar, conectar e potencializar mulheres negras, LBTQIAPN+ e periféricas a seguirem movendo as estruturas da sociedade por um mundo mais justo e igualitário e para que mais mulheres negras e faveladas ocupem a política e não sejam interrompidas.

Nesse contexto, em 14 de julho de 2021, a organização articulou a criação do Comitê Justiça por Marielle e Anderson junto com as famílias das vítimas, o mandato da vereadora Mônica Benício, e as organizações Anistia Internacional Brasil, Justiça Global, Coalizão Negra por Direitos e Terra de Direitos, no intuito de lutar por justiça no caso. Hoje o comitê é uma das principais frentes de atuação do Instituto.

Além disso, após a morte de Marielle, houve um crescimento de casos de violência política contra mulheres negras, cis e trans, e defensoras de direitos humanos, historicamente sub-representadas, que mobilizou o instituto a organizar a campanha permanente Não Seremos Interrompidas.

Este programa está baseado em uma plataforma por meio da qual, junto a outras organizações da sociedade civil, lutamos por proteção e segurança para mulheres negras, LBTQIAPN+ e periféricas que se disponibilizam a ocupar a política, de modo institucional ou através de movimentos, coletivos e organizações.

Desde de 2020, atuamos para que o que aconteceu com Marielle, não se repita, afinal alcançar justiça por Marielle significa que o Estado, dentre outras medidas, deve implementar ações capazes de alterar as circunstâncias estruturais que promoveram e não evitaram que violações de direitos humanos como essa se concretizassem. Como resultado dessa nossa luta, juntamente a outros esforços da sociedade, em 2021, foi aprovada a primeira Lei de Violência Política Nacional, a Lei 14.192/21.

Ademais, como parte da celebração do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, o governo federal enviou à Câmara dos Deputados uma série de projetos de lei, entre eles o que propõe a instituição do dia 14 março como o Dia Nacional Marielle Franco –data que terá por foco o enfrentamento à violência política de gênero e de raça.

Porém, para além disso, ainda é necessária a estruturação de uma política pública nacional de prevenção e proteção para as vítimas. Essa pauta é defendida pelo Instituto Marielle Franco, junto a parceiros da sociedade civil, perante o Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores localizadas em vários pontos do país.

O assassinato de Marielle e Anderson marcou a história política brasileira e mundial, demonstrando a fragilidade da democracia no nosso país, e levantou a importância do debate da violência política de gênero e raça, da violência letal LGBTQIAPN+fóbica e do ataque a defensores de direitos humanos no Brasil. Trata-se de meia década de ausência de respostas, o que reflete a negligência e a impunidade estrutural em casos de crimes contra a vida de defensores de direitos humanos.

Logo, no dia 14 de março de 2023 ecoaremos ainda mais forte o nosso grito de “Justiça por Marielle e Anderson”. Descobrir quem mandou matar Marielle significa mais do que fornecer uma resposta para a sociedade e famílias das vítimas.

Com isso, o Estado brasileiro tem a possibilidade de tornar o caso paradigmático, de modo que dele surjam melhores práticas políticas e jurídicas que ajudem defensores de direitos humanos a permanecerem vivos e seguros. Tudo isso também faz parte do legado de Marielle.


Ligia Batista

Diretora executiva do Instituto Marielle Franco, advogada e pesquisadora em Direitos Humanos. Atua nos campos de direitos humanos, democracia, participação, representação e enfrentamento a desigualdades políticas, justiça racial e de gênero na América Latina

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