Do lado de dentro, condições insalubres, isolamento e uma permanente tensão causada por frequentes rebeliões e ameaças de morte.
Por Felipe Souza, para BBC Brasil
Do lado de fora, os parentes dos presos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) e da cadeia pública Vidal Pessoa, em Manaus, que não cometeram nenhum crime, mas também enfrentam condições difíceis. Alguns chegam a passar fome. Tudo para tentar garantir uma vida menos pior para quem está do lado de dentro da fronteiras de concreto e aço.
Para muitos, a luta é para garantir que seus entes presos continuem vivos. Muitos relataram que entregaram cartas à diretoria da prisão denunciando ameaças recebidas por internos e que contraíram dívidas com advogados na tentativa de tirá-los de lá.
Em uma demonstração de desespero, famílias de presos na cadeia pública passam o dia na calçada pedindo ajuda para todas as pessoas que entram no local. A intenção delas é mostrar que detentos estão sendo ameaçados no local e precisam ser transferidos para não morrer.
Elas disseram que quase não recebem apoio jurídico e que apenas haverá um mutirão no próximo dia 20 para ajudar as famílias dos presos mortos nas chacinas.
A reportagem da BBC Brasil foi cercada por vários familiares durante visita ao presídio nesta semana.
“Moço, me ajuda, eu não sei mais o que fazer. Estão dizendo que vão cortar a cabeça do meu irmão lá dentro”, afirmou uma das mulheres. Segundo ela, o detento sofre ameaças desde que estava no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj).
O preso sobreviveu à matança que deixou 56 mortos do primeiro dia do ano e relata à família que continua num ambiente de constante tensão.
Condições de vida
A BBC Brasil conversou com familiares de presos mortos e de outros que ainda estão nos presídios onde ocorreram as rebeliões que deixaram 64 mortos em Manaus.
Para tentar melhorar as condições de vida no presídio, eles contaram que chegaram a comprar tinta para pintar as celas dos internos em setembro de 2016. Além disso, uma das famílias relatou ter levado até material cirúrgico, como gazes e esparadrapo, para que um dos internos pudesse ser operado dentro da penitenciária.
A empresa Umanizzare, que administra o Compaj, confirmou essas declarações. Em nota, ela informou que a entrada da tinta no presídio foi autorizada pelo Estado, mas não informou por que ela mesma não fez o serviço, já que ela é paga para cuidar da gestão, operação e manutenção do local.
Em relação aos materiais cirúrgicos, a empresa disse que faz apenas atendimentos básicos dentro da unidade. As cirurgias de alta e média complexidade são feitas em outros locais. A empresa não comentou o caso questionado pela reportagem.
Os familiares disseram ainda que, muitas vezes, a comida oferecida está estragada, como feijão com vermes e água com gosto de ferrugem.
A mãe de um ex-detento afirmou que chegou a passar fome para comprar comida e levar para ele na cela. Até mesmo a cesta de Natal que ganhou da empresa no fim do ano foi para o filho.
Promessas
No desespero de tentar tirá-los de dentro do presídio, parentes dos presos fazem dívidas para pagar honorários a advogados.
“Um deles pediu R$ 4 mil para tirar meu filho de lá. Tirei dinheiro de onde já não tinha e, quando eu estava terminando de pagar, o advogado desistiu da ação. Perdi meu chão”.
O mesmo aconteceu com a irmã de um detento morto na Compaj. Ela relata que o interno começou a ser ameaçado constantemente, mas não teve sua transferência autorizada. Ela decidiu recorrer a um advogado. O defensor pediu R$ 2 mil para conseguir libertar o preso. Mas a família, de origem muito pobre, não tinha a quantia.
“Em novembro, ele mesmo começou a falar que era para eu parar de me preocupar com isso. Ele já sabia que morreria em breve”, disse.
Sem velório
Além de passar anos ou até décadas sofrendo junto com os presos, os parentes dos presos que morreram no Compaj não puderam velar os corpos deles. Tudo por medo.
A maior parte dos detentos mortos nas chacinas em Manaus estava no “seguro” – celas onde ficam os presos ameaçados de morte. Essa ala abriga, por exemplo, estupradores, membros de facções rivais e ex-policiais militares. Por esse motivo, a identidade de nenhum de seus parentes será revelada nesta reportagem.
Chorando, uma das mulheres relatou à BBC Brasil que seu marido foi esquartejado, teve os olhos arrancados e o corpo carbonizado. Devido à dificuldade de identificação de algumas vítimas e o medo das famílias de sofrerem represálias no Instituto Médico Legal (IML), o último corpo só foi enterrado oito dias após a matança no Comparj.
Tragédia anunciada
Ao falar da chacina no Compaj, todos os parentes ouvidos pela BBC Brasil afirmaram que já a previam. Eles disseram ter entregado cartas escritas por internos para o diretor da unidade denunciando constantes ameaças.
“Uma vez, fui fazer visita e os rivais mostraram um monte de armas para ele na minha frente. Eles queriam causar terror contra quem eles não gostavam”, disse a mulher de um detento morto.
Os familiares contaram que a Secretaria da Administração Penitenciária sabia das ameaças e não tomou nenhuma providência. À frente da pasta, Pedro Florêncio, afirmou em encontro com autoridades e órgãos de direitos humanos nesta semana que o setor de inteligência do governo havia identificado apenas que haveria uma tentativa de “fuga em massa”.
A irmã de um preso disse que ele recebia ameaças constantes de que teria a cabeça arrancada.
Com as mãos suadas e os olhos cheios de lágrima, a mãe de um dos detentos afirmou que seu filho também vinha sofrendo intimidações.
“Ele disse que a cadeia estava ‘balançando’ e que iria estourar a qualquer momento”.
Ela contou ter percebido “algo estranho” no dia das mortes em massa. A preocupação aumentou quando o filho pediu para que ela voltasse para casa antes do horário de visitas acabar.
“Ele disse para eu pegar um ônibus e ir embora. Então eu dei um abraço nele. Ele disse que me amava e eu também. Dei a bênção a ele e fui”.