O que seria de Fernando Pessoa (1888-1935) se não houvesse o mar? É certo que o poeta português escreveu sobre tabacarias, metafísicas, paisagens de dentro. Mas não fosse o Atlântico, não leríamos seu magistral Mar Português: “Ó mar salgado, quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal! (…) Valeu a pena? Tudo vale a pena / Se a alma não é pequena”.
Melodioso sábio, o compositor Paulinho da Viola também socorreu-se do mar para nos presentear com a canção Timoneiro: “Meu velho um dia falou / Com seu jeito de avisar: – Olha, o mar não tem cabelos / Que a gente possa se agarrar”. Juntando Pessoa com Viola, teríamos um mar calvo que chora.
Precisaríamos de algumas vidas para dar conta de listarmos toda poesia e prosa que falam do mar. Correto que também há menções maravilhosas a rios, lagos, lagoas, córregos, riachinhos, olhos d’água. Até as represas têm rendido poemas. Mas o mar. Ah, ele é narrável demais. Além de mudar de cara e de humor conforme a fase da lua, o regime dos ventos, o tremor da Terra.
A turma do Vale do Silício, Califórnia, também deve muito ao mar. Melhor dito, ao programa batizado de navegador. Este permitiu interações virtuais, fazendo com que a Internet saísse de áreas restritas para servir a todos nós. Pois o que é a internet senão um conjunto de oceanos? Onde nós navegamos à procura da receita de um bolo à receita de um mundo melhor.
Eu nasci no Rio de Janeiro, cidade que pulsa junto ao mar. Quando criança morei na Tijuca, entenda-se longe da praia. Minha avó Affonsina gostava de dizer que se os engenheiros furassem a montanha em frente da nossa casa, sairíamos na praia. Tanto bastava. Sonhei várias noites em que ao amanhecer abria a janela e dava de cara com ele. O imenso.
Se não me falha o disco mole da memória, o cineasta russo Serguei Eisenstein (1898-1948) – no seu belíssimo filme Ivan, O Terrível – registra a sequencia de um filho levando o pai moribundo para ver o mar. Também vivi isso com um amigo interiorano. É claro que ele não estava morrendo, encontrava-se vivíssimo na sua adolescência. Mais foi bonito testemunhar meu amigo olhando o mar pela primeira vez. Foi coisa de cinema vê-lo se apaixonar.
Imagem: Régine Ferrandis