‘Mentalidade’ é obstáculo para empreendedoras brasileiras, diz especialista

Arancha González é diretora do International Trade Centre – órgão ligado à OMC e à Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD)

Do BBC

Para González, setor privado deve ter papel mais ativo no crescimento de mulheres empreendedoras

A diretora do International Trade Centre – órgão ligado à Organização Mundial do Comércio (OMC) e à Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) –, Arancha González, acredita que “a cultura e a tradição” no Brasil são obstáculos maiores para as mulheres empreendedoras do que a burocracia.

Dedicado a ajudar economias em desenvolvimento a promover suas exportações, o ITC agora concentra seus esforços nas pequenas e médias empresas lideradas por mulheres. Em setembro, o órgão realizará em São Paulo, em parceria com a Apex-Brasil, o Women Vendors Exhibition and Forum, a maior feira negócios para empresas lideradas por mulheres no mundo.

Em São Paulo para promover o evento – que aconteceu anteriormente na China, no México e em Ruanda –, González disse à BBC Brasil que a discussão sobre a participação das mulheres no mercado deve sair do âmbito ideológico e concentrar-se nos benefícios à economia. “Se sabemos que as empresas com mais diversidade de gênero têm melhores resultados e que colocar dinheiro nas mãos das mulheres equivale a reduzir pobreza, não é difícil concluir que interessa aos países ajudar a impulsionar o empresariado da mulher.”

Confira os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil – Um estudo da empresa de consultoria Serasa Experian, publicado no último mês de fevereiro, afirma que cerca de 6 milhões de mulheres brasileiras são empreendedoras. Quase a totalidade delas é sócia de micro ou pequenas empresas ou empreendedora individual. O que é preciso para aumentar a participação destas mulheres na economia brasileira?

Arancha González – O que falta principalmente no Brasil é uma boa discussão – que é necessária – sobre quais os obstáculos que a mulher enfrenta no empresariado. Ao explicitar estes obstáculos, o público e o privado podem fornecer as soluções.

“Se sabemos que as empresas com mais diversidade de gênero têm melhores resultados e que colocar dinheiro nas mãos das mulheres equivale a reduzir pobreza, não é difícil concluir que interessa aos países ajudar a impulsionar o empresariado da mulher”, Arancha González

Nem todas as soluções é o governo quem pode dar. Há muitas que têm que vir do setor privado. Por exemplo, grande parte da solução pode ser que grandes empresas passem a comprar mais de pequenas empresas lideradas por mulheres e isso não é o governo que faz.

BBC Brasil – Quais seriam os principais obstáculos, em sua análise, que as empresárias enfrentam no Brasil?

Arancha González – Quando se olha para os obstáculos específicos do Brasil, acho que estão mais no campo da mentalidade, da tradição e da cultura do que nas leis.

Além disso, há o chamado “custo Brasil”, que é um obstáculo mais importante para as pequenas e médias empresas, onde há mais mulheres, do que para as grandes empresas. Em todos os países a burocracia, em geral, é um problema maior para as pequenas e médias empresas do que para as grandes.

BBC Brasil – Se os principais obstáculos são culturais, você acredita que esta discussão deve questionar o papel da mulher na sociedade brasileira de modo geral?

Arancha González – Eu sou uma pessoa muito pragmática nestas coisas. Não gosto de tratar da questão de gênero de um ângulo ideológico ou moral. Há um ângulo moral, porque em 90% dos países do mundo há pelo menos uma lei específica que limita a habilidade da mulher de participar na economia. E isto não me parece muito moral.

Mas eu dirijo uma organização de desenvolvimento, então deixo de lado a moralidade e passo ao campo econômico. E o que nos diz a economia? Que as empresas que têm mais mulheres nos conselhos administrativos, mais diversidade nos escalões superiores e mais participação das mulheres em geral são as que obtêm melhores resultados econômicos. Isso não sou eu que estou dizendo. São a McKinsey e a Credit Suisse (empresas internacionais de consultoria financeira), para que não haja dúvidas.

Também sabemos, e isso é o que diz o Banco Mundial, que . O Brasil sabe disso porque é o criador do Bolsa Família, que se baseia nesta ideia.

Então se sabemos que as empresas com mais diversidade têm melhores resultados e que colocar dinheiro nas mãos das mulheres equivale a reduzir pobreza, não me parece muito difícil chegar à conclusão de que interessa ao país ajudar a impulsionar o empresariado da mulher. Então acho que a chave é ter uma discussão menos ideológica e mais pragmática, baseada na contribuição à economia.

“Cada dólar que colocamos nas mãos de uma mulher são sete dólares que geramos em educação, em saúde e em alimentação”“Cada dólar que colocamos nas mãos de uma mulher são sete dólares que geramos em educação, em saúde e em alimentação”

Insisto, não é que seja preciso deixar de lado a moralidade, mas acho que para ter uma discussão desse tipo no Brasil, um país que está buscando gerar crescimento – porque ainda tem que tirar muita gente da pobreza e manter as que tirou na classe média –, é preciso falar de como conseguir um crescimento inclusivo.

Não conheço nenhum país que não queira isso e isso não se faz somente com caridade.

BBC Brasil – O evento em setembro pretende conectar pequenas empresárias com possíveis grandes compradores, principalmente nos setores de café, serviços, TI e alimentos gourmet. Mas as grandes empresas brasileiras destes setores têm demonstrado interesse em comprar mais de mulheres?

Arancha González – Sim. E não somente as brasileiras, mas as grandes multinacionais instaladas no Brasil. Teremos Google, Coca-Cola, Intel… Todas demonstraram interesse em participar. Queremos mostrar que é possível.

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